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2. Noivo nada sem graça

A sala de reuniões da escola nunca foi tão fria e silenciosa, como se o ambiente soubesse que algo grandioso estava prestes a acontecer. Meu pai me esperava com os braços cruzados e ao seu lado estava ele: o noivo.

Até então, eu só havia visto fotos antigas de eventos de caridade em que ele participava ao lado da família. Um cara de aparência comum, roupas sem graça e um sorriso que parecia forçado. Mas, ao entrar naquela sala, algo mudou.

"Por que eu estou aqui de novo?" perguntei, cruzando os braços.

"Porque você precisa entender o motivo por trás desse casamento. Por favor, deixe de ser mimada por um instante?" meu pai respondeu, apontando para que eu me sentasse.

Sentei com relutância, minhas mãos entrelaçadas no colo, enquanto meu pai suspirava e começava a falar:

"Nos últimos anos, o colégio passou por dificuldades financeiras. Estamos cercados de dívidas que quase ninguém sabe, e a família do Gabriel tem nos ajudado a manter tudo em ordem. Esse casamento não é só um acordo comercial; é um gesto de confiança, uma parceria que vai garantir o futuro de todos que dependem dessa instituição. E, aliás, você não se lembra mesmo do Gabriel?"

Antes que eu pudesse responder, Gabriel, o noivo, levantou os olhos para mim. Seus olhos eram de um castanho claro, quase dourado, que eu não tinha percebido nas fotos. Ele parecia hesitante, mas não desconfortável. Seu cabelo, cortado de uma forma que ornava mais seu rosto, dava a ele um ar de elegância discreta.

"Eu sei que isso soa estranho para você," ele disse com uma voz calma e profunda. "Mas quero que saiba que eu também não esperava por isso. Minha família me colocou nessa situação, e eu só aceitei porque vi o quanto o colégio significa para vocês, Beatrice. Além disso, eu não poderia deixar minha amiga de infância na mão, mesmo que ela não se lembre de mim."

Por um momento, fui pega de surpresa pela sinceridade na voz dele. Não era o tom frio e calculista que eu imaginava. Havia uma doçura ali, algo que parecia quase genuíno. A forma como ele falou meu nome deixou meu coração palpitando com uma alegria estranha.

"Gabriel, eu..." Pela primeira vez, estava sem palavras.

"Beatrice, não faremos nada que você não queira. Se quiser planejar o casamento, é com você, mas se quiser relaxar, eu procuro outra pessoa que faça isso." Seu sorriso caloroso fazia com que eu me sentisse mais segura com o contrato, embora ainda tivesse dúvidas.

"Amiga de infância?" perguntei, tentando me lembrar de algum garoto chamado Gabriel. Minhas memórias eram nebulosas, como se algo importante estivesse trancado em um cofre que eu não tinha a chave.

Ele riu suavemente. "Sim. Nós costumávamos brincar juntos no jardim da sua casa. Eu era mais tímido naquela época e você sempre me arrastava para suas confusões"

De repente, flashes do passado começaram a surgir. Um garoto magrelo, com olhos grandes e cheios de curiosidade, que segurava minha mão enquanto corríamos pelo jardim. Meu coração se apertou.

"Gabriel... você era aquele menino que sempre fazia buquês de flores que a gente fingia vender?" Disse apontando para ele com animação.

Ele assentiu, um sorriso tímido se espalhando por seu rosto. "Sim, você sempre dizia que eu seria um rei. Hoje, como CEO, eu realmente sou"

Soltei uma risada incrédula. Era difícil conectar aquele garoto doce com o homem à minha frente. Mas, ao mesmo tempo, algo nele parecia familiar, como se ele ainda carregasse aquele espírito gentil de antes.

Meu pai nos observava em silêncio, claramente aliviado por ver alguma conexão se formando. "Viram? Vocês têm história juntos. Não é como se fossem completos estranhos." Ele tossiu algumas vezes, achei que quisesse atenção.

Eu o ignorei, ainda focada em Gabriel. "Por que você nunca mais apareceu depois que éramos crianças?"

"Minha família mudou-se para outra cidade por causa do trabalho do meu pai. Perdi o contato com você, mas sempre me lembrava das nossas brincadeiras. Esse ano meu pai me colocou como CEO da empresa daqui, então, tive que arrumar um lugar por aqui" Sua voz carregava um tom de nostalgia que mexeu comigo.

Houve um momento de silêncio, e, pela primeira vez, senti que havia algo mais nessa situação. Talvez eu tivesse julgado Gabriel cedo demais.

"Então, Beatrice, o que acha?" Meu pai quebrou o silêncio, sua expressão ansiosa.

"Eu..." Respirei fundo. "Eu preciso de tempo para pensar."

Levantei-me antes que qualquer um deles pudesse dizer algo, e saí da sala com o coração acelerado.

...

O vento caloroso batia no meu rosto enquanto eu caminhava pela calçada, tentando processar tudo. Gabriel não era quem eu esperava. Ele não era o homem frio e interesseiro fruto da minha imaginação. Ele era gentil e havia algo em seus olhos que me fazia querer conhecê-lo mais. E o fato da gente se conhecer 

Eu precisava pensar, então, mandei uma mensagem para Alexandre falando para ele ir lá para casa, chamei a Cat também, ela era ficante do Alex e uma das minhas melhores amiga.

Ao chegar na minha casa, preparo ela para receber meus amigos e contar minhas impressões sobre o Gabriel.

Eles chegaram e finalmente pude expor minhas emoções.

"Parece que você teve um dia complicado." Diz Cat tentando amenizar.

Alex senta-se ao lado dela e começa a abrir os pacotes de fini e colocar nas bacias para a gente comer.

"Vocês nem imagina," eu respondi, afundando no sofá.

Contei a eles sobre a reunião, Gabriel e as memórias de infância que haviam surgido. Enquanto eu falava, percebi que minha visão sobre Gabriel estava mudando, mas isso me deixava ainda mais confusa.

"Então ele não é tão sem graça assim, hein?" Alexandre provocou, levantando uma sobrancelha.

"Não é isso," rebati, embora soubesse que ele tinha razão. "É só que... eu não esperava que ele fosse tão... doce."

"Talvez você devesse dar uma chance para conhecê-lo de verdade. Quem sabe? Pode ser que ele surpreenda você." disse Cat, abraçando Alex. Aquilo me deu um nó na garganta.

Suspirei. Alexandre e Cat tinha razão, mas admitir isso em voz alta era outra história.

...

Uma semana depois, Gabriel me chamou para um café. Ele disse que queria conversar sem a pressão de nossas famílias. Concordei, embora ainda estivesse hesitante.

Quando cheguei ao café, ele já estava lá, sentado em uma mesa próxima à janela, distraído com a vista das pessoas passando pela calçada movimentada. Vestia uma camisa simples, mas que acentuava seus ombros largos e mostrava um pouco do seu físico bem cuidado. Ele parecia mais descontraído do que antes, quase como se fosse outra pessoa.

"Obrigado por vir, Beatrice," ele disse, levantando-se para me cumprimentar.

"Eu precisava de respostas," respondi, sentando-me, talvez eu estivesse sendo um pouco mal educada, mas, eu pensei bem e conhecia realmente o Gabriel, mas aquee da minha infância. Eu não conheço esse.

Gabriel sorriu e por um momento, o mundo ao nosso redor pareceu desacelerar. "Eu só quero que você saiba que, para mim, isso não é apenas um acordo. Eu quero que funcione. Quero que você se sinta confortável, mesmo que isso signifique ir devagar."

Conversamos por horas. Ele falou sobre sua vida, seus sonhos e suas memórias de infância comigo. Descobri que ele era mais do que parecia: um homem com ambições, mas também com um coração cheio de compaixão. E que assim como eu, tinha uma quedinha na infância por mim. Eu só via os prós aumentarem e os contras se rebaixarem cada vez mais.

Quando nos despedimos, eu não conseguia tirar o sorriso dele da minha cabeça. Talvez, só talvez, aquele casamento não fosse o pesadelo que eu imaginava.

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