Capítulo I

MELANIE

Dias atuais...

Caminho por entre as árvores e ergo minha cabeça para absorver o calor do sol que queima o pouco de pele amostra que tenho. Fugi do convento com a intenção de vir ao vilarejo brincar um pouco com as crianças que moram na rua e que trabalham na feira do vilarejo, sei que não deveria fazer isso, pois se for pega sei que vou pagar caro por este pequeno deslize, mas apesar disso não resisti ao fato de ter um pouco de liberdade, nem que para isso sofra um castigo severo da madrevóla, é assim que chamo a Madre Superiora.

Ao passar por entre as pessoas, que me olham com certa curiosidade, por causa do meu hábito de noviça, noto alguns homens que fazem parte do Cartel que comanda tudo por aqui, me olharem com cobiça, apesar das minhas vestes, e isso me deixa em alerta, pois não gosto da maneira como me acompanham com o olhar, então resolvo apressar o passo para chegar o mais rápido possível ao meu destino.

Viro a esquina e respiro aliviado ao me deparar com os meninos brincando na rua. Eu os conheci quando vim com uma das freiras fazer as compras para a cozinha do convento e quando passamos pela feira da cidade me deparei com várias crianças que trabalhavam ajudando as senhoras a carregar suas compras e foi assim que conheci o Miguel, pois foi ele que nos ajudou a levar as compras para o convento, ficamos amigos de cara e dessa mesma forma conheci os outros, porque fiquei encarregada de ajudar a freira nas compras para a cozinha.

Juan é o primeiro que me vê e acena feliz em minha direção já vindo até mim com um lindo sorriso no rosto o que faz com que os outros meninos sigam seu exemplo.

─ Oi, Mel! ─ Ele diz depois de me dar um abraço gostoso.

Sorrio feliz quando todos os meninos fazem o mesmo e tudo vira uma algazarra.

─ Oi, meninos! Sentiram minha falta? ─ Questiono após o abraço coletivo cessar.

─ Siiiiiim! ─ Eles gritam em uníssono.

Como é bom poder sorrir um pouquinho, depois de tanta dureza e falta de amor. Desde que papai morreu eu nunca mais soube o que é ser amada e querida por alguém. Assim que fui jogada naquele convento só conheci a dor, humilhação e dureza. Lá não tenho nenhuma amiga e as freiras nos tratam como bichos. A madre nos obriga a trabalhar incansavelmente do nascer do sol ao anoitecer. Ela nos escraviza e retém qualquer objeto de valor que tenhamos.

Tudo o que mais desejo nessa vida é sair daquele inferno. Todas as noites tenho pesadelos com o dia que fui abandonada no convento, são flashes do pior dia da minha vida, pois nesse mesmo dia perdi meu pai e fui abandonada por um homem que não sei quem é. Não lembro do seu rosto ou como ele era, minha mente bloqueou sua imagem assim como as imagens da morte de papai. A única coisa que consigo visualizar, nos sonhos, são seus olhos negros e o fato dele estar vestido de branco, mas os sonhos são tão fantasiosos que muitas vezes chego a pensar que são alucinações.

─ Mel vamos brincar? ─ Miguel pergunta o que me faz despertar dos meus pensamentos e mirar a carinha linda dele todo esperançoso.

─ Eu vim justamente para isso, Miguel. ─ Ao ouvir minhas palavras a criançada pula eufórica. ─ Vão decidindo do que iremos brincar, pois vim passar à tarde com vocês e depois tenho que voltar correndo para o convento antes que a Madrevóla dê por minha falta. ─ Ao ouvir o apelido que criei para a madre as crianças começam a gargalhar. Sorrio também me sentindo feliz por estar com eles.

A tarde foi maravilhosa, brinquei e me diverti horrores com meus meninos lindos. E agora caminhando ao lado de Juan e Miguel, que fizeram questão de me acompanhar até o convento, vamos passando pelas ruas do pequeno vilarejo de El Camino quando passamos em frente ao Centro Médico da cidade. Toda vez que tenho que passar em frente ao prédio meu coração se aperta e fica pequenininho, pois é neste lugar que as lembranças do meu pai são mais fortes. Lembro-me quando ele me trazia para passar o dia com ele, porque, segundo ele, eu era a enfermeira mais dedicada que ele tinha. Sorrio, pois eu mais atrapalhava do que ajudava por ser muito pequena e não entender direito o que meu pai fazia, na verdade tudo era uma grande brincadeira para mim e na minha cabeça de menina, papai era um herói, porque via como as pessoas gostavam dele, pois ele as tratava com doçura e compaixão, sempre com um sorriso nos lábios e ternura no olhar.

Porém as lembranças não são só felizes, existe também a única lembrança ruim que tive dali e consequentemente a pior de todas elas: o dia da morte do meu pai. É bem verdade que não lembro de tudo detalhadamente, pois o que eu tenho são só flashes desse dia e mesmo assim desencadeados através de pesadelos, mas de uma certeza eu tenho: é de que ele morreu bem em frente a esse prédio.

Quando atravessamos a rua, o que nos obrigou a passar pela entrada do Centro Médico, um homem alto e forte sai de dentro do prédio, ele passa as mãos freneticamente pelos vastos cabelos negros, parece bastante nervoso e angustiado, mas não foi seu estado de espírito que me chamou a atenção, mas sim uma sensação estranha de conhecimento. A sensação foi tão forte que me fez parar no lugar e olhar bem para ele, o que só piorou mais ainda quando ele percebeu a minha presença e olhou bem dentro dos meus olhos.

Nessa hora uma brisa forte sopra e meu corpo todo se arrepia, apesar do calor de trinta e cinco graus que faz no momento. Quando seus olhos negros colidiram com os meus um tremor me percorre por inteiro e eu não consigo me mover, apenas ficar lá parada e sem nenhuma reação, era como se meu corpo não me pertencesse mais e que mesmo eu querendo me mover e fugir daquela força que me dominava e que me colocava em estado de letargia eu não conseguia, pois era mais forte que eu.

─ Mel? ─ Sou tirada do meu tranze quando Juan puxa meu hábito para chamar minha atenção. Olho para ele rapidamente tentando me recuperar da força arrebatadora causada pelo homem estranho.

─ Oi. ─ Respondo com a voz afetada.

─ Mel você não vem?

─ Vou sim, meu amor. Desculpe, eu não estava me sentindo muito bem, mas já passou. Vamos. ─ Despisto para que os meninos não percebam meu estado.

Respiro fundo e tropegamente acompanho os meninos em nosso caminho até o convento, mas antes de virar a esquina olho mais uma vez na direção do Centro Médico, porém o homem não está mais lá o que me faz duvidar se o que eu vi era de verdade ou só uma alucinação. Balanço a cabeça para limpar os pensamentos e sigo meu caminho.

Ao chegarmos no convento, me despeço dos meninos e entro por uma passagem na lateral do muro que eu descobri há um tempo, mas que não tinha utilizado ainda. Consigo entrar sem ser percebida bem a tempo de ajudar a freira, responsável pela comida a preparar o jantar, e agora deitada sobre minha cama, que nada mais é do que um colchão fino sobre um quadrado de cimento, recordo mais uma vez sobre o encontro que tive com o homem desconhecido. Analisando toda a cena em minha cabeça creio que ele deva trabalhar no Centro Médico, pois estava vestido todo de branco, exatamente como papai se vestia, e todas as outras pessoas que trabalhavam lá, penso.

A imagem daquele homem não sai da minha cabeça e por mais que eu tente não consigo me desfazer da sensação estranha de conhecimento. É esquisito, porque não me lembro de tê-lo visto nenhuma outra vez pelo pequeno vilarejo.

Com os pensamentos em polvorosos acabo dormindo, porém meu sono não é tranquilo, como nunca é, mas desta vez os pesadelos não são relacionados à morte de papai ou ao fato de ter sido abandonada e sim com o homem misterioso.

***

─ Noviça! ─ O som estridente de batidas forte na porta do meu quarto me fazem despertar do sono no susto. ─ Acorde! A madre superiora quer falar com você urgente! ─ Mais batidas.

─ Já estou indo, irmã. ─ Grito para que ela pare de bater.

Fico um tempo parada para acalmar meu coração do susto, depois coloco os pés para fora da cama e levanto para vestir meu hábito de noviça. Ando alguns passos até a cadeira onde coloquei a roupa, na verdade dou só dois passos, porque o quarto em si não é grande, ele mais parece uma sela de prisão do que um quarto propriamente dito. Todo o ambiente se resume a um quadrado com minha cama de cimento no canto direito, uma mesinha com uma jarra de água e uma cadeira, ao lado da cama, e na parede do lado esquerdo fica um armário com meus poucos pertences.

Tudo aqui é estéril, frio e sem vida e nós, as noviças, somos tratadas como escravas que devemos nos curvar a todas as ordens das freiras.

Quando cheguei aqui, não consegui me adaptar de imediato e sofri muito, porque não conseguia entender que eu deveria acatar todas as ordens das superioras sem questionar, e eu como sempre fui de perguntar muito a todo instante questionava tudo e quando via que muitas das ordens eram injustas, batia o pé e me recusava a fazer o que resultava em muitos castigos e humilhações.

Sofri demais e confesso que rezei muito pedindo para Deus me levar para junto do meu paizinho e da minha mãe, tive muito ódio de tudo e apanhei por responder as freiras, isso mesmo, as freiras desse convento não são boazinhas como todo mundo pensam que são. Isso aqui é um inferno! Nós apanhamos se fizermos algo que não as agrada, mas a pior de todas é a Madre Superiora, aquela mulher é horrível, pois para ela qualquer coisa é motivo de castigo físico ou para nos colocar no quarto escuro isolada.

Termino de me vestir para me dirigir até a sala da Madre Superiora, saio do quarto e sigo pelo corredor que dá acesso a sua sala. Bato na porta e entro assim que escuto um “pode entrar.”

─ Com licença, Madre. A senhora mandou me chamar? ─ Digo de cabeça baixa assim que entro no ambiente.

Ainda de cabeça baixa vejo ela se levantar da cadeira e parar ao meu lado, não ouso levantar a cabeça, porque foi desse modo que me foi ensinado a agir quando estivesse em sua presença e que tive que aprender a duras penas.

─ Sabe noviça, quando você chegou a esse convento eu soube que iria me dar muito trabalho, mas mesmo assim resolvi aceitar a prova que o Senhor havia me designado. Aceitei, pois sou muito temente a Deus e tomei para mim essa missão, mas apesar de meus esforços em tentar fazê-la uma moça decente, você não entende e prefere seguir o caminho que o demônio trilhou para sua vida, mas eu não permitirei que o Demônio consiga me vencer tsc tsc. ─ Ela estala a língua e começa a bater o chicote preto, que ela sempre leva consigo, na mão esquerda, sem deixar de me rodear. ─ E por isso vou lhe ensinar a nunca mais fugir do convento para fazer, Deus sabe o que, na rua. ─ Ao proferir as últimas palavras ela desfere um açoite sobre minhas costas e caio gemendo de dor.

─ Ai! Madre eu não fiz nada demais, apenas fui visitar as crianças do vilarejo, eu juro!

─ Você não me engana demônio! Eu sei que você tomou conta do corpo dessa serva de Deus, mas eu não permitirei! ─ Ela grita descontrolada, sem cessar os açoites violentos. ─ Você vai para o quarto escuro e passará uma semana a pão e água para lavar sua alma e seu espírito, demônio!

Choro copiosamente clamando a Deus por misericórdia e que Ele me leve de vez dessa vida, pois não aguento mais sofrer.

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