Capítulo V

ETHAN

A estrada parece mais longa hoje do que o habitual. Constato, porém sabendo que essa fadiga e impaciência é devido ao cansaço por causa do longo plantão que tive no Centro Médico.

Passo uma mão pelo rosto para espantar o sono que quer me dominar. Apesar de estar dirigindo devagar pela estrada resolvo parar um pouco, mesmo estando a alguns minutos da minha cabana. Sei que deveria ter parado para tomar um café antes de ir para casa, mas o desejo de chegar logo no meu paraíso particular foi mais forte que qualquer coisa.

Paro o jipe no acostamento e passo mais uma vez as mãos pelo rosto tentando despertar quando de repente um som estranho corta o silêncio. É algo parecido com um gemido de dor. Olho ao redor para ver se há algum animal ferido por perto, mas não vejo nada, então decido sair do carro a fim de procurar melhor apesar de saber que estou me ariscando muito, pois o gemido pode ser algum animal perigoso.

Caminho um pouco a frente do carro, olhando para todos os lados, sem conseguir identificar nada, porém andando um pouco mais a frente ouço outro gemido e é então que consigo enxergar um pé sobre um monte de folhas secas. Apresso-me e corro até a pessoa caída no meio do mato e coberta de folhas.

Ao chegar lá, ajoelho-me ao lado do corpo e vou tirando as folhas de cima da pessoa e aí que meu espanto é enorme ao identificar a freira que vi ontem, a filha do meu amigo Dr. Evans, Melanie. Ela está quase inconsciente, com muito sangue por toda sua roupa. Fico de pé e pego-a, sem muito esforço, nos braços levando-a até meu carro.

─ Aguenta firme. Já já estaremos no Centro Médico e você ficará boa. ─ Sussurro para que ela consiga me ouvir e não desista de lutar.

─ Não! Hospital não, por favor. ─ Ela consegue dizer em um sopro, mas devido ao esforço, desmaia.

Não sei o que faço agora, pois se não a levar até o Centro Médico ela poderá morrer, porque perdeu muito sangue. Mas em contrapartida ao ouvir que a levaria para o hospital ela entrou em pânico se debatendo, com o pouco de força que ainda lhe restava.

Coloco-a sobre o banco do passageiro e após sentar no banco do motorista, observo seu rosto pálido e a quantidade gigantesca de sangue sobre sua roupa de freira, decido levá-la para minha cabana, pois sei que lá poderei cuidar dela, não com os recursos, que com certeza teria no Centro Médico, mas no momento o mais importante é tentar salvá-la. Com este pensamento na cabeça ligo o carro e dou partida em alta velocidade para tentar chegar o mais rápido possível ao meu lar.

Alguns minutos depois estaciono bruscamente em frente à cabana, desço rapidamente e circulo o jipe para pegá-la nos braços do outro lado do carro. Com ela em meu colo, abro a porta e imediatamente sigo até meu quarto, depositando-a sobre a cama. Volto até o carro novamente para pegar minha maleta e com ela em mãos chego ao quarto preparado para fazer de tudo para salvar a menina.

Lavo as mãos rapidamente e volto ao quarto, abro a maleta e pego uma tesoura para cortar a roupa que cobre seu ferimento, pois preciso ver a gravidade do ferimento para ter uma dimensão do estrago. Após livrar seu corpo da vestimenta, examino-a e percebo que ela foi ferida de raspão no ombro direito e pelo formato do ferimento constato que foi uma bala que a atingiu. O que me deixa bastante intrigado, mas sem tempo para remoer o assunto decido questioná-la quando ela despertar.

Começo a limpar a ferida para depois esterilizar o local, em seguida dou alguns pontos, após concluir a sutura faço um curativo. Cubro seu corpo e sento-me na poltrona ao lado da cama observando seu sono e ainda intrigado pelo fato de saber que ela tenha sido baleada, além do fato de encontrá-la desmaiada no meio da floresta. Então um pensamento aterrorizante me passa pela cabeça. Como eu a encontrei logo cedo desacordada no acostamento da estrada com toda certeza ela deve ter estado naquele local desde o dia anterior.

─ Porra! Ela poderia ter sido devorada por algum animal selvagem. ─ Passo as mãos freneticamente pelo rosto e cabelo.

Decidido a não pensar mais, levanto-me e vou até o banheiro tomar uma ducha. Cogitei a ideia de ir até a cachoeira nadar um pouco para tirar o estresse, mas na mesma hora desisti, pois não é bom deixar a menina sozinha na situação em que se encontra. Entro no banheiro, retiro toda a roupa e me enfio debaixo do jato de água quente.

Após o banho vou de toalha até o guarda roupa, pego uma calça de moletom e uma regata branca, mas ao fazer o caminho de volta para o banheiro a fim de me trocar, paro e observo a garota sobre minha cama, ainda dormindo. Meus olhos pousam sobre o rosto angelical, a pele morena imaculada.

─ Meu anjo de olhos amarelos. ─ Sussurro sem me dar conta. Porra! Que droga está acontecendo comigo. Ela não é minha coisa nenhuma, nem muito menos eu deveria estar tendo esse tipo de pensamento com relação a ela.

─ Ela é só uma menina. Droga! ─ Passo as mãos pelos cabelos molhados e entro rapidamente no banheiro.

Já vestido saio apressadamente do quarto e vou em direção a cozinha preparar algo para comer. Decido preparar ovos, torrada e café, pois é rápido e não terá perigo da minha hospede não gostar.

Assim que termino de preparar o alimento, coloco uma porção dos ovos em um prato, encho uma caneca com café fresco e um copo com suco de laranja, que tinha na geladeira, ponho umas torradas no prato junto com os ovos e organizo tudo em uma bandeja que levo para o quarto, deixando-a na mesinha de cabeceira ao lado da cama, pois assim que ela acordar, com certeza estará com fome. Observo seu rosto sereno ainda dormindo e me obrigo a sair imediatamente do quarto para não mais pensar o que não devo.

Sento-me para comer, mas parece que meu apetite se foi depois de tudo o que aconteceu agora pela manhã. Observando a floresta pela janela da cozinha fico completamente perdido em pensamentos, mais especificamente sobre o que aconteceu com a menina que dorme sobre a minha cama nesse exato momento.

Passo as mãos pelo rosto agoniado.

Parece que o passado está batendo em minha porta e cobrando seu preço. Ele está me cobrando por ter deixado uma criança de apenas oito anos de idade a própria sorte. Apesar de ter noção de que supri as suas necessidades financeiras, o que não me traz alivio nenhum para o sentimento de culpa que carrego dentro do peito.

─ Socorroooooo! Nãooooo! ─ Um grito doído corta o silêncio e meus devaneios. Saio correndo em direção ao quarto e ao entrar no ambiente me deparo com a menina se debatendo e suando muito sob os lençóis que usei para lhe cobrir.

─ Calma. Calma. Foi só um pesadelo, você está segura agora. ─ Tento acalmá-la da melhor maneira possível.

─ E... eu... eles vão me pegar... nãooo ─ Ela continua se debatendo em seu sono agitado, então sento-me ao seu lado a cama tentando fazê-la se acalmar, pois está muito agitada e poderá fazer com que os pontos abram.

─ Xiu, meu anjo! Ninguém te fará nenhum mal, eu não deixarei. ─ Quando dou por mim estou sentado na cama acariciando seu rosto, próximo demais dela.

É então que ela abre os olhos e os foca em mim. Prendo o ar com a intensidade do seu olhar, meu coração dá um solavanco no peito depois dispara freneticamente me fazendo parar o que estava fazendo e apenas olhá-la sem conseguir quebrar a magia do momento. É como se o universo parasse para que eu apenas pudesse absorver todo o calor do seu olhar.

Mas de repente me dou conta de quem eu sou e de quem ela é, então levanto-me para colocar o maior espaço possível entre nós. Percebo que ela fica um pouco confusa, olha ao redor, depois focaliza em mim novamente para só então questionar.

─ Onde estou? Como vim para aqui? ─ Seus olhos se expandem de repente, como se ela tivesse lembrado algo e percebo sua agitação e nervosismo. Com certeza ela se recordou do momento em que foi baleada.

─ Fique calma, está segura agora. Você está em minha casa e eu sou Dr. Ethan Colins, médico responsável pelo Centro Médico do vilarejo de El Camino. ─ Explico para que ela consiga se sentir segura. ─ Eu a encontrei desmaiada no acostamento da estrada perto daqui e a trouxe para minha casa, tratei do seu ferimento à bala e a mediquei. Tentei levá-la até o Centro médico, mas você ficou em pânico com a possibilidade, por isso a trouxe para minha casa. Mas se achar melhor posso levá-la para lá ou entrar em contato com alguém do convento para vir buscá-la. ─ Concluo e vejo pânico surgir em seu semblante assim que termino de falar.

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