Capítulo II

MELANIE

A escuridão do ambiente não me permite distinguir quando é dia ou noite. Depois de cinco dias, acho, pois perdi completamente a noção do tempo e do espaço, já não tenho mais forças para chorar ou clamar misericórdia, não quando tudo o que tenho como resposta é o silêncio e indiferença.

Muitas vezes cheguei a pensar que Deus se esqueceu de mim no momento em que fui abandonada a própria sorte, sem pai, sem mãe e nenhum outro parente vivo na terra e ainda para piorar tudo fui largada nesse inferno de convento sem perspectiva de vida ou de um futuro. Dói tanto essa solidão que ás vezes chego a pensar que teria sido melhor que tivessem me deixado para viver nas ruas, como os meninos que trabalham na feira, eles são livres para ir e vir quando quiserem e bem ou mal têm uns aos outros para contar, como se fossem uma pequena família, acho que por isso me senti tão próxima a eles quando os conheci, pois eles são como eu, sem ninguém na vida e com um futuro incerto, vivendo um dia de cada vez.

Sentada no chão frio da cela, sem forças, penso que não há motivo para viver ou lutar. Sei que sou nova ainda e que tenho a vida inteira pela frente, pois tenho apenas dezessete anos, mas eu já não me importo mais com o que me venha acontecer, com meu futuro ou qualquer outra coisa. Lembro que várias vezes me imaginei saindo daqui e fugindo com os meninos para qualquer outro vilarejo de Sinaloa, sendo livre e feliz, fiz planos de arrumar um emprego, alugar uma casa para mim e os meninos e quem sabe fazer uma faculdade futuramente. Tudo ilusão, porque sei que jamais sairei daqui e tudo o que o futuro me reserva é uma vida triste, amarga e sem nenhuma perspectiva de felicidade.

O barulho das trancas da porta chamam minha atenção, porém não me mecho, fico parada apenas aguardando o prato contendo um pão e um copo com água que me é entregue todo dia, apenas para eu não morra totalmente de fome.

─ Noviça, levante seu castigo acabou. ─ A freira diz assim que a porta é aberta.

Não compreendo de imediato o que ela diz, pois achei que ainda estava no quinto dia de castigo, mas vi que minha mente e a solidão me pregaram uma peça.

Apoio as mãos na parede para tentar me levantar com uma força sobre-humana, meu corpo todo treme por causa da falta de alimento. Com muita dificuldade consigo ficar em pé e me apoiando na parede sigo para fora do quarto, mas assim que coloco meus pés fora tenho que cobrir meus olhos, por causa da claridade. Foram dias sem ver a luz do sol e por isso minhas retinas queimam pela claridade fazendo com meus olhos lacrimejem.

─ Vamos logo, eu não tenho o dia todo, noviça. ─ Esbraveja impaciente a freira.

Ando o mais rápido que meus pés conseguem para sair o quanto antes da masmorra em que fui jogada.

─ Vá para seu quarto e passe o dia por lá, uma freira levará sua comida. Descanse e coma bem para amanhã de manhã estar forte para dar continuidade aos seus afazeres na cozinha. ─ Assinto e faço meu caminho para o quarto lentamente. A freira passa por mim sem nenhum tipo de compaixão por meu estado.

Mas também o que eu estava querendo? Um abraço maternal e cuidados? Esse tipo de demonstração de afeto jamais vi aqui, pelo tempo em que estou neste convento tudo o que presenciei foi frieza e dureza.

Finalmente consigo chegar ao quarto e assim que adentro o ambiente deito-me sobre a cama com o corpo debilitado pela fome e pelo esforço de me deslocar até o quarto. Consigo pegar no sono imediatamente em que minha pele toca os lençóis.

 Não sei por quanto tempo dormi só sei que algum tempo depois acordo por causa de um barulho no quarto, olho para o lado e vejo a irmã Consuelo depositando sobre a mesinha ao lado da minha cama uma bandeja com comida. Sinto o aroma delicioso do Pozole invadir minhas narinas e todo o ambiente, nesse instante meu estômago começa a roncar.

Tento levantar, mas meu corpo fraco não me permite então caio na cama outra vez. Assim que percebe que estou acordada e que não consigo levantar ela traz a bandeja até mim.

─ Sente-se que eu colocarei a bandeja em seu colo para que consiga comer, criança. ─ Assinto e me sento na cama, uma dor absurda me rasga no momento em que encosto no espaldar da cama por causa dos açoites, mas com jeito consigo encontrar uma posição que me permita comer.

─ Obrigada, irmã. ─ Digo assim que ela coloca a bandeja com o caldo fumegante, pães doces e um copo com suco de laranja sobre meu colo.

─ Coma tudo, criança, para se fortalecer e retornar para o trabalho amanhã com disposição. ─ Começo a comer devagar com medo do estomago rejeitar a quantidade maior de comida dentro dele. Vejo a mulher me observar comer com um pouco de cautela.

A irmã Consuelo é a única aqui dentro que não me maltrata ou me trata com desdém, ela não é má pessoa, apesar de ser reservada, ela apenas faz seu trabalho sem nenhum tipo de intimidade, não por querer, mas mais por saber que aqui nós não devemos ter nenhum tipo de intimidade ou amizade com nenhuma das outras mulheres e como ela já está aqui ha bem mais tempo que eu deve saber que se resguardar é o mais sensato a se fazer.

Já me sentindo bem melhor depois da comida, coloco a bandeja na mesa ao lado da cama e olho na direção da irmã que ainda me observa.

─ Obrigada pela comida, irmã Consuelo. Ela estava deliciosa. ─ Agradeço a sua gentileza.

─ Por nada criança. Trouxe essa pomada para que você passe em seus ferimentos para que elas não infeccionem.  ─ Ela vem até a cama e me entrega a pomada. Confesso que o fato dela saber que apanhei me deixa um pouco acanhada, mas apesar disso sei que ela melhor do que ninguém sabe os métodos que a madre usa para impor sua autoridade aqui. Além do mais essa não foi a primeira vez que isso aconteceu e sei que não será a última, pois desde que cheguei ao convento a madre adora me usar como saco de pancadas e exemplo para as outras noviças.

Suspiro e assinto para mais um gesto seu de compaixão para comigo.

─ Tome um banho e passe a pomada, depois descanse.

─ Farei isso, obrigada mais uma vez por seus cuidados e preocupação comigo, irmã.

─ Não há de quê, criança. Agora durma que mais tarde trago seu jantar.

Agradeço mais uma vez e vejo-a sair porta a fora carregando a bandeja em suas mãos.

Permaneço estática por alguns segundos tentando entender como que a minha vida se tornou tão sem sentido assim de uma hora pra outra. Lembro que eu era feliz quando morávamos papai e eu, ele era tudo para mim, mas de uma hora pra outra minha vida mudou completamente. Eu o perdi e vim parar aqui, sem carinho, amor ou qualquer tipo de sentimento.

Não consigo evitar me sentir tão só e sem planos para o futuro, como qualquer moça da minha idade. Sei que deveria estar pensando em qual faculdade gostaria de entrar, que tipo de curso me interessa, esse tipo de coisa que toda garota de dezessete anos estaria pensando agora, porém tudo o que me faria ter um pouco de esperança seria conseguir sair desse convento, mas depois de tudo o que aconteceu comigo quando a madre descobriu que eu havia fugido me fez crer que na há como sair daqui. Até agora não consigo entender como foi que ela descobriu que eu havia saído do convento, às vezes chego a pensar que aquela mulher tem parte com o demônio, pois nada escapa a ela. Nada.

Balanço a cabeça para dissipar esses pensamentos e decidida resolvo tomar um banho para lavar a podridão impregnada em minhas roupas dos dias que passei naquele quarto escuro e imundo.

Com muito esforço me arrasto para fora a cama e, consequentemente para fora do quarto também, em direção ao corredor que dá acesso ao banheiro coletivo. Tudo aqui é feito em conjunto, não é permitido a nenhuma das noviças ter qualquer tipo de regalias ou obter nada para si. Até nossas lembranças de familiares ou amigos são tiradas de nós assim que pisamos os pés nesse lugar.

Entro no banheiro e vou retirando lentamente toda a roupa com bastante cuidado para que os ferimentos não grudem nas roupas e doam ainda mais do que estão doendo. Após retirar tudo ando me apoiando na parede até o chuveiro, ligo-o e coloco-me sob o jato forte querendo que a água lave além da sujeira impregnada no corpo, que ela lave também a sujeira da alma, a dor, a humilhação e todo sentimento ruim que toma conta de todo meu ser. Com todos os acontecimentos tristes dos últimos dias e meu estado emocional abalado por eles, não consigo me conter e acabo chorando copiosamente, choro por todos os sonhos que tive quando menina e que agora não poderão mais se concretizar, choro pelo futuro miserável e amargo que me espera, mas choro principalmente por mim, por não ter mais forças para lutar e nem querer reagir, apenas aceitar resignadamente. Já lutei demais, fui contra, reivindiquei meus direitos e o que achava que era certo, porém sem sucesso, pois tudo o que tive foi dor, humilhação e choro.

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