Anjo Protetor
Anjo Protetor
Por: Chris Nascimento
Prólogo

Nove anos antes.

─ Vem filha, vamos logo! ─ Papai me puxa pela mão com pressa. Há muito barulho de balas cortando o ar, pessoas correndo desesperadas com medo de serem atingidas pelos tiros que ecoam por todo canto.

─ Mais rápido, filha! Mais rápido! Precisamos chegar até o Centro Médico o quanto antes. Lá estaremos protegidos e o Ethan poderá te proteger caso eu precise sair para atender algum ferido. Vem, vamos. ─Tento correr o mais rápido que minhas pequenas pernas conseguem, pois só tenho oito anos, mas mesmo assim ainda é insuficiente.

Seguimos correndo e correndo, porque o tiroteio é intenso entre a polícia e os homens maus, que papai chama de traficantes. Estou com muito medo, mas eu sei que papai não vai deixar que nada de ruim aconteça comigo, porque ele me protege de tudo, desde que mamãe morreu, no dia em que vim ao mundo.

Passamos por entre as pessoas, que esbarram em nós, no intuito de se esconderem. Tudo está agitado, com pessoas mortas pelo chão, algumas pedindo por ajuda e outras simplesmente fugindo, como eu e papai. Vejo alguns amiguinhos meus da escola fugindo também com seus pais, desesperados e com medo, assim como eu.

Quando já estávamos bem perto de chegar até o Centro Médico um barulho forte fez com que papai parasse de correr, ele fica imóvel por um bom tempo e vira em minha direção, com os olhos saltados. Mas de repente uma grande mancha vermelha aparece em sua camisa branca.

─ Papai?! ─Ele não me responde e continua parado me olhando. ─Papai, fala comigo! Você está me assustando. ─Fungo por causa das lágrimas que descem por meu rosto.

─ Filha, não fica com medo, eu estou bem. ─ Mas apesar do que ele fala, ele cai de joelhos a minha frente e a mancha em sua camisa vai crescendo mais e mais.

─ Papai, não! Eu estou com medo, não me deixe aqui, sozinha, por favor. ─ Choro e soluço agarrada ao seu pescoço com medo de perdê-lo também.

─ Não chore, meu amor, eu estou bem, foi só um machucadinho de nada, igual aos que você tem quando cai da bicicleta, aí papai coloca remédio e você fica logo boa, vai ser igualzinho com o papai, mas para isso acontecer você vai ter que me ajudar a chegar até o Centro Médico, ta bom? Você pode fazer isso? ─ Assinto, com o rosto ainda em seu ombro.

─ Tá bom, papai. Eu vou te ajudar a ir para o médico para cuidar do seu dodói. ─ Falo depois de levantar o rosto do seu pescoço para encará-lo.

─ Essa é minha garotinha. ─ Papai beija meu rosto e logo depois tenta levantar, mas vejo que o seu dodói está doendo muito, porque ele faz várias caretas de dor, antes de conseguir levantar com a minha ajuda.

─ Já já chegaremos lá, filha, então o papai vai ficar bom depois de tomar um remédio. ─ Assinto.

Conseguimos andar alguns minutos, apesar de papai pesar muito, não o solto ou desisto, pois eu tenho que levá-lo até o médico para curá-lo. Ele tem que ficar bom. Meu papai não pode me deixar.

Mas apesar de todo o esforço, meu pai cai desmaiado em minha frente.

─ Papai, não! Não! Não, papai acorda! Falta bem pouquinho para chegarmos no médico para curar seu dodói. Papai acorda! Acorda! ─ Sacudo seu corpo mole sobre o chão, mas ele não acorda.

─ Não, por favor, papai. Acorda! ─ Grito e grito em meio ao barulho de tiros.

─ Doutor, Evans! ─ Escuto o grito da enfermeira que trabalha com meu papai no hospital da cidade.

Ela corre até onde estamos e verifica meu pai. Eu não consigo fazer outra coisa a não ser chorar e chamar por meu pai, mas apesar dos meus gritos e clamores ele não abre os olhos. Ele só fica lá, deitado, inerte e muito pálido.

Alguns segundos depois um homem vem até nós. Ele está todo vestido de branco como papai, examina o dodói e o pulso dele, não sei o que ele viu ali, só sei que ele baixa a cabeça um pouco triste e a ergue depois para só então me notar ao lado do corpo do meu pai, que ainda dorme. Eu já tinha visto esse moço antes, ele trabalha com meu papai e é médico também. Ele vai curar meu papai e depois dar um pirulito para ele ficar bom logo. Porque toda vez que eu ficava dodói e tomava remédio ruim, meu papai me dava um pirulito, então eu ficava boa e vai ser assim com papai.

─ Moço, o senhor vai curar meu papai, não vai?

 ─ Deus! ─ Ele passa as mãos pelos cabelos nervoso. Eu sei, porque é assim que papai sempre faz quando está angus...angustado, angustiado, essa é a palavra. ─ Guadalupe, leve a menina para o Centro Médico e verifique se ela está machucada, por favor.

Não compreendo por que não levam papai também, já que ele está com dodói. Mas assim que a enfermeira me levanta do chão para me levar até o hospital, dois homens se aproximam do meu pai e jogam um lençol sobre ele.

─ Tragam o meu papai, também. Ele está com dodói. ─ Tento voltar para junto do meu pai, mas a enfermeira não permite e segura meu braço para me impedir.

─ Não! Papai! Papai! Acorda, papai! Papai, nãaaao! ─ Grito e esperneio, sendo levada para o Centro Médico, chamando por ele, mas ele não acorda nunca e nem ninguém tenta acordá-lo também.

***

Vejo pela janela a poeira subir quando o carro passa rapidamente pelas ruas do vilarejo, no banco da frente o moço que trabalhava com papai dirige o carro, ao lado dele está a enfermeira Guadalupe.

─ Tem certeza que é o certo a se fazer, doutor Collins? ─ Eles conversam baixo, mas eu consigo ouvir uma coisa ou outra.

─ Não tenho condições de cuidar de uma criança, Lupe e nem você também. Não conheço nenhum parente do doutor Evans e nem de sua falecida esposa. Vim para cá, porque queria muito cursar minha residência como auxiliar do doutor Evans, que foi meu mentor e com o passar dos anos se tornou um amigo. Não pense que não estou devastado com o que aconteceu com ele, porque estou, mas tenho que voltar para Inglaterra e concluir minha residência lá, pois não poderei assumir o Centro Médico sozinho, sem um supervisor é impossível, além do mais tenho uns assuntos urgentes para resolver lá.

─ Compreendo doutor, mas tenho muita pena dessa menininha, tão novinha e já passando por tudo isso.

─ Eu também, Lupe. Eu também.

Não entendo o que eles estão falando, mas antes que consiga perguntar alguma coisa o carro para em frente a uma casa muito grande e feia. Todos nós descemos e entramos.

─ Doutor, Collins é um prazer revê-lo. ─ Uma mulher gorda e vestindo uma roupa estranha vem até nós, assim que entramos na casa feia.

─ Como vai Madre Yolanda? ─ Os dois apertam as mãos e logo após a senhora olha em minha direção me deixando com medo, pois ela tem sobrancelhas grossas e uma verruga enorme sobre a boca.

─ É essa a criança? ─ Ela pergunta para o homem.

─ Sim, madre. Lupe leve a menina para olhar em volta enquanto converso com a madre.

─ Está bem, doutor Collins.

Alguns minutos depois voltamos até a sala e o homem vem até mim, se ajoelha em minha frente, me fazendo perceber o quanto ele é bonito.

─ Seu nome é Melanie, não é? ─ Ele pergunta.

─ É. ─Respondo.

─ Melanie, você entende que seu papai morreu não é? ─ Assinto, olhando bem dentro dos seus olhos negros. ─ Ele agora foi morar junto com a sua mamãe lá no céu, mas apesar de querer muito poder ficar com você, eu não posso, e por esse motivo tenho que te deixar aqui nesse convento.

─ Não. ─ Balanço minha cabeça em negativa, não querendo ficar aqui, nesse lugar feio.

─ Eu tenho que te deixar aqui, para o seu bem.

─ Não me deixe aqui, por favor. Eu prometo que vou ser uma boa menina, não vou dar trabalho. ─ Imploro chorando.

─ Eu não posso cuidar de você, meu anjo.

─ Por favor, moço, me leve com você, não me deixe aqui. ─ Agarro-me ao seu pescoço com medo.

─ Deixe que cuido dela, doutor. Pode ir sossegado. ─ A mulher asquerosa me segura pelos braços e me solta do pescoço do moço, que se levanta.

─ Eu não posso, Melanie, me perdoe. ─ Ele não olha mais para mim. ─ Madre ficamos acordados como havíamos combinado. Cuide bem dela, por favor. ─ Ele se dirige até a saída, indo para a porta junto com Guadalupe, que está chorando.

─ Não me deixe aqui, por favor! Não! ─ Grito, chorando, para que eles me tirem daqui, mas é em vão.

─ Pare de gritar, menina escandalosa! Eu vou lhe ensinar a se comportar como se deve sua pirralha mimada. ─ Encolho-me chorando por estar nas mãos dessa mulher odiosa e por ter sido abandonada, sozinha, nesse lugar úmido e feio.

─ Não me deixem aqui... ─ Sussurro com lágrimas caindo dos meus olhos sem cessar.

***

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