Nove anos antes.
─ Vem filha, vamos logo! ─ Papai me puxa pela mão com pressa. Há muito barulho de balas cortando o ar, pessoas correndo desesperadas com medo de serem atingidas pelos tiros que ecoam por todo canto.
─ Mais rápido, filha! Mais rápido! Precisamos chegar até o Centro Médico o quanto antes. Lá estaremos protegidos e o Ethan poderá te proteger caso eu precise sair para atender algum ferido. Vem, vamos. ─Tento correr o mais rápido que minhas pequenas pernas conseguem, pois só tenho oito anos, mas mesmo assim ainda é insuficiente.
Seguimos correndo e correndo, porque o tiroteio é intenso entre a polícia e os homens maus, que papai chama de traficantes. Estou com muito medo, mas eu sei que papai não vai deixar que nada de ruim aconteça comigo, porque ele me protege de tudo, desde que mamãe morreu, no dia em que vim ao mundo.
Passamos por entre as pessoas, que esbarram em nós, no intuito de se esconderem. Tudo está agitado, com pessoas mortas pelo chão, algumas pedindo por ajuda e outras simplesmente fugindo, como eu e papai. Vejo alguns amiguinhos meus da escola fugindo também com seus pais, desesperados e com medo, assim como eu.
Quando já estávamos bem perto de chegar até o Centro Médico um barulho forte fez com que papai parasse de correr, ele fica imóvel por um bom tempo e vira em minha direção, com os olhos saltados. Mas de repente uma grande mancha vermelha aparece em sua camisa branca.
─ Papai?! ─Ele não me responde e continua parado me olhando. ─Papai, fala comigo! Você está me assustando. ─Fungo por causa das lágrimas que descem por meu rosto.
─ Filha, não fica com medo, eu estou bem. ─ Mas apesar do que ele fala, ele cai de joelhos a minha frente e a mancha em sua camisa vai crescendo mais e mais.
─ Papai, não! Eu estou com medo, não me deixe aqui, sozinha, por favor. ─ Choro e soluço agarrada ao seu pescoço com medo de perdê-lo também.
─ Não chore, meu amor, eu estou bem, foi só um machucadinho de nada, igual aos que você tem quando cai da bicicleta, aí papai coloca remédio e você fica logo boa, vai ser igualzinho com o papai, mas para isso acontecer você vai ter que me ajudar a chegar até o Centro Médico, ta bom? Você pode fazer isso? ─ Assinto, com o rosto ainda em seu ombro.
─ Tá bom, papai. Eu vou te ajudar a ir para o médico para cuidar do seu dodói. ─ Falo depois de levantar o rosto do seu pescoço para encará-lo.
─ Essa é minha garotinha. ─ Papai beija meu rosto e logo depois tenta levantar, mas vejo que o seu dodói está doendo muito, porque ele faz várias caretas de dor, antes de conseguir levantar com a minha ajuda.
─ Já já chegaremos lá, filha, então o papai vai ficar bom depois de tomar um remédio. ─ Assinto.
Conseguimos andar alguns minutos, apesar de papai pesar muito, não o solto ou desisto, pois eu tenho que levá-lo até o médico para curá-lo. Ele tem que ficar bom. Meu papai não pode me deixar.
Mas apesar de todo o esforço, meu pai cai desmaiado em minha frente.
─ Papai, não! Não! Não, papai acorda! Falta bem pouquinho para chegarmos no médico para curar seu dodói. Papai acorda! Acorda! ─ Sacudo seu corpo mole sobre o chão, mas ele não acorda.
─ Não, por favor, papai. Acorda! ─ Grito e grito em meio ao barulho de tiros.
─ Doutor, Evans! ─ Escuto o grito da enfermeira que trabalha com meu papai no hospital da cidade.
Ela corre até onde estamos e verifica meu pai. Eu não consigo fazer outra coisa a não ser chorar e chamar por meu pai, mas apesar dos meus gritos e clamores ele não abre os olhos. Ele só fica lá, deitado, inerte e muito pálido.
Alguns segundos depois um homem vem até nós. Ele está todo vestido de branco como papai, examina o dodói e o pulso dele, não sei o que ele viu ali, só sei que ele baixa a cabeça um pouco triste e a ergue depois para só então me notar ao lado do corpo do meu pai, que ainda dorme. Eu já tinha visto esse moço antes, ele trabalha com meu papai e é médico também. Ele vai curar meu papai e depois dar um pirulito para ele ficar bom logo. Porque toda vez que eu ficava dodói e tomava remédio ruim, meu papai me dava um pirulito, então eu ficava boa e vai ser assim com papai.
─ Moço, o senhor vai curar meu papai, não vai?
─ Deus! ─ Ele passa as mãos pelos cabelos nervoso. Eu sei, porque é assim que papai sempre faz quando está angus...angustado, angustiado, essa é a palavra. ─ Guadalupe, leve a menina para o Centro Médico e verifique se ela está machucada, por favor.
Não compreendo por que não levam papai também, já que ele está com dodói. Mas assim que a enfermeira me levanta do chão para me levar até o hospital, dois homens se aproximam do meu pai e jogam um lençol sobre ele.
─ Tragam o meu papai, também. Ele está com dodói. ─ Tento voltar para junto do meu pai, mas a enfermeira não permite e segura meu braço para me impedir.
─ Não! Papai! Papai! Acorda, papai! Papai, nãaaao! ─ Grito e esperneio, sendo levada para o Centro Médico, chamando por ele, mas ele não acorda nunca e nem ninguém tenta acordá-lo também.
***
Vejo pela janela a poeira subir quando o carro passa rapidamente pelas ruas do vilarejo, no banco da frente o moço que trabalhava com papai dirige o carro, ao lado dele está a enfermeira Guadalupe.
─ Tem certeza que é o certo a se fazer, doutor Collins? ─ Eles conversam baixo, mas eu consigo ouvir uma coisa ou outra.
─ Não tenho condições de cuidar de uma criança, Lupe e nem você também. Não conheço nenhum parente do doutor Evans e nem de sua falecida esposa. Vim para cá, porque queria muito cursar minha residência como auxiliar do doutor Evans, que foi meu mentor e com o passar dos anos se tornou um amigo. Não pense que não estou devastado com o que aconteceu com ele, porque estou, mas tenho que voltar para Inglaterra e concluir minha residência lá, pois não poderei assumir o Centro Médico sozinho, sem um supervisor é impossível, além do mais tenho uns assuntos urgentes para resolver lá.
─ Compreendo doutor, mas tenho muita pena dessa menininha, tão novinha e já passando por tudo isso.
─ Eu também, Lupe. Eu também.
Não entendo o que eles estão falando, mas antes que consiga perguntar alguma coisa o carro para em frente a uma casa muito grande e feia. Todos nós descemos e entramos.
─ Doutor, Collins é um prazer revê-lo. ─ Uma mulher gorda e vestindo uma roupa estranha vem até nós, assim que entramos na casa feia.
─ Como vai Madre Yolanda? ─ Os dois apertam as mãos e logo após a senhora olha em minha direção me deixando com medo, pois ela tem sobrancelhas grossas e uma verruga enorme sobre a boca.
─ É essa a criança? ─ Ela pergunta para o homem.
─ Sim, madre. Lupe leve a menina para olhar em volta enquanto converso com a madre.
─ Está bem, doutor Collins.
Alguns minutos depois voltamos até a sala e o homem vem até mim, se ajoelha em minha frente, me fazendo perceber o quanto ele é bonito.
─ Seu nome é Melanie, não é? ─ Ele pergunta.
─ É. ─Respondo.
─ Melanie, você entende que seu papai morreu não é? ─ Assinto, olhando bem dentro dos seus olhos negros. ─ Ele agora foi morar junto com a sua mamãe lá no céu, mas apesar de querer muito poder ficar com você, eu não posso, e por esse motivo tenho que te deixar aqui nesse convento.
─ Não. ─ Balanço minha cabeça em negativa, não querendo ficar aqui, nesse lugar feio.
─ Eu tenho que te deixar aqui, para o seu bem.
─ Não me deixe aqui, por favor. Eu prometo que vou ser uma boa menina, não vou dar trabalho. ─ Imploro chorando.
─ Eu não posso cuidar de você, meu anjo.
─ Por favor, moço, me leve com você, não me deixe aqui. ─ Agarro-me ao seu pescoço com medo.
─ Deixe que cuido dela, doutor. Pode ir sossegado. ─ A mulher asquerosa me segura pelos braços e me solta do pescoço do moço, que se levanta.
─ Eu não posso, Melanie, me perdoe. ─ Ele não olha mais para mim. ─ Madre ficamos acordados como havíamos combinado. Cuide bem dela, por favor. ─ Ele se dirige até a saída, indo para a porta junto com Guadalupe, que está chorando.
─ Não me deixe aqui, por favor! Não! ─ Grito, chorando, para que eles me tirem daqui, mas é em vão.
─ Pare de gritar, menina escandalosa! Eu vou lhe ensinar a se comportar como se deve sua pirralha mimada. ─ Encolho-me chorando por estar nas mãos dessa mulher odiosa e por ter sido abandonada, sozinha, nesse lugar úmido e feio.
─ Não me deixem aqui... ─ Sussurro com lágrimas caindo dos meus olhos sem cessar.
***
MELANIEDias atuais...Caminho por entre as árvores e ergo minha cabeça para absorver o calor do sol que queima o pouco de pele amostra que tenho. Fugi do convento com a intenção de vir ao vilarejo brincar um pouco com as crianças que moram na rua e que trabalham na feira do vilarejo, sei que não deveria fazer isso, pois se for pega sei que vou pagar caro por este pequeno deslize, mas apesar disso não resisti ao fato de ter um pouco de liberdade, nem que para isso sofra um castigo severo da madrevóla, é assim que chamo a Madre Superiora.Ao passar por entre as pessoas, que me olham com certa curiosidade, por causa do meu hábito de noviça, noto alguns homens que fazem parte do Cartel que comanda tudo por aqui, me olharem com cobiça, apesar das minhas vestes, e isso me deixa em alerta, pois não gosto da maneira como me acompanham com o olhar
MELANIEA escuridão do ambiente não me permite distinguir quando é dia ou noite. Depois de cinco dias, acho, pois perdi completamente a noção do tempo e do espaço, já não tenho mais forças para chorar ou clamar misericórdia, não quando tudo o que tenho como resposta é o silêncio e indiferença.Muitas vezes cheguei a pensar que Deus se esqueceu de mim no momento em que fui abandonada a própria sorte, sem pai, sem mãe e nenhum outro parente vivo na terra e ainda para piorar tudo fui largada nesse inferno de convento sem perspectiva de vida ou de um futuro. Dói tanto essa solidão que ás vezes chego a pensar que teria sido melhor que tivessem me deixado para viver nas ruas, como os meninos que trabalham na feira, eles são livres para ir e vir quando quiserem e bem ou mal têm uns aos outros para contar, como se fos
ETHAN─ Droga! ─ Esmurro a parede a minha frente assim que saio da sala de emergência.Não aguento mais perder vidas para as malditas drogas. Este paciente que acaba de falecer foi o terceiro esta semana que morreu em minhas mãos por overdose e eu não pude praticamente fazer nada, pois ele chegou já em estado terminal.Ando pelo corredor até chegar à saída querendo respirar um pouco. Quando alcanço o lado de fora solto todo o ar guardado dentro dos pulmões e passo as mãos freneticamente pelos cabelos soltos. Olho para frente e me deparo com um par de olhos amarelados assustados me de volta e nesse momento o mundo para, uma brisa forte balança meus cabelos, mas não ouso me mover, porque um sentimento forte toma conta de mim, não sei que tipo de sentimento é, mas não ouso me mover.Não faço idéia de quanto temp
MELANIEPassadas algumas semanas após ter saído do castigo no quarto escuro, e já recuperada, caminho por entre as pessoas do vilarejo, ao lado da irmã Consuelo. Nós estamos indo até o mercado fazer a encomenda dos mantimentos para o convento e já que sou sua ajudante tive que acompanhá-la, pois algumas coisas levamos agora mesmo.Ao passar em frente ao Centro Médico, meu coração tem um solavanco e parece que vai sair pela boca, porque imediatamente me recordo da última vez em que andei por este mesmo caminho e que me deparei com o homem mais bonito que já vi em toda minha vida. Não consigo desgrudar os olhos do prédio todo branco o corpo tenso e ansioso ao mesmo tempo, querendo vislumbrar ao menos o rosto do homem só mais uma vez. Seguimos caladas e quando estamos quase próximas ao prédio um carro vem e estaciona ao lado do pr&
ETHANA estrada parece mais longa hoje do que o habitual. Constato, porém sabendo que essa fadiga e impaciência é devido ao cansaço por causa do longo plantão que tive no Centro Médico.Passo uma mão pelo rosto para espantar o sono que quer me dominar. Apesar de estar dirigindo devagar pela estrada resolvo parar um pouco, mesmo estando a alguns minutos da minha cabana. Sei que deveria ter parado para tomar um café antes de ir para casa, mas o desejo de chegar logo no meu paraíso particular foi mais forte que qualquer coisa.Paro o jipe no acostamento e passo mais uma vez as mãos pelo rosto tentando despertar quando de repente um som estranho corta o silêncio. É algo parecido com um gemido de dor. Olho ao redor para ver se há algum animal ferido por perto, mas não vejo nada, então decido sair do carro a fim de procurar melhor apesar de saber que
MELANIE─ Nãaoooo! Por favor! ─ Um medo atroz toma conta de mim com a possibilidade de ser pega por aqueles homens novamente ou ter de voltar para o convento. Ambas as possibilidades me aterrorizam. ─ Não me mande embora ou avise para alguém que estou aqui. Po...por favor! ─ Não aguento a pressão e caio em prantos.Ainda é muito difícil para mim entender por que aqueles homens quiseram me sequestrar, mas mais difícil é entender como é que vim parar justamente na casa do homem que me deixa nervosa e com o coração aos pulos dentro do peito só de olhar para ele.Quando acordei e o vi cheguei a cogitar a possibilidade de estar em um sonho, pois sentir suas mãos grandes acariciando meu rosto e ainda por cima ter seu rosto e seus olhos sobre mim, assim tão de perto foi à sensação mais maravilhosa do mundo!Tê-lo t&
ETHAN─ Deus! O que está acontecendo comigo? ─ Ainda encostado na porta, após sair do quarto como se mil demônios me perseguissem, passo a mão pelo cabelo tentando compreender e entender o que está acontecendo comigo, pois ao entrar naquele banheiro e vê-la nua, a própria imagem da pureza virginal, eu deveria ter saído imediatamente, mas ao contrário do que deveria ter feito, fiquei lá parado, encantado com tanta beleza, porque sem sombra de dúvidas o que acabo de ver é a imagem da mais sublime perfeição e eu não consegui me mexer, apenas admirá-la. Porém quando me dei conta da situação, consegui agir sensatamente e sair de lá.Como pode aquela menina mexer tanto assim comigo? Como? Porra! Sou um homem feito e já estive com mais mulheres do que possa contar e de repente uma menina, que eu tenho por obriga&cced
MELANIEUma semana depois...É difícil entender como as coisas acontecem em nossas vidas... O que poderia ser a pior tragédia da minha vida acaba se transformando em algo bom, algo libertador e que acabou reavivando em mim a tão esquecida sensação que é ter um lar. Sei que não posso me acostumar com este lugar que para mim mais parece com um paraíso, apesar de não ter me aventurado muito pelos arredores da propriedade, mas o que pude observar já me deixou bastante impressionada e louca para desbravar tudo.Com o passar dos dias, após ter quase sucumbido à tentação e implorado ao Dr. Collins que me beijasse, ele praticamente ignorou minha presença, aparecendo apenas para me examinar e depois partindo em seguida, sem contato, conversa ou qualquer tipo de proximidade. Confesso que a atraçã