Pobre Coração

Ah, como eu gostaria de poder contar toda a verdade a alguém, mas não queria que minha mãe sofresse com isso, pois ela já sofria bastante, sendo agredida por esse miserável.

Mamãe já quis por diversas vezes se separar dele, mas meu pai não deixava, ele dizia que não sabia viver sem a gente, pois nos amava muito, que bela maneira dele demonstrar isso. Teve uma vez que mamãe pegou a gente, e fugimos para outra casa, bem longe, ficamos três meses livres dele, mas depois ele nos encontrou, e fez a gente voltar a morar com ele, e assim que voltamos, ele passou a nos tratar muito bem, como um pai e um marido de verdade deve tratar os filhos e a esposa, disse que estava arrependido, e que mudaria por amor a gente, até chegou a entrar numa clínica de reabilitação, e eu, idiota, acreditei naquela farsa, que não durou nem seis meses. Ah, como eu gostaria que ele realmente mudasse...

No outro dia, me acordo com os gritos de minha mãe. Me levanto às pressas e vou até a sala, onde avisto Kim sentada no sofá e chorando muito, e aquele que se dizia meu pai estava batendo em minha mãe com um cinto.

- Para, para, deixa ela. - Eu peço ao tentar afastar ele de minha mãe.

- Cala boca, seu viadinho, senão vai sobrar pra você também. - Ele diz.

Ah, por que será que ele e Noah tinham mania de me chamar de gay? Eu tinha jeito de hétero, tanto que todo mundo achava que eu era realmente, exceto eles e os três pateta do meu colégio. 

- Para, bata em mim, mas não a machuque mais. - Peço entre soluços de meu choro.

Ele para de agredir minha mãe, e se põe a olhar para mim, tira o cinto, e eu me encolho de medo, mas para minha surpresa, ele não me bate. Ele apenas joga o cinto no sofá, e sai de casa. Corro para abraçar minha mãe, que está toda machucada, estava cheia de hematomas, e Kim nos abraça também.

- Cadê o Noah? - Pergunto.

- Saiu. - Respondeu Kimberly aos prantos.

Peço para minha mãe tentar se acalmar, digo que ficará tudo bem. Na verdade, acho que as coisas só ficarão bem quando aquele filhote de Hitler morrer ou for preso, mas não sei como isso poderia ocorrer, se ninguém tem coragem de denunciar ele. Espero Noah chegar, para ficar com nossa mãe, e então eu me arrumo para ir pra aula.

- Atrasado de novo, Mike? - Me questiona Kiara, assim que chego na escola.

- Cinco minutos, e o sinal nem tocou ainda. - Digo.

- Está tudo bem? - Ela pergunta.

Incrível como Kiara sabia quando eu não estava bem só de me olhar. É estranho, mas parece que ela me conhecia mais do que eu mesmo, as vezes até sinto como se eu a conhecesse de outras vidas. Sabe, aquela pessoa que parece que suas almas estão interligadas, como se vocês fossem apenas uma pessoa? Assim que eu me sinto em reação a Kika.

- Estou, só tô meio cansado. - Minto.

Odiava mentira, principalmente mentir para as pessoas que eu amo, mas tinha vezes que era necessário, não poderia chegar e dizer ''ah, é que o infeliz do meu pai é um alcoólatra, drogado e traficante, e bate em minha mãe e me estupra'', queria ter coragem para falar isso, poder me abrir com alguém, mas não tinha, não conseguia fazer isso, mesmo confiando cegamente em Kika.

- Oi gente. - Diz Vincenzo ao chegar até a gente.

- Per chè você non veio ontem?

- Cheguei ontem de viagem e não deu tempo. - Diz Vi.

Ah, passei a aula toda com o pensamento longe, queria sair correndo dali, mas não podia, por isso que eu assemelho a escola com a prisão, por que em ambas você tem regras e normas a seguir, horário das refeições, e você não pode fazer nada. Juro que eu não entendo como tem pessoas que podem gostar de estudar, isso é tão chato. Ah, eu até tive uma época que eu gostava da escola, por exemplo, quando a matemática se resumia em 2+2. Ah, que saudade desse tempo...

- Oi docinho. - Diz Kate ao ir me visitar em casa.

- Oi. - Digo surpreso. - O que você faz aqui?

- Ah, gatinho, vim te ver. Parece que não ficou feliz com a minha visita.

- Hã, fiquei, claro, muito feliz. - Falo ao abraçá-la.

Kate adorava os meus pais, vivia dizendo que eu tinha os pais mais incríveis do mundo. Ah, se ela soubesse da verdade tenho certeza que ela pensaria diferente. Claro que meu pai tratava ela muito bem, conversava com Kate e até sorria para ela, acho que eu só o via sorrir, quando tínhamos visita em casa, pois aí ele conseguia ser uma pessoa normal, ou tentava...

Kate dormiu em minha casa, fazia tempo que ela não dormia em minha casa. Ah, ela era tão linda e carinhosa, quem me dera poder retribuir ao sentimento que ela tinha por mim, porém infelizmente no coração não se manda.

Kate e eu não chegamos a fazer amor naquela noite, eu estava muito cansado, e acabei adormecendo. Claro que no outro dia, a garota estava uma fera, tive que escutar um sermão por horas, e estava pior do que os sermões de minha mãe, se é que isso era possível, mas como mamãe sempre dizia que os homens espertos escutam as mulheres em silêncio, eu acabava não falando absolutamente nada.

- Ah, estou pensando em terminar com ela. - Digo a Vincenzo.

- E por que não termina? - Me questiona.

- Não sei. Acho que porque meu pai e Noah vivem me chamando de gay, e eu não quero dar motivo para eles continuarem me chamando disso. - Respondo.

-  Mas você é?

Olho para ele e a vontade de dizer que sim grita dentro de mim, então, eis que eu respondo.

- Não!

- Então não dá bola, cara..

Vi sorri meio de canto e acabamos iniciando uma lutinha. Costumávamos fazer isso quando pequenos, mas já não fazíamos a alguns anos. Nos divertíamos bastante daquele jeito, mas sempre tomando cuidado para um não machucar o outro porque essa não era nossa intenção. Uma hora, Vi me joga na cama, e ao tropeçar em um tênis meu, que estava no chão, ele acaba caindo por cima de mim. Vincenzo fica me olhando, e eu a ele, olho aqueles olhos claros, fico meio nervoso, sinto meu coração acelerar. Noto Vi olhar para minha boca, porém não digo nada, pois eu faço o mesmo. Sinto meu coração bater cada vez mais rápido, tenho medo do que possa acontecer caso a gente continue por mais tempo daquele jeito. Tenho vontade de beijá-lo, muita vontade, mas sei que não devo e nem posso fazer isso.

- Idiota. - Digo empurrando-o para o chão.

Ele apenas ri, e se senta ao meu lado. Não temos coragem de dizer nada, acho que Vi havia ficado tão nervoso quanto eu.

Fico pensando sem parar no ocorrido com Vincenzo, sei lá, tive a impressão de que Vi me beijaria, porém não compreendo o porquê, afinal, Vi tinha namorada e vivia falando dela, e a gente não se beijava desde que tínhamos 12 anos, e na moral, acho que ele nem lembrava mais que um dia havíamos ficado.

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