Parte 3...
Três anos depois...
Camila
A música pulsava no meu corpo, uma batida forte e animada que parecia combinar perfeitamente com o ritmo da minha vida nos últimos três anos.
Malena estava ao meu lado, rindo de algo que um dos nossos colegas tinha dito, e eu não podia deixar de sorrir. Essa era a liberdade que eu tinha decidido abraçar, mesmo sabendo que meu tempo estava contado.
Minha taça de vinho rosé já estava pela metade quando senti Malena puxar meu braço.
— Vem dançar, Camila! - ela gritou, se inclinando para que eu ouvisse.
— Eu já tô indo! - retruquei, apontando para a taça como desculpa e depois para a perna.
Ela revirou os olhos, mas foi para a pista mesmo assim. Eu gostava de observá-la se soltar. Malena era minha constante, meu porto seguro nesses anos de independência.
Apesar de nunca sair muito, quando ela se jogava, era para valer. E eu também não era de viver em festas e boates, apenas quando tinha um bom convite. Me dediquei mesmo a fazer bom proveito de minha educação cara.
Dei um gole na bebida, sentindo a leve doçura, e me permiti relaxar, até que um movimento na periferia da minha visão chamou minha atenção. Um grupo de homens se aproximava, todos bem vestidos, claramente deslocados naquele ambiente descontraído.
Eles não pareciam os típicos festeiros universitários, o que imediatamente acendeu um alerta em minha cabeça.
— Camila? - a voz era firme e seca.
Levantei o olhar para um homem alto e imponente, que parecia ter saído direto de uma reunião de negócios. Antes que eu pudesse responder, ele continuou:
— Venha comigo.
— Perdão? - ri, desconcertada.
Dois dos homens ao lado dele trocaram olhares, e, antes que eu pudesse reagir, um deles segurou meu braço com delicadeza, mas firme o suficiente para indicar que eu não tinha escolha.
— Ei, o que é isso? - protestei, tentando me soltar, mas eles me conduziram com eficiência pela multidão.
Malena e dois outros amigos tentaram intervir, mas um olhar deles a fez hesitar.
— Tá tudo bem, Lena! - gritei por cima do ombro, tentando parecer mais confiante do que me sentia.
Fui levada para uma área VIP no segundo andar da boate. Assim que a porta se fechou atrás de mim, o ambiente mudou drasticamente.
Lá dentro, o som da música era abafado, substituído por uma atmosfera de exclusividade e poder. E foi então que o vi. Alejandro Calderón.
Eu sei que é ele porque vi uma foto dele, quando fui fazer uma pesquisa na internet, mas o achei tão frio na imagem, que fechei o notebook e evitei saber sobre quem seria o meu futuro marido. Não ia me fazer bem.
Ele estava sentado em um sofá de couro preto, com um copo de uísque nas mãos. Seu olhar era intenso, como se estivesse me estudando, desvendando todos os meus segredos em segundos. E eu não gosto disso.
Ele era exatamente o que eu tinha imaginado, mas também tudo o que eu não esperava. Alto, moreno, com um ar de controle absoluto. Seu cabelo escuro caía sobre a testa larga, dando um ar perigoso a ele, mas muito charmoso.
— Camila Castillo - ele disse, seu tom baixo, mas carregado de algo que fazia meu estômago revirar. Que voz!
— Alejandro Calderón, eu suponho - retruquei, cruzando os braços.
Ele sorriu de canto, mas não de um jeito acolhedor. Era mais como um leão que sabia que tinha acabado de encurralar a presa.
— Finalmente nos encontramos. - ele puxa um charuto e acende.
— Parece que sim... - respondi, tentando não transparecer o quanto minha voz queria falhar. — Mas precisava desse teatro todo? Você sabe que podia simplesmente me ligar, né? - olhei para os homens em volta.
— E você atenderia? - ele arqueou uma sobrancelha, deixando-me sem resposta. — Claro que não. Por isso estamos aqui.
Eu ri, sem acreditar.
— Olha, se você veio aqui para me lembrar do acordo com meu pai, fique tranquilo. Eu sei exatamente o que assinei.
Ele se inclinou para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos e me encarando de uma forma que fez minha pele arrepiar.
— Não é sobre lembrar, Camila. É sobre estabelecer regras. E um prazo.
— Regras? - perguntei, descrente.
— Sim. Você teve sua liberdade nos últimos três anos, porque eu permiti. - ele fez uma pausa, deixando as palavras pesarem. — O que acha que manteve seu pai tão calmo enquanto você fazia o que queria? - abanou a mão.
Engoli seco, mas não deixei meu olhar vacilar. Realmente, meu pai começou uma briga pesada quando eu disse que iria sair de casa para morar com outras colegas, no dormitório da faculdade. Mas, como que por milagre, no dia seguinte ele concordou sem reclamar mais nada.
— Eu não sabia que precisava da sua permissão para viver minha vida. - me apoiei na outra perna e ele seguiu meu movimento com o olhar. Minha perna está um pouco dolorida.
— Agora sabe. - ele se levantou, cada movimento calculado. — A partir de hoje, as coisas mudam.
— Hoje... Mudam como? - engoli em seco novamente e meu coração disparou.
Ele deu um passo em minha direção, invadindo meu espaço pessoal, mas sem me tocar.
— Você será minha esposa, Camila. E esposas Calderón obedecem.
Meu coração acelerou mais ainda, mas não de medo. Era algo diferente. Algo que eu não sei bem o que.
— Eu não sou uma peça no seu tabuleiro, Alejandro - repliquei, minha voz mais firme do que eu esperava.
Ele sorriu novamente, dessa vez com algo que quase parecia admiração.
— Não subestime a força de uma peça-chave, querida. - ele me olhou por inteira — E nem o jogador - sorriu de canto — Eu jogo muito bem.
Eu sabia que estava entrando em um jogo perigoso, mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim queria descobrir até onde isso poderia ir. Voltou para o sofá e sentou me encarando.
— Eu não gosto de jogos - ergui o queixo.
— Não se preocupe, eu vou te ensinar - fez um gesto com o copo e bebeu um gole, me encarando — Tem muitas coisas que você tem que aprender ainda.
Não gostei da insinuação. Eu sei que tenho que cumprir minha parte, já aceitei isso há tempos, mas ele não pode me intimidar assim.
— E quem disse que eu tenho interesse em aprender?
Ele se reclinou para trás e dobrou uma perna sobre a outra, ainda com o mesmo sorriso no rosto. Sei que está me avaliando. E isso me irrita um pouco. Me sinto insegura.
— Por que não senta aqui ao meu lado? Acho que temos que conversar - deixou o copo na mesinha ao lado e bateu no sofá — Vem!
Eu olhei para os homens ao lado. Merda! Se minha perna não estivesse me incomodando um pouco porque estou de pé desde que cheguei, eu até tentaria sair correndo daqui.
— Camila... Sente-se! - dessa vez ele não sorriu.
Dei o primeiro passo, claro, mancando, mas não me importo. Talvez se ele me ver mancando, ache que eu sou aleijada como meu pai disse e desista do casamento.
— Ótimo! - ele abana a mão e os homens se retiram — Assim é mais confortável para sua perna, não é?
Eu franzi a testa.
— Seu pai me disse que era aleijada.
Parte 4...CamilaMe ajeitei no sofá com uma resistência calculada, tentando não demonstrar a mistura de insegurança e irritação que pulsava em mim. Alejandro me observava como um predador que sabia que eu estava presa ali com ele.Meus amigos estavam lá embaixo, mas com certeza os seguranças dele não iriam deixar que subissem.— Seu pai me disse que você era aleijada - ele repetiu, apoiando o cotovelo no encosto do sofá enquanto me olhava com aquele sorriso que me dava nos nervos.Minha respiração ficou pesada. Odiava aquele termo, mas decidi que não daria a ele o prazer de me ver irritada ou triste.— É mesmo? E o que você acha agora que me viu? - cruzei as pernas.Ele inclinou a cabeça levemente, os olhos se movendo para minha perna e depois para meu rosto.— Acho que ele exagerou. Você mancou, mas não parece ser algo incapacitante.— Que alívio saber que passo no teste - respondi, com sarcasmo escorrendo de cada palavra.Alejandro soltou uma risada baixa, algo entre divertido e in
Parte 5...Camila— Fascinante? - cruzei os braços. — Você está começando a me irritar, sabia?— Não sabia que tinha o temperamento esquentado - disse ele, recostando-se novamente no sofá. — Essa informação não me passaram. Agora, me diga, o que você quer saber?— Quem foi o informante que você colocou para me vigiar? - disparei, sem pensar muito.Alejandro pareceu avaliar se me responderia ou não, mas acabou cedendo.— Um dos seus professores da faculdade. Professor Vasquez. Ele me devia favores.Minha mente girou. Vasquez. O professor de marketing. Ele sempre parecia interessado demais em saber sobre minha vida, perguntando sobre meu futuro, minha família...— Ele me reportava diretamente sobre seus progressos, seus horários, e qualquer problema que surgisse.— Você é inacreditável... Isso é errado - murmurei, sentindo um misto de raiva e incredulidade. — Ficar me vigiando.— Acredite, Camila. Não era só curiosidade. Era proteção.— Proteção? - minha voz subiu que ficou até fina. —
Parte 6...CamilaA noite estava quieta demais, como se o silêncio antecipasse o que eu ia fazer. As luzes amareladas do campus iluminavam o caminho pavimentado, mas eu me mantinha nas sombras, meu coração martelando no peito. Malena estava ao meu lado, os olhos atentos vasculhando o entorno como uma sentinela.— Tudo pronto? - sussurrei, minha voz quase inaudível. Ela assentiu.— O motorista do táxi está te esperando na esquina. As passagens estão no seu bolso, e minhas primas já sabem que você está a caminho.— Não seria melhor se eu me escondesse no fundo de um dos furgões de comida?— Eu chequei isso, não ia dar. Eles são param quando chegam na empresa que fornece a comida para a faculdade. Você ficaria presa lá dentro. O táxi é melhor.— E você? - olhei para ela, meu peito apertando com a culpa. — Não posso te deixar aqui sozinha com tudo isso.— Eu vou ficar bem. - Malena apertou meu braço com firmeza, me forçando a continuar andando. — Eu não posso sair agora, mas você pode. E
Parte 7...Camila— Eu sei que ela parece ser rude, mas é só o jeito dela, amiga - Malena me disse ao celular.— Parece que ela não gostou muito de ter me ajudado - eu estava no banheiro.— Não se preocupe, eu contei um pouco do motivo e ela entendeu. Clara teve uns problemas no passado com um ex namorado.— Mas será que ela não vai contar para alguém? Fiquei preocupada.— Não vai, não. Ela é de confiança, eu garanto. É só o jeito meio seco dela falar.— Letícia me pareceu mais solta.— E ela é mesmo - ouvi sua risada — Ela pode ser uma boa amiga sua também.— E por aí, falando em amiga... Alguém notou minha falta?— Até agora, não. Ainda é cedo pra isso.— Malena, eu não pensei na questão dos rivais de meu pai... Só me preocupei em escapar do casamento.— Agora já era... Você tem que seguir.— Eu sei, mas qualquer coisa, você me avisa. Eu não vou sair da pousada.— Faça isso. Eu vou ligar para o celular da Clara ou da Letícia.— Certo. Eu aguardo. - suspirei — Se cuida por aí... Eu..
Parte 8...CamilaA escada para o porão era estreita e rangia. O espaço era apertado, com caixas empilhadas e um cheiro de mofo impregnando o ar. Clara fechou a porta acima de nós com cuidado e se virou para mim.— Fique quieta. Qualquer barulho pode atrair atenção - ela sussurrou. — Eles vão dar um jeito nisso.O silêncio voltou, mas dessa vez era sufocante. Ouvi passos lá em cima, o som de portas sendo abertas e fechadas. Meu coração martelava no peito, e eu me peguei prendendo a respiração para ouvir melhor.— Eles estão procurando algo - Letícia murmurou, com os olhos arregalados.— Ou alguém - Clara corrigiu, com a voz fria e olhando pra mim.O som de passos ficou mais alto, como se estivessem descendo a escada.— Alguém está vindo! - sussurrei, meu coração quase saltando pela boca.Clara fez sinal para que ficássemos em silêncio total. Os passos pararam do lado de fora da porta. O silêncio era tão denso que eu quase podia ouvir o sangue pulsando em meus ouvidos.De repente, a po
Parte 9...AlejandroMeu telefone vibrou sobre a mesa do escritório, interrompendo minha conversa. O nome de Héctor brilhava na tela. Meus irmãos se calaram. Peguei o aparelho e atendi sem hesitar.— Olá, Héctor! Presumo que saiba da situação. - minha voz saiu firme, sem rodeios.— Sim... Eu já sei - ouvi um suspiro irritado do outro lado — Alejandro, essa garota nos desonrou. - a voz de Héctor era um misto de raiva e frustração. — Fugir desse casamento é um ato de traição. Mesmo sendo minha filha, isso não é aceitável... Eu peço desculpas pelo comportamento dela.Recostei-me na cadeira, deixando um longo silêncio se instalar. Héctor estava irritado, mas isso era exatamente o que eu precisava.— Estou cuidando disso, mas preciso de sua permissão para usar... Todos os meios necessários. - vi o sorriso de Ricardo.— Você tem carta branca. Não importa o que seja preciso, Alejandro. Faça o que for necessário. Essa união é crucial, e Camila precisa entender isso.— Não se preocupe, ela vai
Parte 10...CamilaO sol da tarde atravessava a janela da pequena pousada, iluminando o modesto quarto onde nos reunimos. A pequena mesa estava coberta por mapas, passagens de trem e anotações rabiscadas em folhas soltas. Era um caos organizado, e minha cabeça latejava com as informações.— Então é isso. - Clara apontou para um dos mapas com o dedo firme. — De Madri, você vai pegar o trem noturno até Barcelona e, de lá, o voo para Roma. É mais demorado, mas é bem melhor assim, porque confunde quem estiver procurando por você.— Verdade - Letícia disse — Falei muito rápido com Malena e sua família já sabe - ela mordeu o lábio — Inclusive, ela foi chamada para falar sobre sua fuga.— E aí? - me preocupei com Malena.— Bom, aí que ela segurou a língua até que mostraram um vídeo da gente, recebendo você na estação de trem - encolheu os ombros.— Meu Deus... E agora?— Agora que ela vai ter que segurar a onda - Clara soltou um suspiro — Meu tio não vai aceitar que ela tenha se metido niss
Parte 11...CamilaA van avançava aos trancos pela estrada, cada solavanco arrancando um grito silencioso da minha perna. O lugar onde o tiro de Diego me atingira há anos, parecia latejar como se fosse ontem. Não era só o esforço físico, era mais o estresse.Eu segurava o banco com força, tentando ignorar a dor. Do meu lado, Clara e Letícia estavam imóveis, mas seus olhos gritavam o medo que nenhuma de nós ousava colocar em palavras. Letícia mais ainda. Seu rosto estava corado.Diego nos encarava do fundo da van, um sorriso cruel emoldurando seu rosto deformado pela raiva. Ele parecia um homem possuído, consumido pelo ódio que carregava há anos.Era exatamente como eu me recordava daquele dia horrível em que ele invadiu nossa casa.— Sabe, Camila - ele disse, a voz escorrendo sarcasmo — Você e sua mãe destruíram minha vida. Ela deveria ter sido minha. Seu pai roubou tudo de mim: meu futuro, minha honra. Agora, chegou a hora de pagar por isso. Eu sou paciente, sabia que se aguardasse