Talvez dê certo

Parte 6...

Camila

A noite estava quieta demais, como se o silêncio antecipasse o que eu ia fazer. As luzes amareladas do campus iluminavam o caminho pavimentado, mas eu me mantinha nas sombras, meu coração martelando no peito.

Malena estava ao meu lado, os olhos atentos vasculhando o entorno como uma sentinela.

— Tudo pronto? - sussurrei, minha voz quase inaudível. Ela assentiu.

— O motorista do táxi está te esperando na esquina. As passagens estão no seu bolso, e minhas primas já sabem que você está a caminho.

— Não seria melhor se eu me escondesse no fundo de um dos furgões de comida?

— Eu chequei isso, não ia dar. Eles são param quando chegam na empresa que fornece a comida para a faculdade. Você ficaria presa lá dentro. O táxi é melhor.

— E você? - olhei para ela, meu peito apertando com a culpa. — Não posso te deixar aqui sozinha com tudo isso.

— Eu vou ficar bem. - Malena apertou meu braço com firmeza, me forçando a continuar andando. — Eu não posso sair agora, mas você pode. E precisa.

O dormitório estava silencioso, exceto por alguns passos distantes no corredor. Cada som parecia amplificado, cada sombra projetada pelas árvores do lado de fora me fazia pular de nervoso. Mas minha vontade era maior.

Quando chegamos à porta lateral do prédio, Malena parou e puxou um molho de chaves do bolso.

— Eu consegui isso com a Zeladora. Ela acha que você está indo encontrar um namorado secreto. - ela revirou os olhos, mas havia um leve sorriso no canto dos lábios.

— Bem, tecnicamente, estou fugindo de um. - a piada saiu mais amarga do que eu pretendia, e Malena não riu.

— Não pense nele agora. Concentre-se no próximo passo. Você precisa chegar em Madrid em segurança. - ela destrancou a porta com um clique suave.

Do lado de fora, o ar estava frio e úmido, carregado com o cheiro de grama recém-cortada. As árvores ao redor do campus criavam um abrigo natural, mas também aumentavam minha sensação de claustrofobia.

— Eu ainda acho que isso é loucura. - falei, ajustando a alça da mochila nos ombros. — Mas estou com medo de me casar com Alejandro.

— Loucura é ficar aqui esperando que ele apareça com um vestido de noiva e um contrato pra você assinar. - Malena cruzou os braços, a expressão firme. — Se não se sente segura para casar, então não case... Ele que ache outra noiva.

Eu ia responder, mas ela parou de repente, olhando para algo atrás de mim.

— Droga, alguém está vindo.

Me virei rapidamente, meu coração quase parando. Duas silhuetas caminhavam pelo estacionamento em nossa direção.

— É o segurança do campus e nosso professor de marketing. - Malena sussurrou, a voz cheia de tensão.

— É... O tal informante. - engoli em seco.

— Temos que ir agora. Não olhe para eles. Só continue andando.

Fiz o que ela disse, minha mente correndo tanto quanto minhas pernas queriam e podiam. Sei que depois vou ficar com a perna dolorida, mas trouxe meus remédios comigo.

Quando chegamos ao limite do estacionamento, o brilho dos faróis do táxi apareceu como um farol de esperança.

— É agora. - Malena me empurrou suavemente em direção ao carro. — Vai!

— Obrigada, Malena. Eu nunca vou esquecer isso. - as palavras saíram apressadas, mas cheias de emoção.

— Só vá. E mande notícias quando puder. A gente vai se encontrar depois, assim que possível - ela me deu um sorriso rápido antes de se afastar de volta para as sombras.

Corri até o táxi, jogando a mochila no banco ao meu lado e fechando a porta rapidamente. Senti uma fisgada na perna.

— Para a estação de trem, por favor. - disse ao motorista, minha voz tremendo.

Eu poderia ter escolhido ir de avião, mas o trem vai me ajudar a ficar escondida. De avião talvez Alejandro saiba logo que estou saindo de Valência.

Enquanto o carro arrancava, olhei pelo retrovisor. Malena estava parada à distância, observando enquanto eu ia embora.

Achei que ela estava triste, não sei se por minha fuga ou se tem algo mais acontecendo com ela. Tenho notado que ela anda meio tristonha nos últimos meses, mas nunca quer falar sobre isso e eu respeito o tempo dela. Pena que agora não vou ter como saber mais e terei que esperar até que esteja mesmo tranquila.

 ********* ***

A estação de trem em Madri era maior do que eu imaginava, e mesmo estando cheia de pessoas, o peso do silêncio em meu coração era maior. Parecia que eu estava em outro mundo, longe de tudo que eu conhecia.

Enquanto caminhava rapidamente entre os viajantes, com o capuz do casaco escondendo parte do meu rosto, eu sentia como se cada passo fosse observado. Nunca fiz nada parecido. Antes eu tinha liberdade para ir e vir, agora eu estava criando essa liberdade.

Minha mochila estava firme em meu ombro, e cada clique das rodas de minha pequena mala no chão parecia um alarme denunciando minha presença. Quando avistei duas mulheres encostadas em um café ao lado da saída, sabia que eram as primas de Malena.

Elas eram exatamente como Malena descreveu: Clara, mais velha, tinha um rosto sério, de poucos sorrisos, com os cabelos escuros presos em um coque elegante, enquanto Letícia, mais jovem, exibia um cabelo curto, loiro e espetado, um contraste completo com a irmã mais velha. Clara segurava uma pasta, parecendo uma executiva apressada, enquanto Letícia mastigava um chiclete e olhava ao redor com descontração.

Assim que elas me viram, Letícia acenou com entusiasmo, mas foi Clara quem deu o primeiro passo em minha direção.

— Camila? - sua voz era direta, mas baixa, como se cada palavra fosse um comando.

— Sim, sou eu. Obrigada por virem - respondi, tentando manter a calma.

Clara não perdeu tempo com gentilezas.

— Temos que sair agora. A estação não é segura por muito tempo. Não podemos confiar.

Ela pegou minha mala sem esperar resposta e começou a caminhar. Letícia se aproximou de mim e sussurrou, enquanto acompanhávamos Clara.

— Você parece mais assustada do que devia. Relaxa, estamos aqui para ajudar. Tem que agir de boa, como se fosse só uma pessoa comum - ela sorriu e estourou um bola de chiclete.

Mas eu não conseguia relaxar. A sensação de estar sendo seguida me perseguiu desde Valência. Acho que não confio mais em ninguém.

O carro que Clara dirigia era preto, discreto, mas potente. Letícia sentou-se no banco de trás comigo e ficou cantarolando uma música que tocava baixinho no rádio, enquanto Clara permanecia focada na estrada.

— Para onde estamos indo? - perguntei, tentando disfarçar o nervosismo.

— Para uma pousada fora de Madri. Um lugar pequeno, administrado por um casal amigo da nossa família. Lá você estará segura por enquanto - Clara respondeu sem tirar os olhos do caminho.

Letícia interrompeu.

— Seguro é uma palavra forte. Você sabe que isso é temporário, né?

Eu sabia sim. E isso me dava calafrios.

— Eu sei e não posso mesmo ficar na Espanha. Vou sair do país.

A chegada à pousada foi mais tranquila do que eu esperava. Era um lugar simples, com paredes brancas e janelas de madeira escura. O ar do campo era puro, mas havia algo pesado nele, talvez meu medo. Achei que fugir fosse mais fácil, mas agora sei que não.

O casal que nos recebeu parecia amável. Dona Teresa era uma mulher robusta com olhos calorosos, enquanto Javier, seu marido, era um homem de poucas palavras, mas olhar atento.

— Este será seu quarto - Teresa disse, enquanto me mostrava um pequeno espaço com uma cama, uma escrivaninha e uma janela que dava para um jardim. — Fique tranquila aqui.

Mas a tranquilidade era uma ilusão.

********* ***

Camila

Na manhã seguinte

Eu estava olhando pela janela quando ouvi Clara e Letícia conversando na cozinha. Estava prestes a ignorar quando peguei um pedaço da conversa.

— Não sabemos quanto tempo Alejandro vai demorar para encontrá-la. Ele não vai desistir - Clara dizia, com firmeza.

— E tem os outros. Os inimigos do pai dela não vão ignorar que ela está sozinha agora - Letícia respondeu, com um tom preocupado.

Meu coração disparou. Eu precisava estar sempre um passo à frente. Nem pensei nessa questão de rivais de meu pai. 

Autora Ninha Cardoso.

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