03. HOMEM INGLÊS

DANNA PAOLA MADERO

O ar faltou e minha mente se tornou enevoada.

Levantei um pouco a cabeça para o lado a tempo de não sufocar com o próprio vômito.

Queria que a imundice do meu corpo saísse toda assim.

— M-meu pai... Meu pai pode dar o dinheiro que você quiser. — Consegui dizer com a voz rouca enquanto tentava limpar a boca do liquido fétido e azedo.

O homem riu alto.

— Eu quem dei o dinheiro que ele queria.

— O que quer... — não consegui terminar a frase.

O que ele insinuava era impossível.

Simplesmente impossível.

Eu não ia acreditar em um qualquer, e sim nos 18 anos de vida que tive ao lado do meu pai.

— Ah por favor, não se assuste, é da natureza da sua família.

— Não! É mentira! — balbuciei várias vezes como uma louca.

— Acha que eu conseguiria tira-la dele assim tão fácil? Se ele mesmo não facilitasse o serviço? — Pensei nos muitos homens que me protegiam, lembrei do carro que vinha sempre atrás de nós quando saíamos de casa, e dessa vez, não sei por qual motivo, eles foram dispensados. Fazia sentido meu pai ter me... Entregado...

Engoli com dificuldades gemendo de dor no peito, coração e alma.

— Agora você só tem a mim.

A voz passou pelos meus ouvidos como um tiro.

— Ninguém pode tocar nela. É meu brinquedinho particular. — disse ao abrir a porta.

Por alguns instantes, fiquei cega pela luz forte que vinha de fora. Pisquei algumas vezes para tentar acostumar os olhos com a claridade.

— Não! Me tira daqui! — gritei desesperada fazendo força para levantar, mas meu corpo não se movia um centímetro.

Por que isso está acontecendo comigo? Sempre fui aos domingos na igreja com minha vozinha.

— Já ouvi isso antes. Está se tornando chato. — Debochou.

Rezei mentalmente, pedindo a minha Santa Guadalupe que isso não passasse de um sonho ruim. Mas tudo se ruiu quando a porta foi batida com força, fazendo um barulho ensurdecedor pelo quartinho e tudo voltou a ficar escuro, a ficha caiu que aquela era minha realidade, não sei por mais quanto tempo, talvez nem amanhecesse com vida no outro dia, ou não chegasse viva até a noite, ou... Eu não tinha ideia que horas eram, que dia era aquele.

Sozinha no breu, eu estava totalmente desesperada, desestabilizada e ferida.

Milhares de pensamentos passavam pela minha cabeça como um maldito carrossel. Queria saber o que aconteceu com a minha família, ou o certo seria: com aquelas pessoas que eu achei ser minha família? Alguém morreu naquele acidente de carro horrível? Houve mesmo um acidente ou minha mente apenas me pregou uma peça e nunca cheguei a sair de casa?

Eram muitas as perguntas sem respostas, eu me sentia sufocando. Parecia um ataque de pânico, eu nunca havia sentido aquilo antes, só ouvi dizer, o terror nu e cru sentido até nos ossos como um ácido corrosivo. Minha vida até ali tinha sido tranquila, alegre, e olhando para minha atual situação, me dei conta de que era perfeita.

Passei horas chorando baixinho, sem emitir sons, as lagrimas apenas escorriam dos meus olhos, até sentir o sono perturbador me levar...

Acordei algum tempo depois de sobressalto.

Meus dentes batiam um no outro por causa do frio, senti que morreria de hipotermia logo, e pela primeira vez, a ideia da morte não me parecia ser algo medonho e sim um meio de saída.

Mas não! Uma Madero não pode se deixar vencer assim, eu precisava ao menos tentar. Talvez eu conseguisse sair desse quartinho assim que ele abrisse a porta, ou pegar um celular e ligar para a Mónica que era única pessoa que eu não desconfiava no momento.

Como faria qualquer uma dessas coisas estando no meu estado? Infelizmente, era impossível.

O tempo se passava e qualquer esperança mínima que existia, era esmagada pelo silêncio profundo e pelas correntes pesadas.

Passei uma eternidade ali, sozinha, passando frio, sede e fome. Algumas partes do meu corpo doíam muito como minhas costas e cabeça em parte por estarem por tempo demais encostada no chão duro e outra, acho que por causa do capotamento, porém, dadas as circunstâncias, não eram nada comparadas a dor mental.

Depois de infinitas horas, alguém abriu a porta. Engoli em seco ao simples som da maçaneta sendo girada devagar, a abertura demorada me deixava na expectativa. E se fosse alguém que veio me buscar?

Quase sorri ao ver a silhueta de uma mulher baixa e gordinha aparecer como uma sombra em contraste com a luz de fora. Com certeza uma mulher, teria compaixão de outra.

A mesma entrou com passos leves e acendeu uma lâmpada. Minha reação foi como a de um vampiro exposto ao sol.

Fechei os olhos que doíam com o ambiente claro, mas logo os abri alarmada por ouvir passos se aproximarem.

Agora eu poderia ver claramente o rosto da mulher, uma senhora branca, com o rosto pálido e oval, sua expressão demonstrava apenas tranquilidade, ela não parecia o tipo que me tiraria dali, mas não custa tentar.

— Me ajuda.

A mesma empurrava um carrinho com várias coisas em cima, e parou ao ouvir minha voz que forcei ao máximo para que me ouvisse.

— Não me aborreça pedindo isso, eu não vou ajuda-la e ponto. — Esclareceu de uma vez com a voz feminina dura.

— Senhora, pelo amor de Deus...

— Basta! — Gritou interrompendo minha petição.

Seu rosto de tornou vermelho, e os olhos arregalados, ela parecia irritada, mas não podia ser comigo, o que fiz a ela? Será uma afronta tão grande uma garota acorrentada ao chão pedir que fosse libertada?

Me calei, fraca demais para gastar minhas palavras com alguém que não parecia com vontade de ajudar. Não havia ninguém nesse lugar com um coração?

Eu precisava fazer um esforço tremendo para continuar respirando, meu tórax doía com o simples ato fisiológico, mas eu precisava, desistir não era uma opção.

Por hora, deixei de implorar por liberdade, permaneci quieta, talvez o próximo que entrasse eu teria um pouco mais de sorte. Eu precisava ser inteligente, usar a estratégia que fosse, para sair dali.

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