Já havia reservado um hotel pela internet quando ainda estava na República Dominicana. Não tinha um telefone, mas compraria um laptop.O hotel ficava numa esquina. Tinha quatro andares com sacada em cada quarto. Mas era pequeno e não dispunha de nenhuma área de lazer. A parte térrea tinha um pequeno cômodo onde ficava a recepção. E o restante era comercial.Cittá de Alepo, na Síria, era a segunda maior cidade do país, o que me possibilitaria encontrar um emprego que fizesse com que eu nunca mais pensasse em mim mesma.Não demorou para que eu encontrasse uma equipe de repórteres dos Estados Unidos. Inicialmente pedi emprego como fotógrafa. Além de ser me negado, olharam meu currículo e ainda riram do tipo de trabalho que eu fazia.Claro que não precisavam me dizer em palavras que pensavam que uma mulher que transitava por países onde haviam as mais belas paisagens, onde surfistas perfeitos desfilavam quase sem roupa com seus belos corpos segurando pranchas caras e estilizadas, com logo
Cheguei com meus três colegas na saída do aeroporto e nos abraçamos, de forma coletiva.- Já sabe o que vai fazer daqui para frente? – Jacques perguntou.- Talvez... Viajar para lugares bonitos. – Ri.- Aposto que vai voltar a fotografar rapazes sarados e cabeludos em praias paradisíacas... Acho que este sempre foi seu forte, “Querido inferno”. – Tata me abraçou com força.- Querido inferno... – Jacques fez careta e tocou minha cabeça, enquanto olhava para baixo para encontrar meus olhos – Deveria ter usado o pseudônimo de “Pequeno inferno”... Combinaria mais com você... Minha pequena grande mulher.- Serei eternamente grata à vida por tê-los colocado no meu caminho – suspirei – Os anos que passamos serão lembrados para sempre... Me tornei humana e mulher de verdade na Síria.- Você é pequena só no tamanho... Mas gigantesca no talento e no coração. – Tata sorriu e ajeitou uma mecha dos meus cabelos – Ainda ouviremos falar muito de você, Clara. Não tenho dúvidas de que será premiada pe
Artemis riu:- Você é louca!Eu ri e segui escorada na janela, olhando para tudo sem ver nada. Meus olhos tinham se acostumado com a neutralidade do cinza e parecia que as cores já não me faziam mais tão bem.- Eu preciso ver ele uma última vez... Para poder seguir em frente. – Falei.- Patrick? – A voz de Artemis saiu quase num grito.- Pedro Moratti.- Como assim?- Eu segui em frente... E me perdoei.- Então não precisa mais dele.- Já se passaram 19 anos.- Exatamente. E vocês ficaram juntos somente dois. Tem certeza de que ainda há o que falarem?- Eu mandei uma mensagem para ele uma vez, explicando os motivos que me levaram a fazer o que fiz. Certamente Pedro leu e resolveu não me mandar uma resposta. E creio que isso aconteceu porque ele não me perdoou.- E você disse que se perdoou. Por que precisa do perdão dele agora? Não pode voltar tanto tempo depois e remexer nesta história. Não passa pela sua cabeça que ele já pode ter esquecido? Talvez Pedro tenha filhos... Ou até netos
Assim que chegamos no Hotel, simples mas que parecia confortável, subimos para o segundo andar, onde ficavam nossos quartos. Artemis escolheu um ao lado do meu.- Vou tomar um banho de talvez cinco horas. – Brinquei, enquanto abria a porta.- Jantamos juntos?- Claro! Oito horas?- Combinado. Pego você aqui. E fique linda! – Riu.- Vou contar tudo para Irlanda. – Brinquei.Ele piscou e entrou no quarto. Fiz o mesmo. Eu teria muito que agradecer a Artemis por ter deixado a esposa e vir me socorrer, já que eu estava completamente perdida “em que pé” estava o mundo fora da Síria naquele tempo todo que passei longe.O quarto não era grande, mas tinha tudo que eu precisava: um banheiro com água quente, uma cama grande, confortável e limpa e um frigobar.Abri o frigobar e peguei uma lata de Coca-cola gelada. O som do anel abrindo a lata e o gás saindo foi melhor que ouvir Ramones tocando “I Wanna be you Boyfrind”. Bebi o líquido doce quase sem respirar, até que não restasse mais uma gota se
- O que fez com o seu dinheiro?Abaixei a cabeça:- Investi em causas nas quais eu acreditava...- Não acredito que gastou tudo que tinha na Síria.- E não foi com roupas, sapatos, tampouco chocolates...- Clara... Você é louca. Eu já lhe disse isto?- Umas mil vezes.- Mas você não recebia pelo seu trabalho?- Sim. Mas mal dava para viver. Talvez eu tenha patrocinado uns grupos rebeldes com o dinheiro de Patrick... E outros com o que eu tinha guardado.Artemis balançou a cabeça, incrédulo:- Não pode comprar passagem antes de sábado. Ou seja, somente poderá sair de Washington no domingo, independente de ser para Laranjeiras ou Ilhas Seychelles.- Por quê?- Porque você receberá um prêmio pelas suas fotos tiradas na Síria.- O quê?- Não me pergunte como acharam o meu contato, mas foi por aqui que lhe encontraram. Haverá uma cerimônia de homenagem a você e seus colegas que trabalharam na Síria. E todos serão premiados. Será transmitido ao vivo para todo o país, pela CNB.- Eu... Não p
Pus a mão na maçaneta da porta, tentando abri-la, mas estava trancada.- Eu quero sair. – Minha voz soou trêmula, enquanto eu tentava me impor e não demonstrar medo.Patrick alisou minha coxa sob o vestido de tecido fluido, fazendo meu corpo arrepiar-se de pânico e temor. Senti as pernas tremerem de pavor e a respiração ficar acelerada.Olhei para a rua e só via as luzes dos postes iluminando o caminho coberto de chuva intensa, que fazia com que todos procurassem abrigo em algum lugar assim como a visibilidade ficava praticamente nula de fora para dentro, o que me impossibilitava de ser socorrida por alguém.- O que quer de mim, Patrick?- Faz quantos anos que fugiu de mim? Oito?- Queria o que? Que eu ficasse presa para o resto da vida no alto de uma montanha na Austrália?- Achei que éramos felizes.- Nunca fomos. Eu fingi... Por 11 anos eu menti... Eu nunca fui feliz ao seu lado. Mas cumpri com o prometido. Você pegou toda a sua herança. O que quer mais?- Não é sobre o dinheiro, C
Fui até a lateral da pista onde ambos estavam e peguei uma pedra grande que encontrei e não pensei duas vezes, segurando-a com força e mirando na cabeça de Patrick, atingindo-o com um golpe certeiro, que ao gemer de forma forte caiu desacordado no chão.Fiquei em estado de choque, vendo o sangue na pedra, que começava a escorrer pela água da chuva. Artemis levantou-se com dificuldade e foi até Patrick e tocou seu pescoço.- Ele... Não está respirando... Está... Morto. – Me olhou, com os olhos arregalados, em pânico.Fiquei do mesmo jeito que estava, sem me mover, segurando a pedra com a qual havia o golpeado.Artemis veio até mim e pegou-me no colo, levando-me em direção ao seu carro. Me pôs sentada no banco pelo lado do motorista, ainda com a pedra na mão e sentou-se ao volante, dando a partida.Eu olhava para frente, sem dizer nada, sentindo todo meu corpo tremer, como se Artemis dirigisse em câmera lenta.- Respire fundo... Respire fundo, Clara... Estamos vivos... Então está tudo b
- Oi, mãe! – Sorri, não impedindo as lágrimas.Naquele momento chorar não era sinal de fraqueza e sim de alegria... Alegria pelo reencontro, depois de tantos anos.Minha mãe veio até o portão e o abriu e ficamos nos olhando, como se antes de matarmos a saudade através de um abraço precisássemos viver aquele momento de reconhecimento.Josephine em 19 anos não tinha envelhecido e sim remoçado. Foi como se ela tivesse voltado dez anos antes desde o momento que parti.- Você... Está linda, mãe! – Sorri.Ela veio lentamente até mim e me abraçou com tanta força que chegou a doer meus ossos. Senti suas lágrimas mornas molhando meu ombro enquanto não conteve um gemido de talvez surpresa por estarmos novamente juntas.Assim que me soltou, pegou-me pelos ombros e beijou minha testa, descendo pelo nariz, queixo, bochechas e cada um dos olhos.- Eu quero me certificar... De que isto é verdade! Que não é um sonho! – Falou, num fio de voz.Toquei com minhas duas mãos suas maçãs do rosto, quentes e