Capítulo I
Introdução
A baixa Idade Média desenvolvia-se nos países europeus. Cresciam as cidades, expandiam-se os territórios e florescia o comércio. Sobreviventes da decadência do Império Romano elas se transformaram em dormitórios de bispos e de senhores feudais que se esqueciam da zona rural e também dos seus habitantes que empobreciam dia a dia. Revoltados, o povo passou a se organizar em sociedades, revertendo a ousadia dos reinos europeus. Muito lentamente, essas organizações passaram a dar lugar a uma nova ordem, em que o papel econômico mais dinâmico passou para a burguesia urbana.
A abertura de novas lavouras, o crescimento demográfico e o aumento da produtividade agrícola, em consequência de técnicas mais modernas provocaram um excedente de mão de obra e de produção agrícola que beneficiou o desenvolvimento das cidades. Surgiu nelas uma nova classe de comerciantes e artesãos, que se instalavam nos guetos ou nos bairros recém construídos em volta das velhas muralhas, que promoveu o intercâmbio entre os centros urbanos e o campo, assim como a abertura de rotas comerciais entre regiões distantes. Foi nessa época que surgiram os primeiros sindicatos de categorias, evitando a concorrência entre eles.
O crescimento demográfico e econômico propiciou a expansão territorial dos reinos cristãos, principalmente no leste da Europa e na península ibérica. Também se abriram ao comércio grandes horizontes marítimos, como o Báltico e o Mediterrâneo, que passaram a se ligar por rotas terrestres. No norte da Europa, as cidades dos Países Baixos estabeleceram sólidos laços comerciais com a região do Báltico, onde obtinham cereais, peles e outras matérias primas, em troca de produtos manufaturados. No Mediterrâneo, a indústria, o comércio e a atividade financeira floresceram nas cidades do norte da Itália, principalmente Veneza, Gênova e Florença, bem como na cidade espanhola de Barcelona. Com o advento da tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos na segunda metade do século XIV, selou-se o fim do comércio com o Mediterrâneo oriental. O reinado europeu viu-se obrigado a buscar novas rotas comerciais pelo oeste, o que contribuiu para o progresso das técnicas de navegação e possibilitou os grandes descobrimentos. Ao mesmo tempo, a rejeição da cultura medieval e a busca das fontes originais da arte e pensamentos clássicos propiciaram o aparecimento de uma nova maneira de ver a vida e as formas estéticas. Do legado medieval e da recuperação da cultura grecolatina surgiu o Renascimento.
Nessa época, Espanha e Portugal emergiam com destaque entre os países europeus. Mas também tinham seus problemas. Para seu fortalecimento, os países precisavam dispor de um grande volume de recursos financeiros necessários à manutenção de um exército permanente e de uma marinha poderosa, ao pagamento dos funcionários reais e à manutenção do aparelho administrativo e ainda ao custeio dos gastos suntuosos da corte e das despesas das guerras no exterior. A obtenção desses recursos exigia uma nova política econômica, não mais dependente da terra, mas sim de metais preciosos.
Pelo final do século, a coroa espanhola enviou o navegador italiano Cristovão Colombo rumo oeste, na tentativa bem sucedida de se encontrar novos horizontes.
A expansão marítima foi motivada pelo desejo dos reinos europeus, principalmente Portugal e Espanha, de expandir seus domínios territoriais e conquistar rotas alternativas de comércio. O principal objetivo era chegar às Índias, nome genérico que inclui todo o Oriente, grande fornecedora de especiarias e um novo mercado de consumo. Para evitar a travessia do Mediterrâneo, dominado por comerciantes italianos e muçulmanos, Portugal busca uma rota alternativa contornando a África e acabou por estabelecer bases nas costas do continente.
Em outra parte da Europa, a Itália, também conhecida como o berço do renascimento, não se aventurava pelos sete mares como Portugal e Espanha.
Apesar disso, o século XIV e XV foram de uma grande valia, em função das atividades comerciais das suas quatro províncias mais evoluídas, Veneza, Gênova, Pisa e Amalfi, além da atividade financeira de Florença. A atividade econômica e a riqueza permitiram um grande desenvolvimento cultural e artístico que se irradiou pela Europa.
Portugal era até então um pequeno país, dada às suas dimensões, mas enorme quanto às tradições históricas e valores humanos. Nação de pouco mais de um milhão de habitantes, resolveu lançar-se na proeza de expandir o império pelo mundo até então desconhecido.
Sob influência de Colombo e do navegador florentino Américo Vespúcio, o reinado espanhol escolheu a direção ocidental, com base na tese da esfericidade da Terra. Imaginava-se que, navegando pelo ocidente se chegaria ao oriente. Igualmente à Espanha, Portugal também se fazia ver. O rei de Portugal, Dom Manoel, entregou o comando de uma expedição que tinha, igualmente à expedição espanhola, o objetivo de chegar à Índia navegando pelo ocidente, em conformidade com o pensamento do português Vasco da Gama. Confiou a empreitada a Pedro Álvares Cabral, navegador também português. A esquadra de Cabral saiu de Lisboa no dia nove de março de mil e quinhentos, com dez navios de guerra mais algumas embarcações mercantes. A nau Capitânia, que trazia o navegador, avistou em vinte e dois de abril de mil e quinhentos o Monte Pascoal.
Depois de quarenta e dois dias de viagens, a frota de Pedro Álvares Cabral finalmente vislumbrava terra, mais com alívio e prazer do que com surpresa ou espanto. Segundo o testemunho do escrivão Pero Vaz de Caminha, naquela tarde de vinte e dois de abril “os nossos toparam um grande monte, mui alto e redondo ao qual monte alto o capitão pôs o nome Monte Pascoal e a terra a Terra de Vera Cruz”. No dia seguinte, vinte e três de abril, iniciaram-se as sondagens do leito marinho e alguns navios ancoraram em frente à grandiosa Mata Atlântica. Muito provavelmente o capitão Nicolau Coelho deve ter sido o primeiro português a pôr pé no novo continente e a se comunicar com um pequeno grupo de índios tupiniquins que apareceu na praia.
Nos nove dias que se seguiram, nas enseadas generosas da Bahia, os dez navios da maior armada já enviada às Índias pela rota descoberta por Vasco da Gama permaneceriam reconhecendo a nova terra e seus habitantes. O primeiro contato amistoso com os índios se deu já na quinta feira, vinte e três de abril. O capitão Nicolau Coelho, veterano das Índias e companheiro de Vasco da Gama, foi a terra, em um batel, e deparou com dezoito homens pardos, nus, com arcos e flechas nas mãos. Coelho deu-lhes um gorro vermelho, uma carapuça de linho e um sombreiro preto. Em troca, recebeu um cocar de plumas e um colar de contas brancas. O Brasil, batizado Ilha de Vera Cruz, entrava, naquele instante, no curso da História. Foi justamente no município de Cabrália, na Coroa Vermelha, que Frei Henrique de Coimbra celebrou a primeira missa, que continua a ser orgulhosamente relembrada por brancos e índios até os dias atuais.
De Cabral a Ramalho
No ano de mil quatrocentos e sessenta e oito, no Castelo de Belmonte, propriedade da família Cabral, nascia um menino de nome Pedro, filho de Fernão Cabral e de Dona Isabel de Gouveia. Fernão Cabral lutou ao lado de Dom João I e os três Infantes, na famosa conquista de Ceuta, em mil quatrocentos e quinze, junto com seu pai, Luís Álvares Cabral.
Alguns anos depois, Portugal estava preparando uma armada para ser enviada às índias. Para tal foi sugerido ao reinado o nome de Pedro Álvares Cabral, que fora escolhido por suas qualidades pessoais para chefiar a esquadra que, no dia nove de março de mil e quinhentos, após a Santa Missa celebrada pelo Bispo Dom Diogo Ortiz, bispo de Cepta, rumaria para as Índias, culminando por descobrir um novo continente.
Em vinte e dois de abril de mil e quinhentos chegava l á nova terra treze caravelas portuguesas lideradas por Pedro Álvares Cabral. A primeira vista, eles acreditavam tratar-se de um grande monte, e chamaram-no de Monte Pascoal. No dia vinte e seis de abril, foi celebrada a primeira missa no novo solo, até então sem nome.
Após deixarem o local em direção à Índia, Cabral, na incerteza se a terra descoberta tratava-se de um continente ou de uma grande ilha, alterou o nome para Ilha de Vera Cruz. Após exploração realizada por outras expedições portuguesas, foi descoberto tratar-se realmente de um continente, e novamente o nome foi alterado. A nova terra passou a ser chamada de Terra de Santa Cruz. Somente depois da descoberta do pau brasil, ocorrida no ano de mil quinhentos e onze, o país passou a ser chamado pelo nome que conhecemos hoje: Brasil. Dois anos depois, em vinte e dois de janeiro de mil quinhentos e dois, outra expedição portuguesa aportou na nova terra no litoral paulista, sob o comando de Gaspar de Lemos.
A história da ocupação da ilha também se confunde com a história das cidades de Santos e de São Vicente. Mas bons tempos antes da fundação de qualquer dessas cidades, uma expedição portuguesa comandada por Gaspar de Lemos já havia estado por lá. Até então o local era conhecido pelos nativos como Ilha de Gohayó. Exatamente trinta anos depois, no mesmo dia vinte e dois de janeiro de mil quinhentos e trinta e dois, ali chegou Martim Afonso de Sousa, enviado pela coroa portuguesa, e lá constituiu a primeira vila do Brasil, a vila de São Vicente, hoje chamada a Célula Mater da nacionalidade, por ter sido a primeira cidade do Brasil.
Todavia, quando Martin Afonso de Souza chegou ao Brasil, ao ancorar no Tumiaru, hoje São Vicente, já encontrou um português de nome João Ramalho vivendo entre os índios guayanazes. O aglomerado de portugueses, índios e mamelucos, no planalto, em território da Capitania de São Vicente, próximo à taba do Cacique Tibiriçá, originou uma vila.
Filho de João Velho Maldonado e de Catarina Afonso de Balbode, nasceu aproximadamente em mil quatrocentos e setenta em Vouzela, distrito de Viseu, Portugal. Era casado com Catarina Fernandes das Vacas. Foi degredado para o Brasil por delitos cometidos enquanto era escudeiro da rainha. Não se sabe exatamente o ano em que João Ramalho foi deixado na costa brasileira, supõe-se que tenha sido entre mil quinhentos e dez e mil quinhentos e trinta. Faleceu em mil quinhentos e oitenta, sendo provavelmente sepultado na Igreja do Colégio de São Paulo de Piratininga.
João Ramalho, pessoa de fácil comunicação e de simpatia impar apesar da degradação sofrida em Portugal, não demorou em conquistar a amizade do cacique, cuja filha Bartira, posteriormente batizada de Izabel Dias, bela índia de cabelos escorridos, seios fartos, corpo escultural, face meiga e sorriso aberto e franco, a tomou em casamento. Instalados no planalto, Ramalho, esposa, sogro e a tribo estavam reunidos à margem do piscoso rio Tamanduateí. Ramalho, sentado em um tronco de aroeira com a esposa ao lado estirada sobre uma rede, pensava em progresso, em futuro.
Finalmente, a oito de abril de mil quinhentos e cinquenta e três, foi levantado por ele e pelos guayanazes o pelourinho, símbolo dos foros de vila, que no ato recebeu o nome de Vila de Santo André da Borda do Campo, sendo João Ramalho nomeado Alcaide, cargo semelhante ao de Prefeito.
Porém, os padres jesuítas, que já possuíam um colégio na Vila de São Vicente, obtiveram autorização para instalar outro na nova Vila de João Ramalho, vindo a ser instalado o Colégio de São Paulo. Em mil quinhentos e sessenta, tendo se formado um bairro em torno do Colégio São Paulo e estando a vila ameaçada por ataques constantes dos índios Carijós, o Governador Geral do Brasil, Mem de Sá, ordenou que se mudasse o pelourinho para o pátio do Colégio, declarando extinta a Vila de Santo André, originando assim, a Vila de São Paulo de Piratininga nas imediações do colégio.
Novamente, João Ramalho assume o comando das forças de defesa, com o posto de Capitão Mor. Desta forma, da primeira Vila de João Ramalho, nasceu a Vila de São Paulo, justificando plenamente o lema do brasão de armas de Santo André, Paulistarum Terra Mater, Terra Mãe dos Paulistas.
As terras do planalto continuaram a ser habitada por detentores de sesmarias, por monges Beneditinos com sua fazenda São Bernardo e muitos outros, até que em mil setecentos e trinta e cinco, Antônio Pires Santiago fundou uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição e, por situar-se à margem da Estrada do Mar, recebeu também o nome de Capela da Boa Viagem, pois os viajantes nela oravam invocando proteção para a viagem que realizavam.
O início da saga
Nessa mesma época, na França, nascia Jean Paul Scucciatto, um simples lavrador que iniciaria um clã que se estenderia ao longo dos séculos. Na adolescência, o jovem francês achou por bem se aventurar pelo mundo e, tomado pela arte renascentista que se desenvolvia na Itália, para lá se dirigiu. Tornou-se discípulo de Leonardo da Vinci e posteriormente de Michelangelo, mas a sua evolução não se mostrou nos séculos seguintes e tampouco na história. Apenas um nome, Scucciatto, aparecia discretamente entre os habitantes de Enna, na Sicília, nada fazendo imaginar a forte herança que deveria guardar dos seus docentes.
Pouco mais tarde, no século dezoito, pela resolução régia de vinte e três de setembro de mil oitocentos e doze e alvará do Marquês de Alegrete de vinte e um de outubro do mesmo ano, São Bernardo foi elevado à categoria de Distrito. A lei provincial nº 38, de doze de março de mil oitocentos e oitenta e nove, desmembrou São Bernardo do Município de São Paulo, sendo instalado o Município de São Bernardo apenas em dois de maio de mil oitocentos e noventa, com sede no local da primitiva Vila de Santo André da Borda do Campo.
Em mil novecentos e trinta e oito, por decreto do então interventor federal senhor Adhemar de Barros, São Bernardo foi rebaixado de sede de Município a distrito, transferindo-se a sede para o Bairro da Estação.
Somente em mil novecentos e quarenta e quatro, pelo decreto estadual nº 14.344, de trinta de novembro, São Bernardo recupera a condição de sede de Município, tomando o atual nome de São Bernardo do Campo e separando-se do Bairro da Estação que tomara o nome de Santo André.
Desde que os primeiros portugueses romperam a barreira geográfica da Serra do Mar no século XVI, a cidade não parou de crescer e três foram os fatores que contribuíram para que Santo André enveredasse pelo caminho do progresso, atingindo altos índices econômicos: a vinda de imigrantes, a Estrada de Ferro Santos a Jundiaí cortando todo a cidade e a construção da represa Billings. A passagem do leito da velha São Paulo Railway despertou de largo sono a região desbravada por João Ramalho.
No século XIX, a economia brasileira baseava-se quase que exclusivamente em um único produto de exportação: o café. Este, gradativamente, ganhou espaço como um bem de grande valor comercial e possibilitou o surgimento, aqui, da ferroviária. Assim, em mil oitocentos e cinquenta e quatro, por iniciativa do Barão de Mauá, a concessão da ferrovia a ser construída foi cedida a São Paulo Railway Company pelo prazo de noventa anos. A ferrovia trouxe da Europa toda uma tecnologia inaugurada a partir da invenção do vapor, mas, aqui em São Paulo, enfrentou o desafio de vencer o grande desnível que separava o planalto paulistano da Baixada Santista, ou seja, a ligação das principais regiões produtoras de café ao seu terminal exportador, o porto de Santos. A solução desse problema exigiu muito tempo e demandou grandes capitais bancados pela Inglaterra.
Em Santo André, na região de Paranapiacaba, estava o grande desafio a ser vencido pela estrada de ferro; a descida da Serra do Mar. Para tal, os engenheiros ingleses elaboraram um sistema de roldanas com cabos de aço, onde enquanto uma composição descia a serra, na outra ponta era engatada outra composição que subia. O sistema funcionou por várias décadas até que em mil novecentos e oitenta e seis uma indústria de engenharia japonesa substituiu o sistema por cremalheiras. Ainda hoje o sistema é usado, porém, não mais com as alegres composições de passageiros, limitando-se ao transporte de carga para o porto de Santos.
A quinze de maio de mil oitocentos e sessenta, as obras foram iniciadas. Durante os trabalhos de preparação do leito e instalação da linha com cento e trinta e nove quilômetros foi necessário que se constituísse um acampamento no alto da serra do Mar a setecentos e noventa e seis metros de altitude. O local escolhido para o acampamento principal ficava no topo da serra e era próximo das obras. Esse local, que era um vale circundado por morros onde a companhia, circunstancialmente, instalou o pessoal operacional, técnico e administrativo do sistema ferroviário, denominou-se Alto da Serra.
Próximas às paradas dos trens foram sendo construídas residências e instaladas algumas casas comerciais, dando origem a inúmeros núcleos populacionais.
A parada denominada de São Bernardo desenvolvia-se como centro da região, conhecida como Bairro da Estação, mais tarde, distrito de Santo André da Borda do Campo. Pelo fim do século XVIII, seus habitantes, na maioria imigrantes italianos, se dedicavam à agricultura, exploração de carvão e lenha, além das poucas olarias da localidade e pequenas oficinas de consertos de carros e carroças. A contribuição da estrada de ferro, que ligava a capital ao porto de Santos, no período áureo do ciclo cafeeiro, adicionado a outro fator importante, a construção da represa Billings, que produzindo energia elétrica permitindo a instalação de indústrias na região, foram, portanto, cruciais para o seu desenvolvimento.
Com a energia elétrica, próxima à entrada do século XX, vieram as indústrias. A população local era insuficiente para a necessidade de mão de obra de tantas empresas, dando origem ás grandes migrações de Minas Gerais e do nordeste, além da continuada vinda dos imigrantes italianos, que se fixavam pelas regiões cafeicultoras do interior do estado de São Paulo, ou pelo pólo industrial que começava a se formar na região mais tarde conhecida por ABC, compreendendo as cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano.
Capítulo IIOs ScucciattoGiuseppe Scucciatto acorda em sobressalto com os altos gemidos e continuados pedidos da mama para buscar dona Rita. Grávida de nove meses sente que já está na hora da chegada do bambino, ou bambina nascer. É passado da meia noite e a madrugada se instala no sítio do casal na cidade de Enna, bem no coração da Sicília. O inverno castiga toda a região, obrigando o futuro pai a bem se agasalhar com um sobretudo preto em cima do pijama de grossa flanela. Na cabeça protegeu-se com um gorro também preto e calçou as botas sem as meias. Saiu do quarto rumo á sala e bateu com a cabeça no candeeiro de querosene, fato que o fez lembrar-se de acendê-lo, provocando risos na mama em meio aos gemidos.Batendo os dentes de frio, Giuseppe atre
Capítulo IIIMário ScucciattoMário Scucciatto despediu-se dos pais no cais do porto de Palermo e rumou para a rampa de acesso do vapor Bento I a caminho de Roma. Ouvia os murmurinhos de outras pessoas que também embarcavam sobre o assassinato do príncipe do império Austro-Hungaro, Ferdinando e como isso poderia afetar a vida dos italianos. Com passos firmes adentrou na embarcação e ouviu o silvo prolongado anunciando a partida imediata. Vagarosamente o navio foi se afastando, a linha do horizonte já cobria o cais do porto de Palermo e Mário não podia mais ver a figura dos pais lhe acenando com lenços brancos em sinal de adeus, ou de até breve, ou ainda, de que Deus lhe acompanhe. O já desgastado “que Papai do céu cuide bem de você e que sempre lhe acompanhe” fazia parte dos pensamentos da mam
Capítulo IVOs Scucciatto no BrasilA experiência vivida como grumete no vapor Il Mondo Romano de Mário Scucciatto anos atrás fazia brilhar os olhos de Maria Prueti. Caminhando pelo convés do navio ele lhe explicava o que era bombordo, estibordo, proa, popa, o trabalho ali realizado pelos marujos, para que servia determinados aparelhos e de como se orientar pelas estrelas. Mostrando-lhe o céu explicava que nesta parte do hemisfério sul logo se poderia ver uma constelação que não aparecia no céu da Europa chamada Cruzeiro do Sul.Iriam aportar na cidade de Santos e sua intenção era seguir para o interior do estado de São Paulo, onde amigos lhe afirmaram ser uma região próspera na agricultura, principalmente na cultura de café. Tinha dólares suficientes para compra
Capítulo VA primeira geraçãoA matriarca dos Scucciatto parecia agora ter acordado de uma enorme hibernação. De repente achou por bem lutar pelo patrimônio quase perdido, mesmo contrariando a última vontade do finado marido. Se conseguisse estaria completando o sonho dele e, com certeza, lá do céu ele lhe agradeceria. Entre trancos e barrancos ela tentava equilibrar suas finanças e o custeio familiar. Contava com a ajuda dos filhos, cada qual realizando as tarefas que lhes cabiam. Eliza e Iolanda trabalhavam na roça colhendo o pouco café que ainda restava para vendê-lo no mercado municipal. Os rapazes, Alduino e Pascoal trabalhavam como operários em fábricas nas cidades vizinhas. Entre estes, Alduino era o que mais se destacava. Tal qual o pai, Alduino Scucciatto era inteligente, trabalhador, perspicaz, teimoso e terrivelmente debochado.
Capítulo VIOs CerviHerminda Cervi lia e relia a carta de Alduino comunicando a baixa do exército. Foi quase três anos de espera e agora, toda eufórica e tagarela repetia constantemente à mãe e às irmãs que em breve estaria casada e queria que todos a visitassem em Santo André, onde moraria com o marido. Seu pequeno sonho não ultrapassava os limites de um lar, filhos, trabalho e muita felicidade. Imaginava-se esperando pelo marido no fim de uma jornada de trabalho, preparando o jantar e cuidando dos filhos no retorno da escola. Indo além, sonhava ver esses filhos devidamente educados e cuidando deles na velhice. Perguntava constantemente ao pai se já havia pensado em se mudar para Santo André, lembrando-o que as coisas por Santo Antônio da Alegria não iam muito bem.E de fato não iam. Com um simples
Capítulo VIIIDo legado de BarduA grande família oriunda do velho descendente de imigrantes italianos se expandia sob a égide do patriarca. Do velho Mário Scucciatto, Alduino trouxe o conhecimento simples do homem do campo e a paixão pela vida. Herdou a inteligência e a força de vontade, a honestidade, o amor e a solidariedade. O espírito guerreiro e aventureiro, o bom humor, a irreverência e o deboche. A dignificação pelo trabalho de qualquer natureza e a responsabilidade pelos seus atos.Do exército veio a ordem, a obediência e a noção de soberania. Pontualidade com os compromissos e a satisfação pelo dever cumprido. O respeito pela vida e pela natureza, assim como pela preservação, manutenção e reparos dos bens a ele confiados. O valor de uma amizade e
Capítulo IXUm pouco mais da vida sem BarduA partir de dezesseis de julho de mil novecentos e noventa e oito a vida mudou bastante para os Scucciatto. A sua casa na avenida Doze de Outubro na vila Assunção estava a dois metros abaixo do nível da rua. José havia construído na frente e ao nível da rua uma garagem, o que fez sobrar abaixo um bom pátio medindo seis por oito metros. Nesse espaço Alduino construiu uma mesa em madeira bastante grande para acomodar toda a família e bancos que a rodeavam. Muitos eventos ali foram realizados. Natais, aniversários, nascimentos, comemorações esportivas e simples reuniões formais de alegres bate-papos e um bom jogo de tômbolas. Mas a luz apagou e a festa acabou. E agora José?Agora, naquela casa antes alegre, Herminda vivia sozinha. Diariamente recebia a visita
Capítulo XJosé ScucciattoJosé contempla o firmamento através da janela de um pequeno apartamento na travessa Apeninos. Estar ali não lhe faz bem, haja vista a recordação dos dias em que lá passou em companhia da mãe. Por entre os edifícios que se estendem à sua frente, vislumbra uma pequena parte do infinito azul do céu, que se expande até aonde a vista não mais alcança. Tão distante quanto ele vai seus pensamentos, suas lembranças, suas alegrias e tristezas.É verão nesta parte do hemisfério sul. Os dias são bem mais longos e ainda ajudados pelo horário especial adotado na estação, aumentando ainda mais seu istmo, teimando em deixá-lo sempre a mostra. A noite luta pelo seu espaço e só o consegue em horário já bem avançado.Logo abaixo da janela, na rua bem em f