Sigmund observou Ranna aplicar seu chi para proteger-se, tornando a infusão menos letal. Sua alma começou a distanciar devagar, não tardando para a dor chegar e quanto mais distante, mais intensa era dor. A sensação de tristeza e solidão era maior, frente ao corpo imóvel de Ranna, vendo sua pele empalidecer. Sigmund manteve-se concentrado, lutando contra si enquanto buscava uma forma de lidar com aquilo. Observou o elo, que os ligava tão intimamente, esticado, vibrando. “Este é o motivo da dor, provavelmente.”, presumiu. “Se é uma ligação emocional, só pararei de sentir quando ela morrer ou quando conseguir me desprender…”, refletiu, balançando a cabeça. “Não posso deixar de amá-la, ela me deu a vida! Vulnerável, pensando nos outros, tenho uma responsabilidade com ela.”, argumentou, consigo. Os momentos finais do exercício ocorreram com os sinais de fadiga e o suor espalhando-se por ela até seu retorno efetivo ao corpo. Sua demora para despertar foi inquietante! — Sigmund — cha
Sigmund despertou, saltando da cama. Olhou ao redor buscando pelo mau espírito. Ouvindo-o, Ava correu para acudi-lo, deixando o que fazia. — Calma… estou cozinhando para levá-lo em casa — disse, deitando-o. — Você está bem, na minha casa. Lembra o que aconteceu? — Tarusa. Acertou o ombro e caí. Pedi para parar e ele chutou, deve ter machucado porque senti um gosto estranho. A peta enraiveceu e falou e puniu! Não quero mais, Ava Gyi… — O menino chorou. — Não aguento! Estou cansado, não quero mais! Fiz tudo certo, aguento diariamente e não é suficiente!? Ava Gyi, precisa me curar, me consertar! — Me perdoe, maung! — disse Ava, impotente, abraçando-o. — Não sei o que acontece e por isto não posso oferecer mais ajuda. Preciso que seja forte, quero te ajudar. Então, conversa comigo. — Não quero. Não aguento. Continua doendo. Todos fingem que não acontece. Não aguento! Ava Gyi, me ajuda! — Ele implorou. Ava o abraçou forte e Sigmund chorou até desfalecer em seu colo. *** Sigmund acord
Sigmund despertou com Ava o banhando com um tecido úmido, olhou ao redor e, apesar da visão embaçada, identificou estar em casa. Ava sorriu, aliviada ao vê-lo desperto. — Bom dia, maung. Como está? Presumo que faminto! — Ela sorriu. — Sim. Posso me banhar, Ava Gyi. Não se preocupe. — Ele sentou. — Claro que me preocupo, maung! Você dormiu sete dias ininterruptos. Os únicos sinais de consciência que observei foram nos momentos inquietos das sessões de Ranna. Como se sente? — Os olhos estão pesados, a visão está embaçada, mas estou bem, Ava Gyi. Faminto! — exclamou, sentindo o estômago reclamar. — Terminarei de banhá-lo e trarei a refeição. Mi Ranna está descansando, teve um péssimo desempenho nas sessões esta semana, logo está muito cansada. Mantive você nutrido e hidratado com o chi, mas, nos próximos dias, você precisa se alimentar e beber bastante água. — Sim, senhora! — assentiu Sigmund, se ajeitando para ajudar Ava. Ao fim do banho, Ava o trouxe uma refeição leve e um lahpe
Sigmund despertou, deitado em uma cama confortável. Observou o cômodo e a arquitetura era diferente. Uma das velas de um castiçal, próximo à porta, mantinha o nível baixo de luz possibilitando-o ver a acomodação. As paredes eram ornadas com escritos, acesos com um leve brilho fátuo. Havia uma mesa de cabeceira próxima — com livros e cadernos de partitura em branco, canetas-tinteiro e tinta nas gavetas. Um jarro com água e uma caneca de barro vazia, estavam sobre a pequena mesa. Sigmund sentou, observou estar vestindo calças largas; o tronco estava enfaixado, embebido por um unguento de cheiro bom. Ele se levantou e foi ao armário nos pés da cama, onde encontrou alguns quítons — vestes gregas — negros, sandálias de tamanhos variados, feitas com tiras de couro trançadas. Uma partitura estava entalhada no interior do armário, o que dava sofisticação ao simples móvel. Dado o nulo contato, Sigmund entendeu as notas musicais como iguais aos caracteres na parede. Deixando o quarto, ele
— Criança, precisa lavar o rosto antes do jantar — chamou Althea. Ela segurava uma bacia com água e uma toalha limpa. Sigmund acordou, lavou o rosto e o secou na toalha, manchando-a com as lágrimas negras. Ele acanhou-se ao vê-las e desconcertado, disse: — Desculpa sujar a toalha. — É só uma toalha. — Althea sorriu. — Sujamos todas para que não as chore. Uma criança não deveria derramá-las. É triste, mas reparável. — Creio que ninguém normal deveria chorar assim, não!? — Elas percorrem um longo caminho do interior de nossa alma até se manifestarem através de nossos olhos. Carregam consigo sentimentos e memórias, bons ou ruins. Às vezes, carregam parte de nós e estas são as piores! Pois, levam este pedaço embora, de forma irreversível. Ela deixou a bacia sobre a mesa de centro e caminhou com Sigmund. — Temos três refeições no dia, uma ao amanhecer, uma à tarde e uma à noite, opcionalmente há uma refeição antes de dormir. São quarenta sacerdotes, incluindo-me, no templo. Então, s
Althea tocou por alguns minutos, mas cessou, dando-o um lenço. — Isto é estranho. Como faz? — perguntou, aturdido e letárgico, pegando o lenço e enxugando seu rosto. — Para haver boas mortes, é preciso cultivar boas vidas. É nosso dever curar. Então, produzimos conhecimento. Sentimentos e pensamentos ruins podem ser nocivos e essa canção, quando aplicada em pessoas pouco treinadas, nos possibilita remover parte das mazelas emocionais e psicológicas, facilitando nosso trabalho. Elas podem voltar a ser acometidas, mas cultivando bons hábitos, isto pode ser evitado. — Entendo… por isto o alívio estranho e a lentidão. — Sim, ontem a toquei, mas não apliquei minha sinfonia, logo ela fez seu dever rasamente… O que aprendeu com os monges sobre sua sinfonia? — questionou Althea, estimulando-o a conversar. — Não mais do que sabia. Eles ajudaram com o lethwei… depois que Ranna começou a morrer, ficou ruim. Era difícil! Quando eu treinava e ela praticava, eu sempre atrapalhava todos. Precisa
Sigmund despertou. Observou que todas as velas estavam acesas e Althea estava sentada à cama, penteando-se, ela o olhou e sorriu. — Boa tarde, pequeno Sigmund. Dormiu bem? Como já sabe, vá ao banho. Separei um quíton. As ataduras não são necessárias, mas usaremos os unguentos para as regiões das cicatrizes não se tornarem suscetíveis a avarias, tudo bem? — Obrigado, senhora! — Sigmund seguiu para o banheiro. — Se precisar de ajuda com o quíton, me peça. Durante o banho, Althea entrou ao banheiro deixando um pequeno frasco de vidro ao lado da banheira. — Após secar-se, aplique-o como fiz, tudo bem? — disse, saindo. Ele o fez, exatamente como vira. Após estudar o quíton por cinco minutos conseguiu vestir-se. Saindo do banheiro, o quarto estava vazio. Ele seguiu ao grande salão, onde Althea estava sentada, bebendo água. — Ótimo! — elogiou Althea —, conseguiu vestir-se eximiamente. — Obrigado, Althea Gyi! — agradeceu, acanhado ao ser elogiado por uma tarefa tão simples. — O que d
— Ele ficará bem? — questionou Sigmund. — Sim, só partiu para casa. Como está? — Ele atou e desatou os nós tão rápido que estou aturdido — respondeu, confuso. — A senhora me ajuda com aquelas coisas para as cicatrizes? Talvez um banho ajude. — Ajudarei, vamos! Se sentir algo, me avise! Ambos caminharam para fora do grande salão. — A primeira porta à direita nos corredores é um banheiro — disse Althea. — A porta ao final dos corredores é um armário. Nele tem toalhas, roupas, roupas de cama, sandálias, velas, incensos, ataduras, insumos medicinais e estéticos, papéis, canetas-tinteiro, tintas e diversos instrumentos musicais. Deixarei unguentos no seu armário, tudo bem? — Obrigado, Althea Gyi. — Aguardarei no grande salão para a lição — disse, deixando-o. Sigmund banhou-se. No quarto, aplicou os unguentos e ao terminar foi até Althea que já recebia os sacerdotes e designava tarefas. Ele sentou-se para aguardá-la. Althea lecionou por uma hora e ao fim, voltou ao trabalho. — É p