Dias depois...
Existe uma linha tênue na vida, um ponto onde tudo muda, sua história se transforma, e cruzar essa linha nunca é fácil; geralmente implica em rupturas, e era o momento que eu estava vivendo. Por que digo isso? É fácil responder... Eu havia acabado de virar as costas para minha vida para seguir minha intuição, uma sensação que não me abandonava desde que encontrei aquele cartaz. Eu não tinha muito a perder, talvez fosse esse o motivo pelo qual estava no meu Mustang 69 cruzando as estradas do Arizona, deixando para trás minha vida em Albuquerque. Há alguns meses, jamais imaginaria que faria algo assim, pois nada acontecia para mim, mas se aquele cartaz atravessou meu caminho, evitando um acidente, o mínimo que podia fazer era descobrir o que aquele lugar tinha reservado para mim. O mais estranho em toda essa história é que descobri que o mapa atrás do cartaz só era visível aos meus olhos. Ninguém mais o via, e acredite, tentei mostrar e pesquisar a respeito, porém as reações eram sempre as mesmas; a incredulidade. Confesso que cheguei a pensar que talvez fossem apenas delírios da minha mente após um fato traumático. Mas nem mesmo semanas de terapia foram capazes de tirar a ideia de que algo me chamava, muito menos de desacreditar no que meus olhos viam. Parei de falar a respeito e tentei ignorar, mas algo parecia me chamar. Minha terapeuta provavelmente teria me trazido clareza sobre por que tudo isso seria loucura, embora ela nunca usasse esses termos. Psicólogos são ótimos, desde que você esteja disposto a se permitir ser ajudado, mas não podia ignorar o fato de que não era o meu caso. Eu tinha certeza do que via, e se estivesse errada, só pagando para ver. A estrada era longa, com paisagens magníficas que apenas a Rota 66 pode proporcionar, um deserto que, à medida que o sol ameaçava se pôr, me deixava à beira de um breu perturbador. Detesto filmes de terror, pois alimentam minha imaginação. O sol se pôs completamente, e apenas meus faróis iluminavam o caminho. Desviei a atenção para o céu estrelado; quando se vive na cidade, não se tem muitas oportunidades de contemplar uma visão como aquela. Reduzi gradualmente a velocidade, parando no acostamento, e peguei o mapa nas mãos, juntamente com minha lanterna no porta-luvas. Não havia mais nada a seguir; de acordo com o mapa, deveria haver uma entrada em algum lugar àquela altura, mas, em vez disso, havia apenas o deserto à minha frente e atrás de mim. — Merda! — praguejei, batendo minhas mãos no volante e pressionando a buzina acidentalmente ao deitar minha cabeça sobre meus braços. — Que maravilha, dirigi horas para descobrir que é um delírio. Levantei a cabeça chateada, sem muito o que fazer além de ir para casa ou tentar a vida em Los Angeles. Meu olhar se dividia entre a estrada à frente e o meu retrovisor, ainda inconformada. — Apenas um delírio... O silêncio dominou quando, pela terceira vez ao olhar pelo retrovisor, notei uma árvore que não estava lá minutos antes. Suas folhas eram de tamanho médio, bem verdes, com flores amarelas, indo de encontro a qualquer probabilidade de existir em um deserto. Era intrigante, parecendo a verdadeira história de “Alice no país das Maravilhas,” onde ela era uma garotinha louca, e eu, naquele momento, estava prestes a adotar o papel da protagonista e buscar meu coelho branco. Segurei a maçaneta do veículo e a abri lentamente, os sons semelhantes a uivos de coiotes me fizeram questionar a decisão de sair completamente, mas não recuei. Segui em passos lentos, enquanto o vento forte batia contra meu corpo, aparentando ser frágil e magro. Eu sou uma mulher de cabelos castanhos, com vinte e cinco anos, mas na minha perspectiva, meu corpo aparentava ter dezesseis anos. Minha aparência, em particular, me incomodava, pois meus seios eram pequenos demais e eu tinha a sensação de que não eram simétricos. Minha avó dizia que isso era coisa da minha cabeça, mas ainda assim, minhas inseguranças predominavam. Dei alguns passos em direção à árvore; ela era bem maior do que eu imaginava, dando a impressão de que estava crescendo cada vez mais... Talvez fosse apenas uma ilusão de ótica? Ainda assim, fascinante. A árvore tinha aproximadamente uns 30 metros de altura, com um tronco forte, grande e largo. — Como eu não vi algo assim? — murmurei avançando alguns passos. — E como você pode estar aqui no meio do nada? Minhas mãos suaram, tive a impressão de estarem frias, minhas pernas pararam no instante em que passei pela árvore, por ali me deparei com uma estrada estreita, pequena e repleta de outras árvores mais variadas, tentei ser a mais racional possível e buscar justificativas para ter passado por algo desse porte sem ter ao menos visto realmente, era isso, ou admitir que estar batendo nas portas da insanidade. Avancei uns passos na estrada de terra estreita, as árvores gigantescas e amontoadas diminuíam a luminosidade que o luar proporcionava, vaguei pelo caminho onde conseguia ouvir sons de grilos, corujas e outros animais noturnos enquanto os coiotes do deserto já não se ouviam mais. Era como se eu estivesse num espaço coberto por uma barreira entre mundos, estes sendo completamente diferentes a sua maneira. Com a lanterna em minhas mãos gélidas, mantive-me a caminhar iluminando o caminho escuro a cada passo que eu dava, havia até neblina em alguns trechos. O vento assobiava entre as árvores, criando uma atmosfera mais aterrorizante. Um ruído vindo das árvores fez com que algumas corujas sobrevoassem minha cabeça. Surpresa pelo barulho, virei-me para os lados e, em seguida, na direção de onde as corujas saíram, tentando descobrir o que as afugentou. Aproximei-me lentamente com passos de tartaruga, enquanto o vento forte sacudia as folhas, até mesmo meu cabelo, e envolvia minha pele em ondas de arrepios. Olhei rapidamente para o céu e notei as nuvens escuras que começavam a encobrir uma enorme lua cheia. Tive a sensação de ver um vulto de olhos vermelhos na escuridão, o que me fez estremecer ainda mais, meu coração pareceu querer saltar pela boca completamente desordenado. E meu corpo paralisou momentaneamente pelo total estado de pânico devido ao medo.— Mas que droga! O que passou pela minha cabeça? — Amaldiçoei naquele momento a infeliz ideia de ter procurado esse lugar.Afinal, o que me levou a buscar trabalho em um local desconhecido, guiada por um mapa que apenas eu consegui visualizar?Hoje, vendo as coisas com clareza, compreendo aqueles que duvidavam da minha sanidade. Todavia, quando se vive em um mundo natural, é impossível acreditar no extraordinário.Mas naquele momento, mesmo amedrontada, reuni a pouca coragem que me restava para tentar fazer algo, mas o quê? Eu podia correr, mas qualquer coisa poderia me alcançar ao virar as costas.Na verdade, dar as costas ao perigo nunca parece ser uma boa opção. Eu havia aprendido isso com meu pai na infância, enquanto acampávamos no verão. — Nunca dê as costas, nunca dê as costas. — murmurei repetidamente para mim mesma, enquanto recuava vagarosamente.A saudade e a tristeza da lembrança do meu pai já falecido me fizeram esquecer por breves segundos onde eu estava e o suposto per
"Henry Wessex, até seu nome é atraente." — foi o que eu pensei quando ele estendeu a mão, e imagino que devam concordar comigo.Segurei a sua mão, e ele deu um aperto para me cumprimentar. Senti uma corrente de energia se estender junto ao meu corpo com o seu toque firme. Seus pares de olhos azuis escuros se fixaram nos meus, e somente a luz da lanterna iluminava nossos rostos.“Eu estou sonhando, não estou? Se for um delírio, por favor, não me internem, e também nem quero que me curem!” — pensei comigo mesma.Estava parecendo uma adolescente boba completamente a mercê da sedução, o simples aperto durou alguns segundos, mas a sensação que eu tinha era de ter parado no tempo com aquilo.— Eu... Prazer, Kaya Hilles! Mas... o que você faz aqui a essa hora? Acredito que tenho direito de fazer a mesma pergunta, não?Agora era minha vez de lançar um olhar de desconfiança na direção dele, guardando um pouco da minha fascinação por aqueles olhos azuis... Mesmo sendo atraente, ele ainda poderi
Desci do carro e segui até a janela de Henry, batendo no vidro do seu Impala 69 preto, era quase um sacrilégio tocar naquela belezinha, meu pai era um amante de carros antigos, logo aprendi a admirar mesmo não entendendo muito, coincidentemente, meu carro e o de Henry eram do mesmo ano.Henry abaixou o vidro e apoiei meus braços na janela sorrindo para ele, que escorou seus braços sobre o volante e me deu um sorriso fino.—Pois bem, Henry... Acho que devo a você um obrigado, foi muito gentil me acompanhar até a... —Virei olhando o nome da placa da pousada.— Essa ainda é uma das melhores pousadas da cidade, apesar dos pesares. Em quesito de conforto nenhuma supera suas acomodações, alguns dizem até que os colchões daqui são mágicos.— Uau! De detetive para um marketeiro de primeira! Eu estou impressionada. — brinquei.O sorriso dele ficou enorme com minha a resposta era como se os anjos aprovassem aquele sorriso, era muito fácil se sentir a vontade ao lado dele.Ele se inclinou em sen
O silêncio reinava naquela rua de tijolos. Alguns candeeiros piscavam suas luzes, enquanto outros nem mesmo se acendiam. Era só eu e o vento frio, acompanhados da minha indignação em relação ao comportamento de Henry. Minha mente girava tentando encontrar uma justificativa para a atitude dele, mas sem sucesso. Respirei fundo e retornei ao meu carro, pegando minha bolsa de viagem de camurça, uma relíquia antiga da minha mãe. Guardar itens da minha família era o que me fazia sentir mais conectada a eles. Havia poucas coisas, pois, ao contrário de mim, minha avó acreditava que manter objetos dos falecidos os reteria neste mundo. — Minha avó! — suspirei, com a saudade apertando meu peito enquanto seguia em direção à porta. Empurrei a pequena porta branca, que se abriu sob o lamento das dobradiças. Franzi o cenho ao ver minhas expectativas em relação ao local se desmoronando em fragmentos. Era frustrante. A beleza exterior
O corredor dos quartos era repleto de quadros e tapetes vermelhos. Não havia nenhuma réplica de obras famosas; eram apenas quadros com figuras estranhas. Entrei no quarto número quinze, deixei minha bolsa no chão e corri até a cama, jogando-me de costas. Meu corpo afundou e voltou sobre o edredom florido, cobrindo o colchão mais macio que já sentira na vida. Era como estar em uma nuvem. Sorri, observando atentamente os detalhes do quarto. Novamente, uma mudança abrupta na decoração, com tonalidades claras predominantes.Suspirei, com o perfume das flores da sacada impregnando o ambiente. Nesse ponto, Henry estava coberto de razão; o lugar era mágico. Virei de lado e abracei o travesseiro, meus olhos se renderam ao sono profundo…Ao me mexer na cama e abrir os olhos, sentei-me enquanto esfregava os olhos. Pisquei algumas vezes e percebi que tudo ao meu redor estava diferente.— Que brincadeira é essa? Não é neste quarto que eu estava. F
— Serviço de quarto! — uma voz feminina anunciou após dar batidinhas na porta, tirando-me dos meus pensamentos.Levantei com pressa, passando as mãos pelos cabelos e pelos olhos para afastar as ramelas. Odiava ser vista com cara de sono, mas suponho que ninguém goste. Era, sem dúvida, a parte do meu dia em que minha autoestima me abandonava; tinha a impressão constante de que meu rosto inchava mais do que o normal e meus olhos castanhos desapareciam. Enfim, bobagem, algo que muitas mulheres entendem.Girei a maçaneta e abri a porta, forçando um sorriso no rosto, mesmo não sendo muito sociável pelas manhãs. Uma mulher ruiva de olhos verdes e sardas ao redor do nariz me cumprimentou com um sorriso contagiante. Seu entusiasmo era o oposto por completo do meu, e ela conseguiu me deixar sem graça.— Bom dia, eu trouxe seu café. — disse ela, com seu sorriso ainda mais evidente, vestindo um macacão jeans e uma blusinha florida.— Ah, muito obrigada, mas acho que você se eng
As ruas de Acies resplandeciam luz, com o dia ensolarado, algo comum para uma típica tarde de verão. Todas as ruas eram semelhantes e, ao mesmo tempo, me traziam uma sensação de familiaridade, sempre estreitas e pouco habitadas.Caminhei por algum tempo sem um destino certo, afinal não conhecia o lugar e apenas estava vagando sem rumo, justamente com o propósito de me ambientar.Após algumas horas, o sol escaldante insistia em queimar minha nuca enquanto caminhava, e eu não tinha pego um guarda-sol. Nunca costumava usar para me proteger do sol, achava um objeto inútil e odiava carregá-lo, mas naquele momento estava me arrependendo de pensar assim.Parei na calçada, incomodada com o calor e precisando de um pouco de sombra. Busquei com o olhar por alguma árvore ou lugar com sombra onde pudesse descansar. Mas tudo o que avistei foi um caminho estreito entre dois sobrados grandes. Olhei para os dois lados e atravessei rapidamente, buscando abrigo na sombra fresca. Minhas pernas tremiam e
— Que droga! — murmurei, sentindo-me atônita com o salto dele do terceiro andar.Entreolhamo-nos em silêncio, como se estivéssemos em um impasse no meio do beco escuro.Com a respiração acelerada e os sentidos em alerta máximo, reuni coragem para romper o silêncio que se instalara entre nós.Ele era um rapaz alto, de olhos azuis acinzentados e cabelos castanhos, exalando um ar de mistério e sedução. Seu estilo descolado e ao mesmo tempo misterioso me intrigava, e em outra situação, eu poderia ter me sentido completamente atraída por ele.Porém, ali o medo prevaleceu, pois estava diante de algo inacreditável. Ele era exatamente isso; seu pulo não era algo normal. Claro que, naquele momento, não analisei com essa frieza.— Já vai assim? Onde estão seus modos, princesa? Nem vai cumprimentar. Além do mais, se não está com medo, não precisa sair correndo. Sua voz, carregada de sarcasmo, ecoou no beco sombrio, criando uma atmosfera ainda mais enigmática.Engol