Os dias passaram tão rapidamente desde que perdi meu trabalho, mas ainda é difícil acreditar que meu sonho tenha chegado ao fim. Tudo isso devido à má administração e à recusa dos proprietários em modernizar e transformar a revista em formato digital, levando eventualmente à falência, e junto com ela, a destruição dos meus sonhos de infância.
Às vezes, ainda me recordo vividamente de como essa revista marcou minha infância, das vezes em que corria pela enorme sala da vovó ao ouvir o som do correio chegando. Minha avó costumava sentar comigo, e juntas folheávamos as páginas grossas com modelos de todo o mundo. Ela então me contava histórias sobre quando minha mãe trabalhava lá antes de se casar com meu pai, o que me fazia sentir mais próxima deles. Acho que me apeguei a esse sonho para manter viva uma parte da minha mãe junto a mim. Foi o jeito que uma criança de oito anos conseguiu lidar com o luto, e agora o vazio era ainda pior. Esse foi o verdadeiro motivo desse trabalho ter se tornado um sonho, que acabou e me deixou desempregada, além de mais distante deles. Eu desejava uma mudança em minha vida, mas jamais imaginei essa. Nos últimos dias, passei por diversas entrevistas, e a cada uma, minha esperança se dissipava pouco a pouco. Para piorar, meus ex-colegas de trabalho já haviam conseguido emprego; alguns partiram para outros lugares, enquanto eu estava estagnada, sem destino, e sentindo que havia algo errado comigo. Por isso, quando recebi uma ligação para uma entrevista de emprego, senti que era minha última chance na minha área. Depois disso, seria esquecer meus estudos, sonhos e aceitar qualquer coisa que surgisse. Desapegar, eu não estava pronta para isso. Mas quem, em meu lugar, estaria? Levantei cedo e corri para um banho rápido, ansiosa, nervosa, e carregando dentro de mim um turbilhão de emoções comuns nessas ocasiões. Quando saí do meu prédio, fiquei feliz porque, para minha sorte, o trânsito estava tranquilo, algo raro nas manhãs, já que todos estão sempre indo a algum lugar nesse horário: trabalho, escola, academia, e assim por diante. Entrei no meu carro e iniciei meu trajeto tranquilamente. Olhei para o lado esquerdo e um SUV prata me ultrapassou. A luz do sol batia em seu capô, deixando-o mais reluzente, parecendo ter acabado de sair da concessionária. O motorista, um homem alto, jovem, moreno e de óculos, conversava ao celular, aparentemente discutindo algum assunto importante. Desviei meu olhar para a janela do lado esquerdo, onde o vento balançava as folhas das árvores do Grand Park. Algumas pessoas andavam apressadas rumo ao trabalho, enquanto outras corriam para se exercitar em sua rotina matinal, pareciam tão despreocupadas que as invejei. Quando olhei para frente, subitamente um cartaz pousou sobre meu para-brisa, tapando minha visão, e mais uma vez ouvi meu nome ser sussurrado pelo vento: Kaya... Com o susto, pisei no freio bruscamente, fazendo meus pneus cantarem no asfalto. Meu corpo alavancou para frente, o cinto de segurança pressionou fortemente meu ombro e me impediu de bater o rosto no volante. Outra freada se foi ouvida à minha frente e um estrondo horrível que fez meus batimentos tornarem- se mais rápidos, senti minhas mãos trêmulas e frias. Uma confusão se iniciou e pessoas gritavam pedindo por socorro. — Ai meu Deus! Eu bati? Eu bati? Eu bati? — repeti várias vezes. Estava em estado de choque e não conseguia formular mais nada além disso. Puxei o máximo de ar possível pela boca e soltei devagar, tentando manter a calma para conseguir voltar ao normal ou qualquer coisa perto disso. Tirei o cinto com dificuldade, levei a mão em meu ombro dolorido com a pressão anterior. E antes de abrir a porta ouvi uma voz fina e desconhecida gritar — ELE ESTÁ MORTO! Minha boca secou e senti um nó preso na garganta, um aperto doloroso no peito. Ao sair do carro percebi que freei antes de um cruzamento e o carro que antes estava ao meu lado minuto antes encontrava se batido à minha frente, olhei para o semáforo que em frações de segundos se tornou vermelho. Era evidente que estava verde então o motorista ao meu lado não estava totalmente errado. Em um dos carros um rapaz de aparência de uns dezesseis anos com o corpo atravessando o vidro sobre o capô do carro com sua cabeça coberta de sangue, possivelmente ele ultrapassou o vermelho e acertou o rapaz moreno. Meu estômago revirou e minha visão começou a escurecer. Nunca consegui ver sangue sem passar mal. Apoiei no meu carro abaixando a cabeça alguns minutos e foi quando uma mulher de meia idade segurando um guarda-chuva, se aproximou e tocou delicadamente meu ombro. — Você está bem, querida? — Confirmei com a cabeça, ela me deu um sorriso terno. Ela parecia querer conversar, mas naquele momento eu não tinha essa capacidade. Só queria ficar quieta e isolada, tentando digerir tudo, pois sentia minha mente funcionando devagar, com dificuldade para voltar ao normal, meus pensamentos ainda impactados por esse acontecimento. — Deu muita sorte querida, se não parasse estaria morta. — Continuou mesmo eu não dando muita atenção. Porém, foi sua observação que me fez perceber o que tinha acabado de acontecer. Levantei a cabeça lentamente e observei o local, ainda atordoada; uma aglomeração de curiosos havia se formado em volta dos carros. Aquela senhora tinha razão: se eu não tivesse parado, aquele adolescente teria acertado meu carro antes do rapaz. Eu estaria morta. — Infelizmente, é uma fatalidade ver dois jovens nesse estado. Você deve ter reflexos rápidos, e isso a salvou. — Ela insistia, mesmo sem eu querer conversar, e demonstrando isso claramente com meu silêncio. — Eu não parei... — murmurei, quebrando meu silêncio, e olhei para o cartaz grudado em meu para-brisa. — Eu fui parada por isso! — Apontei para aquele papel enorme. Ela abriu os lábios, e seus olhos se arregalaram tanto que seria impossível não perceber o seu espanto. Internamente, eu não estava diferente dela. — Alguém lá em cima gosta de você, querida. Deve aproveitar, como dizem, ganhou uma nova chance. — Ela falou, e eu me calei, perdida mais uma vez em meus pensamentos, o que, por sua vez, a fez desistir e encerrar a conversa. “Era isso mesmo que aconteceu? Tive minha vida salva por um cartaz?” Quem em sã consciência poderia acreditar nisso? Eu não acreditava e meu espanto foi ainda maior quando estiquei o braço e o peguei em mãos. Na parte da frente um anúncio escrito: Venha para Acácias o emprego dos seus sonhos espera por você. Virei na parte de trás buscando qualquer letra minúscula onde indicasse o endereço e foi quando um mapa se desenhou diante dos meus olhos. Eu não fazia ideia de como isso era possível e nem sabia se de fato gostaria de descobrir, porém algo no nome desse lugar me chamava.Dias depois...Existe uma linha tênue na vida, um ponto onde tudo muda, sua história se transforma, e cruzar essa linha nunca é fácil; geralmente implica em rupturas, e era o momento que eu estava vivendo.Por que digo isso? É fácil responder... Eu havia acabado de virar as costas para minha vida para seguir minha intuição, uma sensação que não me abandonava desde que encontrei aquele cartaz. Eu não tinha muito a perder, talvez fosse esse o motivo pelo qual estava no meu Mustang 69 cruzando as estradas do Arizona, deixando para trás minha vida em Albuquerque.Há alguns meses, jamais imaginaria que faria algo assim, pois nada acontecia para mim, mas se aquele cartaz atravessou meu caminho, evitando um acidente, o mínimo que podia fazer era descobrir o que aquele lugar tinha reservado para mim.O mais estranho em toda essa história é que descobri que o mapa atrás do cartaz só era visível aos meus olhos. Ninguém mais o via, e acredite, tentei mostrar e pesqu
— Mas que droga! O que passou pela minha cabeça? — Amaldiçoei naquele momento a infeliz ideia de ter procurado esse lugar.Afinal, o que me levou a buscar trabalho em um local desconhecido, guiada por um mapa que apenas eu consegui visualizar?Hoje, vendo as coisas com clareza, compreendo aqueles que duvidavam da minha sanidade. Todavia, quando se vive em um mundo natural, é impossível acreditar no extraordinário.Mas naquele momento, mesmo amedrontada, reuni a pouca coragem que me restava para tentar fazer algo, mas o quê? Eu podia correr, mas qualquer coisa poderia me alcançar ao virar as costas.Na verdade, dar as costas ao perigo nunca parece ser uma boa opção. Eu havia aprendido isso com meu pai na infância, enquanto acampávamos no verão. — Nunca dê as costas, nunca dê as costas. — murmurei repetidamente para mim mesma, enquanto recuava vagarosamente.A saudade e a tristeza da lembrança do meu pai já falecido me fizeram esquecer por breves segundos onde eu estava e o suposto per
"Henry Wessex, até seu nome é atraente." — foi o que eu pensei quando ele estendeu a mão, e imagino que devam concordar comigo.Segurei a sua mão, e ele deu um aperto para me cumprimentar. Senti uma corrente de energia se estender junto ao meu corpo com o seu toque firme. Seus pares de olhos azuis escuros se fixaram nos meus, e somente a luz da lanterna iluminava nossos rostos.“Eu estou sonhando, não estou? Se for um delírio, por favor, não me internem, e também nem quero que me curem!” — pensei comigo mesma.Estava parecendo uma adolescente boba completamente a mercê da sedução, o simples aperto durou alguns segundos, mas a sensação que eu tinha era de ter parado no tempo com aquilo.— Eu... Prazer, Kaya Hilles! Mas... o que você faz aqui a essa hora? Acredito que tenho direito de fazer a mesma pergunta, não?Agora era minha vez de lançar um olhar de desconfiança na direção dele, guardando um pouco da minha fascinação por aqueles olhos azuis... Mesmo sendo atraente, ele ainda poderi
Desci do carro e segui até a janela de Henry, batendo no vidro do seu Impala 69 preto, era quase um sacrilégio tocar naquela belezinha, meu pai era um amante de carros antigos, logo aprendi a admirar mesmo não entendendo muito, coincidentemente, meu carro e o de Henry eram do mesmo ano.Henry abaixou o vidro e apoiei meus braços na janela sorrindo para ele, que escorou seus braços sobre o volante e me deu um sorriso fino.—Pois bem, Henry... Acho que devo a você um obrigado, foi muito gentil me acompanhar até a... —Virei olhando o nome da placa da pousada.— Essa ainda é uma das melhores pousadas da cidade, apesar dos pesares. Em quesito de conforto nenhuma supera suas acomodações, alguns dizem até que os colchões daqui são mágicos.— Uau! De detetive para um marketeiro de primeira! Eu estou impressionada. — brinquei.O sorriso dele ficou enorme com minha a resposta era como se os anjos aprovassem aquele sorriso, era muito fácil se sentir a vontade ao lado dele.Ele se inclinou em sen
O silêncio reinava naquela rua de tijolos. Alguns candeeiros piscavam suas luzes, enquanto outros nem mesmo se acendiam. Era só eu e o vento frio, acompanhados da minha indignação em relação ao comportamento de Henry. Minha mente girava tentando encontrar uma justificativa para a atitude dele, mas sem sucesso. Respirei fundo e retornei ao meu carro, pegando minha bolsa de viagem de camurça, uma relíquia antiga da minha mãe. Guardar itens da minha família era o que me fazia sentir mais conectada a eles. Havia poucas coisas, pois, ao contrário de mim, minha avó acreditava que manter objetos dos falecidos os reteria neste mundo. — Minha avó! — suspirei, com a saudade apertando meu peito enquanto seguia em direção à porta. Empurrei a pequena porta branca, que se abriu sob o lamento das dobradiças. Franzi o cenho ao ver minhas expectativas em relação ao local se desmoronando em fragmentos. Era frustrante. A beleza exterior
O corredor dos quartos era repleto de quadros e tapetes vermelhos. Não havia nenhuma réplica de obras famosas; eram apenas quadros com figuras estranhas. Entrei no quarto número quinze, deixei minha bolsa no chão e corri até a cama, jogando-me de costas. Meu corpo afundou e voltou sobre o edredom florido, cobrindo o colchão mais macio que já sentira na vida. Era como estar em uma nuvem. Sorri, observando atentamente os detalhes do quarto. Novamente, uma mudança abrupta na decoração, com tonalidades claras predominantes.Suspirei, com o perfume das flores da sacada impregnando o ambiente. Nesse ponto, Henry estava coberto de razão; o lugar era mágico. Virei de lado e abracei o travesseiro, meus olhos se renderam ao sono profundo…Ao me mexer na cama e abrir os olhos, sentei-me enquanto esfregava os olhos. Pisquei algumas vezes e percebi que tudo ao meu redor estava diferente.— Que brincadeira é essa? Não é neste quarto que eu estava. F
— Serviço de quarto! — uma voz feminina anunciou após dar batidinhas na porta, tirando-me dos meus pensamentos.Levantei com pressa, passando as mãos pelos cabelos e pelos olhos para afastar as ramelas. Odiava ser vista com cara de sono, mas suponho que ninguém goste. Era, sem dúvida, a parte do meu dia em que minha autoestima me abandonava; tinha a impressão constante de que meu rosto inchava mais do que o normal e meus olhos castanhos desapareciam. Enfim, bobagem, algo que muitas mulheres entendem.Girei a maçaneta e abri a porta, forçando um sorriso no rosto, mesmo não sendo muito sociável pelas manhãs. Uma mulher ruiva de olhos verdes e sardas ao redor do nariz me cumprimentou com um sorriso contagiante. Seu entusiasmo era o oposto por completo do meu, e ela conseguiu me deixar sem graça.— Bom dia, eu trouxe seu café. — disse ela, com seu sorriso ainda mais evidente, vestindo um macacão jeans e uma blusinha florida.— Ah, muito obrigada, mas acho que você se eng
As ruas de Acies resplandeciam luz, com o dia ensolarado, algo comum para uma típica tarde de verão. Todas as ruas eram semelhantes e, ao mesmo tempo, me traziam uma sensação de familiaridade, sempre estreitas e pouco habitadas.Caminhei por algum tempo sem um destino certo, afinal não conhecia o lugar e apenas estava vagando sem rumo, justamente com o propósito de me ambientar.Após algumas horas, o sol escaldante insistia em queimar minha nuca enquanto caminhava, e eu não tinha pego um guarda-sol. Nunca costumava usar para me proteger do sol, achava um objeto inútil e odiava carregá-lo, mas naquele momento estava me arrependendo de pensar assim.Parei na calçada, incomodada com o calor e precisando de um pouco de sombra. Busquei com o olhar por alguma árvore ou lugar com sombra onde pudesse descansar. Mas tudo o que avistei foi um caminho estreito entre dois sobrados grandes. Olhei para os dois lados e atravessei rapidamente, buscando abrigo na sombra fresca. Minhas pernas tremiam e