Acordo de Honra
Acordo de Honra
Por: QiShuang
01

(Siegfried)

Descarregar o cartucho 9mm parabellum de uma pistola é tão delicioso e relaxante como ter um orgasmo, mas existem algumas coisas antes do grand finale que podem ser consideradas igualmente prazerosas.

O som dos gritos se perde no barulho da tempestade, no estacionamento em plena madrugada, aquele homem sabia que morreria cedo ou tarde. Para o azar dele, eu estava de muito mau-humor. Contorcendo-se, ele gritava enquanto era arrastado pela gola da jaqueta bomber, o taco de beisebol em minha mão arrastava pela neve cristalina deixando um rastro vermelho por todo o local.

Momentos antes eu tinha acertado a cabeça dele com tanta força que ele caiu no chão atordoado, sem dentes, o nariz afundado, uma poça de sangue perto dos pneus de seu carro.

Seu filho da puta! — De dentes bem cerrados, deixo um xingamento escapar por meus lábios ressecados do frio. O suor em minhas costas está congelando, mas o meu sangue ferve e borbulha de ódio.

Os faróis do Bugatti Veyron todo branco estão acesos e apontando na direção que eu sigo, as sombras se formam grandes na parede cinza do estacionamento abandonado de um depósito ao lado de um dos mais luxuosos hotéis da cidade. O galpão que pertence a máfia exibe suas vidraças quebradas pelos vândalos. O som que escapa pelas portas erguidas para cima do veículo é uma de minhas músicas favoritas da banda Celtic Frost.

Jogo o homem sentado contra um monte de neve e me afasto dando dois passos para trás para contemplar os hematomas que causei em sua face, o sangue escorre por seu queixo, manchando a camisa branca. Baixinho, ele chora. Dou risada, limpando o suor da barba loira com a luva.

O que foi, covarde? Não tem voz para falar? — Bato o taco nas botas, tirando a neve, segurando mais firme no cano. Como uma jogada no campo, giro o taco e acerto de novo sua cara. Dou uma gargalhada e uns pulos, feliz, energizado. Esse babaca tem que me pagar. — Achou que ia ser simples, seu desgraçado? — Seguro nos cabelos grisalhos dele, puxando-o para cima, seu olho direito está tão inchado que bloqueia completamente a visão, mas com o outro, ele me encara. Seu inferno. As lágrimas quase congelam nos cantos dos olhos. — Você deveria ter tido mais respeito, seu maldito. Pensa que eu acho divertido estourar seus ossos desse jeito? Nah, tem razão eu acho. — Solto a cabeça dele que pende para frente, sem forças de segurar o próprio pescoço e dou mais uma tacada em sua cabeça, no ouvido, afundando as têmporas. Ele voa do monte de neve para o lado, o sangue espirra para todos os cantos, manchando mais minhas roupas. — Droga, minha gravata! — Afasto-me do homem, percebendo meu sobretudo respingado de vermelho. — Filho da puta, mesmo!

Sieg! — De braços cruzados atrás de mim, minha melhor amiga e guarda pessoal, Ingvi, repreende minhas ações. Por cima do ombro eu olho para a ruiva magra e ágil. Seus cabelos avermelhados desprendem do capuz com pele de urso na parte de dentro. — Ande logo com isso, ou vai se atrasar. — Ela olha seu relógio de pulso e coloca a mão na cintura, jogando o quadril para os lados.

Anda, me dá a sua pistola. — Resmungo soltando o taco prateado para o lado, que leve, mal afunda na neve. Ergo a mão para o lado. — Vai, me dá!

Ingvi dá passos na minha direção, suspirando por entre o barulho do vento e tirando sua pistola das costas. O cheiro de urina surge chamando minha atenção e encaro o maldito.

Mijou, não foi seu puto? — Dou risada, tendo que colocar a mão na barriga por cima das roupas. — Não é a toa que está com medo, mas não pensou nisso na hora que deu em cima da minha noiva, não é?

O homem chora baixinho, eu acho que ele está rezando. É sempre assim, eles sempre pedem misericórdia aos deuses. Ingve coloca a pistola com o silenciador encaixado no cano em cima da minha palma. Fecho os dedos no cabo e municio, encaixando a bala no cano. Com ambos os joelhos quebrados, o homem não consegue se mexer e nem fugir, mesmo assim, apavorado pelo som do engatilhar da bala, ele estica as mãos e tenta escapar para o lado.

Estreito os olhos. Nada me irrita mais que covardes! Dou um chute, forçando-o a me encarar, o uniforme de garçom que ele usa é composto de uma calça preta com listra vermelha e um colete ridículo da mesma cor estão molhados e uma poça amarela de urina está na neve.

P-por favor… Eu tenho filhos! — O homem continua chorando, mas é em vão. O olho cheio de pus e a boca para baixo causam uma desfiguração horrenda na sua face, mas eu ainda não me sinto vingado.

Você me humilhou quando sorriu para ela! — Esbravejo irado. Só de lembrar, eu quero arrancar suas bolas! E eu faria exatamente isso, se o meu prato não estivesse esfriando em cima da mesa.

Me perdoe, me perd—

O garçom não chega a terminar de falar, eu simplesmente atiro contra o meio de seus olhos, explodindo sua cabeça. Uma marca de sangue como duas asas de borboleta pinta a parede, enquanto o sangue escorre da cabeça tombada na neve.

Giro, encarando os olhos azuis frios de Ingvi e entrego a pistola para ela.

Limpe essa merda.

Onde você vai? — Questiona endurecida, nada satisfeita de receber esse serviço, ao mesmo tempo desconfiada.

Para o hotel, o que acha? Dallas está me esperando. — Aviso, caminhando pela neve até os portões de grade, previamente aberto, do estacionamento do galpão.

Você vai querer tirar essas luvas antes de cumprimentá-la. — Ingve cantarola, guardando a arma.

Dou um sorriso em sua direção e passo pelos portões. Os homens se calam e se retesam ao me ver. Cinco soldados de ternos e sobretudos pretos responsáveis por fazer a guarda local. Digamos que se tivessem feito o trabalho deles direito eu não precisaria repreender um maldito garçom por sorrir para o homem errado. Tiro as luvas e jogo para um deles.

Caminho pela calçada molhada e com neve pelos cantos. Alguns poucos passos, menos que um quarteirão, e estou novamente na porta do hotel. Subo pela pequena escadaria branca e os porteiros, de uniforme cinzento, seguram no puxador de aço escovado abrindo a porta dupla de madeira.

Adentro o luxuoso hall de entrada, as mocinhas do balcão param de fofocar sobre suas unhas. O silêncio constrangedor é apenas medo, eles todos me viram socar o garçom e meus soldados o arrastarem para fora do hotel. Acha que eles vão chamar a polícia? Não seriam loucos. Atravesso o hall e adentro o lounge do restaurante, sendo encarado pelo maître com o mesmo olhar arregalado de todos.

Sr. Turgard, que bom que voltou. — O bigodudo tenta fingir um pouco de simpatia, mas eu passo por ele com um revirar de olhos sem paciência e caminho para dentro do salão.

Uma mulher canta com sua voz potente no microfone enquanto um pianista muito habilidoso toca uma melodia chata. Todas as mesas do restaurante estão vazias e as que estão ocupadas é por um grupo de soldados de dentro. Não há outros hóspedes no hotel, fechei todos os quartos. O hotel costumava decorar suas mesas e corredores com samambaias, mas exigi que trocassem por lírios brancos. Também ordenei que arrancassem os carpetes e reformassem a suíte presidencial.

Todos os meus esforços foram apenas para agradá-la, porém quando retorno para a mesa, Dallas está rangendo os dentes, de braços cruzados sobre o vestido marinho.

Por que essa cara, demorei? — Solto um sorriso para tentar amenizar sua carranca. Ela não me responde, encaro nossos pratos, ambos intocados e nitidamente mais frios. Ah, é isso, a cara feia dela é fome. — Podia ter comido, não precisava me esperar.

Tiro o sobretudo, ficando apenas de paletó e atiro a peça contra a cadeira de madeira clara do salão do hotel. Sento-me, ajeitando os cabelos para trás. Costumo raspar as laterais e deixar a frente mais comprida. Pego meu copo de vinho tinto e dou um gole demorado, encarando Dallas, que é uma bela mulher de cabelos castanhos ondulados um pouco abaixo do ombro, de traços finos e olhos quase verdes.

O que foi? Não vai falar nada? — Pego o meu garfo e furo uma batata assada com alecrim, provando a comida. — Coma.

Perdi o apetite quando mandou matar o garçom. — Dallas diz firme.

Uma das coisas que mais gostei nela desde a primeira vez que o vi foi seu timbre de voz único e forte, mas após ouvir sua represália, não sei mais se gosto tanto assim. Que saco. Mastigo a batata, meio fria, engulo rapidamente e deixo a coluna ereta.

Como sabe disso? — Pergunto com um riso nervoso, mas basta olhar para a barra da manga da minha camisa e do paletó, tem sangue. Aposto que a gola também está suja. Talvez o meu rosto. A gravata eu sei que está manchada, mas ela está fazendo um drama tão desnecessário.

Suas roupas estão nojentas, sujas de sangue. — Dallas aponta o óbvio.

É só sangue. — Explico, furando o grande pedaço de cordeiro e cortando com a faca.

Uma coisa que preciso comentar é que com o movimento o cordeiro expele um caldo sangrento e avermelhado no prato e momentos atrás aprendi que Dallas é vegetariana.

De um humano.

Um lixo urbano que ousou sorrir para você e me humilhar em público. — Com o pedaço cortado pendurado no garfo de prata maciça, aperto meus dedos com mais força ao redor do cabo.

Siegfried. — Dallas me chama. Ergo os olhos para ela que se desencostou do encosto da cadeira chegando mais para frente, um pouco por cima do prato de aspargos e purê de abóbora, encarando-me mais de perto. — Só tem nós dois nesse hotel.

Seus pais e suas irmãs. — Eu a lembro de que o hotel não está completamente vazio. Inclusive, os pais dela estavam hospedados aqui até ontem. — Flerte com um maldito garçom de novo e o próximo a derramar sangue na neve será você.

Sinto apenas o líquido gelado contra o meu rosto. Dallas atira o conteúdo de seu copo contra a minha face.

Bárbaro. — Diz, tirando o guardanapo de tecido do colo e atirando contra o seu prato intocado de comida.

Irado, ela sai do restaurante batendo os saltos agulha e alguns homens se levantam para ir com ela e fazer o que eu ordenei: proteger essa filha da puta dos nossos inimigos. Estão vendo como ela é ingrata?

Na porta, Dallas quase se bate contra Ingvi, resfolega e passa por ela com ainda mais pressa. Eu pego o guardanapo ao lado do meu prato e limpo meu rosto. Minha melhor amiga senta-se na minha frente, sem tirar o sobretudo.

Mas que droga, o que foi isso? — Ela passa o dedo no purê de abóbora e prova, fazendo uma cara de quem achou bom.

Ela está ofendido porque eu disse que ela flertou com o garçom. — Explico, atirando o guardanapo para o lado.

Vocês estão se dando muito bem, discutindo como verdadeiros amantes! — Ingvi ri e ergue a mão para outro garçom que se aproxima de nós tremendo, com medo de ser o próximo a morrer. — Eu quero o mesmo que ele está comendo.

S-sim senhora. — O garçom sai rapidamente.

Então, conversaram? — Ingvi pende a cabeça para o lado apoiando na mão, com o cotovelo por cima da mesa.

Só sobre o garçom. — Pego mais uma batata com o garfo e coloco na boca. Suspiro aborrecido e um pouco frustrado, recostando as costas na cadeira. — Primeiro jantar romântico, um desastre.

Ai, não se preocupe, vocês tem uma vida inteira pela frente! — Minha melhor amiga tenta me animar. — O casamento será logo no fim de semana, só tente não matar mais nenhum garçom até lá.

Solto um suspiro. Engolir a batata de repente se torna algo especialmente difícil. Largo os talheres e pego o copo de vinho, dando um grande gole.

Foda-se o casamento.

Sieg, se fizer isso, condenará a permanência da guerra entre as famílias. — Ingvi me repreende.

É verdade, mas se pudesse, eu botaria fogo no casarão que foi alugado para a cerimônia.

Vivo segundo algumas tradições muito antigas da ilha, meus ancestrais eram vikings e desde a época mais remota o noivo paga um dote antes de se casar. Mesmo sendo um casamento arranjado, fiz questão de cumprir todas as regras, comprei até um presente para depois do casamento que pretendo dar durante a lua de mel. Estou sendo o melhor noivo do mundo e acho que Dallas devia estar sorrindo, não fazendo um maldito drama.

Há trinta anos atrás nossas famílias assinaram um acordo de que a guerra pelo território urbano iria cessar. Foi bem antes de eu nascer, inclusive. Nossas mães ganharam bebês logo depois! Não faço qualquer distinção entre homens e mulheres, tá, talvez eu prefira homens que são menos cheios de frescuras… Vamos ser sinceros: somos inimigos. A família dela, os Drake, são nossos inimigos! Mesmo durante a trégua houveram fissuras pelas ruas da cidade, troca de tiros em bares e especialmente, a disputa pelo domínio do porto seguiu-se acirrada.

Essa maldita guerra… — Ralho. — Incinerei os corpos de muitos entes queridos, inclusive o do meu pai, por causa dos Drake! Não vou simplesmente deixar um deles me humilhar flertando com um garçom. Um garçom feio, ainda por cima!

Claro, né, se fosse bonito, onde estaria a humilhação? Você deixa o ciúmes cegar você. Dallas está apenas te manipulando.

Ciúmes? — Estreito os olhos com ira. — Eu não estou com ciúmes!

Se de tudo que eu te falei isso é tudo o que você tem a dizer, eu sinto muito em dizer, meu amigo, mas está sim. — Ingvi me repreende e estica o braço, tirando do arranjo uma das flores de lírio. — Você sabe em que quarto ela está, seja bonzinho.

Faço uma careta de desgosto, mas sabendo que ela tem toda razão. A melhor maneira de vencer essa guerra é com esse casamento. Os Drake eventualmente terão que abaixar a guarda e se eu dominar o gênio de Dallas, conseguirei tudo o que eu quiser.

Serei não apenas um marido, mas uma vingança. Uma vingança contra Dallas e contra os seus pais.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >
capítulo anteriorpróximo capítulo

Capítulos relacionados

Último capítulo