Abro os olhos e estou em uma rua com poucas casas, algumas são bem simples e outras nem ao menos possuem vidros nas janelas. Vou caminhando e paro em frente a uma casa. O quintal é pequeno, a grama está mal cuidada e queimada pelo sol, tem um pequeno quadrado de tijolos pintados de vermelho que é uma caixa de areia, com alguns brinquedos que reconheço. Mais adiante, tem um balanço improvisado em algumas vigas e um escorregador de metal.
Meu coração dispara e abro o pequeno portão, entrando. Ando pelo caminho de grama e olho pela janela, vendo-a. Lágrimas inundam os meus olhos, ela me olha e sorri. Corro até a porta, abrindo-a, e ela está de braços abertos.
Vou até ela e a abraço, choro ali sentindo a dor da saudade crescer ainda mais em meu peito.
— Que saudade, mamãe! — Falo em meio ao choro.
— Também estava com saudade, meu pequeno — ela me afasta e limpa as minhas lágrimas. — Quero que seja forte, que nunca mude o que você é aqui dentro… — ela diz, colocando a palma de sua mão sobre o meu peito. — Você é especial, Kaléo, e nunca se culpe… Eu te amo, filho.
Assim que termina de dizer, me vejo em meio ao furacão que era a minha infância. Mamãe tranca a porta e depois fecha as cortinas da sala, ela se aproxima fazendo sinal de silêncio.
— Ele voltou, mamãe, ele voltou! — Digo com medo.
— Eu sei, filho, vamos ficar quietinhos que ele vai embora. — Ela diz, e as batidas na porta começam.
— Ella, abra essa porta agora! Aqui é a minha casa. — Ele grita do lado de fora, tentando abrir a porta.
— Vem, Léo — ela me pega no colo e abre a portinha que tem no chão. — Filho, fica aqui quietinho, não chora e nem grita, ok? — Faço um sinal positivo com a cabeça, descemos as escadas. — Vamos brincar de esconde-esconde, a mamãe sabe onde você está, mas o Arnold não sabe, então não deixe que ele te ache — ela abre outra portinha e me coloca dentro. — Fique aí e não se mexa.
— Mamãe, ele parece estar bravo com a gente, ele vai brigar com a senhora.
— Não se preocupe, meu amor, a mamãe vai falar com ele e aí ele vai embora de novo.
— Por que ele voltou, mamãe?
— Não sei, meu amor, agora fica aí quietinho, não faça nenhum barulho se não ele vai te achar.
— Tá bom, mamãe. — Falo e ela me olha, se abaixa e me abraça.
— Te amo, vida, mais que tudo nesse mundo e me perdoe por não ter te dado uma vida decente, muito menos ter te feito feliz. — Ela se afasta e está chorando.
— Não chora, mamãe. — Falo passando a mão em seu rosto e ela sorri segurando a minha mão e a beija.
— Fique aí e não se mexa, caso ele venha aqui, você finca isso no olho dele, está me ouvindo, Kaléo! Não o deixe pegar você — ela me arruma no lugar, pega algo e me entrega, é comprido e de ferro. — Se ele te achar, faça o que mandei e depois vá até a casa da Diana, peça para ela chamar a polícia. — Fala e fecha a porta, pelas aberturas posso ver ela jogando algo em cima de onde estou e fico quietinho como ela disse.
Aqui está um pouco escuro e não gosto do escuro, o papai Arnold é mau.
Ele b**e na mamãe e em mim, ele não gosta que eu fique brincando e nem falando quando ele está em casa. Mamãe tinha falado que ele tinha ido embora… Escuto um barulho e olho para cima, escuto ele gritando com ela e vejo quando mamãe cai no chão, cubro minha boca com as minhas mãos para não falar nada e o papai descobrir que estou aqui, ele está b**endo nela…
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Mamãe está deitada no chão, ela não levanta. Escuto quando a porta se abre e o som dele andando, fico quieto. Depois não escuto nada, o vejo perto da mamãe e ele sai. Fico parado ali sentado com o meu coração batendo forte e mamãe não levanta do chão, ela não vem me tirar daqui.
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Não aguento mais ficar aqui dentro, minhas perninhas doem e choro quietinho. Estou com fome, sono e com sede, eu não consegui esperar para ir ao banheiro e mamãe vai ficar triste comigo porque fiz xixi aqui dentro.
Ouço um barulho alto e depois vejo várias pessoas passando, uma toca na mamãe e vejo a Diana chorando, por que ela está chorando? Ouço outro barulho e pego o ferro que a mamãe me deu, fico o segurando.
— Ela deve ter escondido o filho aqui embaixo para que o marido não o achasse. — Escuto a voz da Diana.
— Ana, eu tô aqui. — Falo, mas a minha voz não sai. Então começo a bater com o ferro que a mamãe me deu e o pano é tirado.
Meus olhinhos doem por causa da luz e tem alguns policiais ao lado da Diana, ela abre a porta, me pega no colo chorando e me abraçando. Me coloca sentado em cima de alguma coisa e me olha.
— Você está bem, Léo? Está machucado? — Ela fala me olhando.
— Ana, a mamãe vai brigar porque fiz xixi ali. — Falo apontando e olhando para onde eu estava.
Olho para ela que está chorando.
— Me desculpa, Ana, eu sei que não podia ter feito… — Falo tentando não chorar, porque papai disse que homem não chora.
— Oh, pequeno, não tem problema… — ela fala fazendo um carinho no meu rosto. — Posso dar um banho nele e dar algo para ele comer e beber? — Pergunta ao policial.
— Claro, senhorita — Ele diz e ela me pega no colo me tirando dali, quando vamos passar perto da mamãe ela tapa os meus olhos com a mão.
— Não olha, Léo.
— Por quê? Mas eu quero a mamãe. — Falo chorando.
— Primeiro vai tomar água, comer e aí tomar um banho. — Diz e me leva para a cozinha, me dá água e bebo até minha barriguinha ficar cheia e minha garganta parar de doer.
Ana me dá biscoito e suco, depois me leva para tomar banho e assim que vamos sair da casa, vejo onde mamãe está e tem um pano em cima dela.
— Mamãe, acorda! Ele foi embora, mamãe. — Digo tentando esticar o meu braço até ela para a chamar…
Acordo assustado, olho para todos os lados e a sensação de ter passado por tudo aquilo de novo me faz levantar em um pulo, me sento na cama tentando fazer com que o meu coração se acalme. O sumiço da Ayumi está mexendo comigo, faz anos que não sonho com a morte da minha mãe, e faz muito tempo que essas lembranças não vinham com tanta força assim… eu nem mesmo me lembrava de como era o rosto dela. Mas isso serviu para me lembrar que mais uma vez falhei em proteger alguém que amo.
Alguns Dias Depois…Não consegui ficar me divertindo com o pessoal. O que Carl disse não sai da minha cabeça. Ayumi não iria embora com outra pessoa sem nos falar e muito menos nos trair. Ela não é assim! A conheço como a palma da minha mão! É um absurdo. Tem algo aí e descobrirei. Chego no meu apartamento após mais um dia cansativo na empresa e subo direto para o meu quarto. Preciso de um banho e assim o faço. Depois visto uma calça do conjunto do pijama e desço as escadas indo direto para a cozinha, onde encontro um bilhete da Dona Havah na geladeira.Oi querido! Tem macarrão com queijo na geladeira, salada e filé de peixe grelhado. Coma! Saberei se não comer e descanse. Beijos da mamãe… Te amo!Sorrio para o bilhete, o pego e vou até um grande quadro que tenho no meu escritório aqui em casa, abro a tampa de vidro e o coloco no quadro junto com os outros, fecho o quadro e me lembro de quando essa ideia surgiu. Lembranças…— A nossa mãe enfeita tanto a sua geladeira de bilhetes, qu
— Oi!— Te chamei várias vezes, mas você não respondia.— Me desculpe, é que eu estava me lembrando do dia em que cheguei na casa dela. — Minto, pois essa parte meus amigos não sabem e os únicos são meus pais e irmãos.— Ah! Cara, eu me lembro da minha mãe dizendo que a sua ia acabar indo parar no hospital de tanta ansiedade. — Acabo rindo e conversamos mais um pouco. Depois desligo, pego a foto à frente e fico a olhando, me lembrando do dia em que a Ayumi chegou no orfanato.Lembranças… Anos atrásA neve está começando a cair. Hoje está mais frio e cinzento. Gosto da cor cinza no céu, é tão linda! Sempre que a saudade dela aperta, venho até a janela e fico admirando o começo do anoitecer. As outras crianças maiores sempre encrencam comigo porque gosto de ficar aqui na janela do sótão admirando a rua e observando as pessoas passarem. Tem uma menina que mora aqui que não gosta de mim, ela vive implicando comigo e fujo dela. Foi assim que descobri esse lugar.Gosto de olhar a paisagem,
Maldito e mentiroso! Tento ligar mais uma vez para o número do desgraçado, mas só cai na caixa postal. Deveria ter pedido o novo endereço desse infeliz ao Mayke, isso é, se ele não mentiu para o MK também sobre sua localização. Mas agora ele não tem para onde correr. Disco o número do meu amigo.— Cara, você me ama muito. — Atende brincalhão como sempre, mas o assunto agora é sério.— Ayumi me ligou! — Digo rápido, não dando espaço para mais brincadeiras. Ele fica em silêncio, então continuo: — Ela está com aquele merda, ele mentiu! Você precisa me ajudar ou ele irá matá-la! — Minha respiração está acelerada, meu coração parece que a qualquer momento sairá do meu peito, minhas mãos estão tremendo.— Calma, Kaléo! Fale mais devagar e me conte desde o começo, estou de plantão no departamento há mais de 24 horas, estou meio lento. — Respiro fundo e começo a contar.— Depois que desligamos, resolvi me afundar no trabalho. Mas não consegui e aí você me mandou o e-mail com os dados dele e
Quando olhei para a casa novamente, o fogo já estava apagado e um policial veio em nossa direção, deixando minha boca seca.— Senhor, os bombeiros acharam um corpo carbonizado no meio dos escombros e tudo indica ser de uma mulher. Já chamamos o médico legista. — Olho para Mayke e todo aquele fio de esperança de que ela poderia ter conseguido fugir, se vai.— Obrigado, Filip. Kaléo, é melhor você ir para casa. Pode ficar tranquilo que te ligo assim que arrumarmos toda papelada para o enterro. Vou pedir para o Filip te levar. — Não sei nem o que falar e só sigo o tal de Filip. Entramos no carro e vejo um carro preto com um símbolo de perícia chegar. Eles tiram da parte de trás uma maca, nela há uma espécie de saco preto e seguem para os escombros.Nesse momento, arrependimento é o que me define. Arrependimento de não ter ficado ao seu lado… Tudo o que eu queria era o poder de voltar no tempo e poder vê-la novamente. Minha mente está uma bagunça, meu coração está em pedaços. Sou tirado d
Após contar tudo o que aconteceu, todos ficaram muito tristes. As meninas choraram muito e não aceitam que Ayumi se foi. Jackson está em choque, por conhecer Carl desde pequeno e nos contou que o pai de Carl matou a mãe dele. Ele foi obrigado a ver tudo, e quando o pai de Carl foi preso, a mãe de Jackson o adotou e o criou como se fosse um filho, ele o tinha como um irmão.Depois que todos foram embora, fiquei sozinho com a dor esmagadora em meu peito e a saudade como minha única companhia. ••••••• 🌺🦋🌺 ••••••••Já são 10 horas da manhã e não consegui dormir. Me levanto e vou para o banheiro, preciso de um banho. Tiro minha calça de moletom e a minha camiseta, indo para o box. Abro o chuveiro e não espero a água esquentar, já me enfio debaixo dela. Deixo a água gelada cair em mim para ver se tira essa dor horrível, mas não funciona. Parece que piora e me sinto como se estivesse em uma gaiola preso. Não sei o que me dá e começo a dar socos na parede e no vidro do box, até que ele se
Em seguida, vou até a gaveta e pego o colar que ela me deu quando éramos crianças. Mais uma lembrança vem, como se isso tivesse acontecido ontem e não há quase 17 anos…Lembranças… Faz seis meses que estou morando na casa da Havah e estou indo ver a Ayumi. Assim que avisto a casa, já a vejo no portão com um vestido rodado rosa, com seu longo cabelo castanho solto e com uma tiara de princesa. Quando Jhon para o carro e destrava a porta, já desço e ela abre um lindo sorriso, o que me alegra tanto. Amo os sorrisos dela e aqueles olhos castanhos cristalinos iluminam meu dia. Ayumi vem correndo e me abraça, depois pega minha mão e me leva para dentro. Seguimos até nosso balanço favorito, com ela dizendo: — Que bom que veio me visitar, Léo! Estava com saudade!Sorrio porque ela ainda não consegue falar meu nome direito, mesmo eu tentando ensinar várias vezes a pronúncia com a letra K, ela nunca consegue.— Eu também estava, Ayumi.Ela sorri e sobe no balanço. Faço
A viagem transcorreu em silêncio. Tayson estava de folga e vim dirigindo. Foi muito difícil devido às lágrimas. Assim que cheguei, Mayke já estava à minha espera e entramos. Assinei toda a papelada para liberarem o corpo e meu amigo disse que comprou o caixão, que quando liberarem o corpo poderíamos ir para o cemitério e que todos já estavam lá. Agradeci e, depois de 20 minutos, liberaram o corpo de Yumi. O carro da funerária já estava à nossa espera e, deste modo, seguimos para o cemitério.Mayke está comigo no meu carro e diz: — Aonde irão sepultá-la?— Ela irá para o jazigo da minha família.— Ok. Não consegui falar com a Amora.— Me passe o número dela que ligarei. — Mayke digita no painel o número dela e ligo. Chama e, no terceiro toque, ela atende: — Alô?— Amora?— Sim, é ela! Quem fala?— Kaléo, você se lembra de mim? Eu era do orfanato da sua mãe.— Ah sim! Oi! Kaléo, tudo bem com você? Quanto tempo?— Amora, estou ligando para te falar sobre a Ayumi.— O que ela aprontou de
Ele coloca o boné em cima do caixão e volta para junto dos nossos amigos. Todos recitaram alguns versos que a Ayumi sempre lia. Ela era fã de poemas e versos. Vivia recitando alguns para nós.O reverendo começa o seu discurso e, quando já está acabando, diz: — Ouçam estas palavras sobre nosso grande e imutável Deus. Justo é o Senhor em todos os seus caminhos, e santo em todas as suas obras. Perto está o Senhor de todos os que o invocam, de todos os que o invocam em verdade. Ele cumprirá o desejo dos que o temem, ouvirá o seu clamor, e os salvará. O Senhor guarda a todos os que o amam, mas todos os ímpios serão destruídos. A minha boca falará o louvor do Senhor, e toda a carne louvará o seu santo nome pelos séculos dos séculos e para sempre (Salmos 145:17-21).Assim que ele termina, ele me olha e faz um gesto positivo com a cabeça. Então coloco minha mão no caixão e digo: — “A despedida é um momento de tristeza em que corações se preparam para viver uma saudade.” Sentirei tanta a sua f