AMOR BLINDADO NO MORRO DA FÉ
AMOR BLINDADO NO MORRO DA FÉ
Por: Sandra Lima Autora
1. Alice Ibrahim

Itabirito | Minas Gerais | Brasil

Fevereiro/2023

Na rádio 97.3 FM

"Resista as artimanhas do inimigo e ele fugirá de vós. O tempo da tua liberdade está chegando. Aquieta a tua alma que estou tomando providência e dando ordem aos meus anjos para te libertar desse cárcere que tens vivido por esses longos anos. Eu Sou contigo e quando falo Basta é porque assim será. Mas prevaleça na tua fé e mesmo quando sentires que estás no deserto, e que estás sozinha, não acredite, pois essa já não é a minha voz e sim daquele que já perdeu o direito a salvação e tenta a todo custo fazer o mesmo com os meus escolhidos nessa Terra. Tu és a minha escolhida, então fique em paz, tu és a menina dos meus olhos e a tua coroa ninguém vai conseguir tirar. O tempo da colheita chegou e já estou a caminho para te dar o teu galardão. Mesmo que pareca estar nas trevas, contudo, o brilho do Sol tornará a clarear na tua vida. Somente creia filha minha e assim não perecereis."

O locutor fala: — Que Deus vos abençoe nesta manhã de sexta-feira e esta é a palavra que o Senhor vos envia neste dia.

"Amém!" — penso enquanto terminava de lavar a louça e secava com o pano de prato cheio de furos

"Meu Deus! Obrigada pela palavra que me enviou nesta manhã, eu já não suportava mais toda essa tormenta que venho passando nas mãos do meu pai." — penso deixando escapar uma lágrima, que eu nem sequer sabia que existia, no canto do olho esquerdo

Desde que a minha mãe morreu, meu próprio pai só faz me maltratar, chega todos os dias caindo de bêbado e nem comida dentro de casa quer colocar. Já terminei meus estudos graças à ajuda da minha mãezinha e também da diretora Marta, porque se dependesse dele seria uma completa analfabeta. Me formei com muito sacrifício e hoje sou uma professora do ensino fundamental I. Como eu queria poder trabalhar e exercer a profissão que tanto amo, mas ele não me deixa sair de casa, tranca as portas, janelas e ainda me prende nessa corrente como se eu fosse um animal, me impedindo de pedir socorro.

Nesse sítio em Itabitiro, tão distante do centro de Minas Gerais, cercado por esse matagal é praticamente impossível alguém me ouvir. Não tem nenhuma casa por perto, não passa carros nessa estrada de barro e por mais que eu grite ninguém virá me resgatar. Já tentei fugir, mas na minha única tentativa em que ele deixou a porta aberta consegui chegar só até o portão de ferro enferrujado e quando ele me pegou levei uma surra que me deixou arriada por quase um mês e desde então me prende nessa corrente. Tenho marcas até hoje no meu corpo, pela brutalidade que o meu próprio pai cometeu. Eu não entendo porque ele me odeia tanto e o que fiz de mal nessa vida para merecer tudo isso. Já tentei até o suicídio, mas nem para isso consegui fazer as coisas direito. Pensei que tava tomando veneno de ratos e eram pastilhas para dor de cabeça. Resumindo, ao invés de terminar com esse tormento eu dormi o dia inteiro e quando despertei foi sentindo a cinta do meu pai percorrendo o meu corpo gritando e me xingando de todos os piores nomes possíveis, enquanto me lapiava inteira.

Devo ser muito burra mesmo, por ainda ter algum tipo de sentimento por ele, depois de todo o mal que vem me fazendo. Mas penso muito na minha mãe e em tudo o que ela me ensinou, que devemos respeitar e honrar os nossos pais e assim receberemos as bênçãos de Deus.

Mas confesso que já passaram coisas horríveis na minha cabeça, várias maneiras de acabar com a vida dele e até já cheguei ao ponto de ferver uma chaleira d'água e jogar dentro do ouvido dele enquanto dormia. Mas quando cheguei perto da cama perdi as forças nas mãos e deixei tudo cair no chão.

No dia seguinte ouvi no meu radinho de pilha uma palavra que confortou meu coração e me fez entender o motivo de não ter conseguido fazer aquela bobagem. A mensagem dizia assim:

"Esteve a ponto de cometer uma loucura por não aguentar mais a situação e a prova em que estás. Mas te diz o teu Deus, Filha essa guerra é minha e eu não permitireis que coloques a tua mão. Fui Eu quem fez perderes as tuas forças e não ir avante com teu propósito. A minha vontade sempre prevalecerá em tua vida e mesmo nos dias tenebrosos estarei contigo. Confie em mim e tenha paciência. Estou chegando e levarei boas novas pra tua vida."

É nessa palavra que venho me agarrando dia após dia e tenho certeza que em breve a palavra de Deus será cumprida e suas promessas chegarão na minha vida. Como isso acontecerá eu não sei, mas quando Deus faz uma promessa Ele cumpre e usa até mesmo dos ímpios para abençoar seus filhos. Por isso tenho confiança de que o meu momento vai chegar.

Me chamo Alice Ibrahim, tenho 1,69m de altura, sou morena jambo, tenho cabelos cacheados até altura dos ombros, olhos cor de mel que herdei da minha mãezinha, cintura fina, um quadril proporcional e lábios carnudos. Exatamente hoje completo dezoito anos, e sou a garota mais infeliz de todo esse mundo. Não tenho amigos, os únicos que eu tinha eram o Joel e a Damares, mas assim que terminei o curso normal pouco antes da minha mãe adoecer perdi contato com eles. Pois meu pai conseguiu serviço como caseiro nesse sítio no interior de Minas Gerais, ai saimos do subúrbio do Rio de Janeiro e viemos morar aqui. Logo eu perdi totalmente o contato com meus únicos amigos. Mas tenho os endereços deles gravado na minha memória e seus telefones. Assim que conseguir me livrar desse inferno darei um jeito de entrar em contato com eles e enfim tentar ser uma pessoa normal, apesar das marcas que esse monstro me causou.

Minha mãe poucos meses depois que chegamos aqui em Itabirito começou a ter fortes dores na cabeça, a levamos rapidamente para o hospital municipal e quando soubemos o diagnóstico não acreditamos, ela estava com aneurisma cerebral e pouco tempo depois veio a óbito. Desde então minha vida tem se tornado um verdadeiro inferno. Meu pai e eu nunca fomos muito chegados, mas desde a morte da mamãe tudo se agravou e ele se tornou um verdadeiro monstro.

Eu tenho muita fé, e sei que em algum momento Deus vai me livrar dessa prisão e desse tormento que tenho passado durante todo esse ano. Hoje completa exatamente um ano que minha mãe morreu, sim... Ela faleceu no dia do meu aniversário e por essa razão nunca terei motivos para festejar. Primeiro porque não a tenho ao meu lado, segundo por ser prisioneira do meu próprio pai e terceiro por carregar comigo a marca da dor de ter perdido a única pessoa que sempre me ofereceu amor, carinho e tudo o de melhor nessa vida.

Enxugo as minhas lágrimas e termino de secar toda a pia. Com dificuldade seguro a corrente com uma mão e com a outra pego a vassoura para limpar todo o chão da casa. Estava quase terminando quando ouço um barulho de carro parando perto do sítio. Vou até a janela tentando ver alguma coisa do lado de fora, mas era impossível, tudo o que consigo enxergar eram rostos desfocados por conta dos plásticos que tinham por fora das janelas e as vozes alteradas de algumas pessoas, que pareciam ser homens.

Me arrasto um pouco mais até chegar a porta de ferro que era trancada por fora com correntes e cadeados. Encosto a boca de um copo e meu ouvido no outro lado e consigo ouvir alguma coisa.

— Cadê o filho da puta# do Filafelpio?

— Sei lá PG. Aquele veiote noiado deve tá largado por algum boteco desses da cidade cara. É melhor nós vazar e antes do galo cantar nós volta pra fazer o acerto parça.

— FILHO DA PUTA#! ESSE DESGRAÇADO ACHA QUE SOU BABACA OU O QUÊ? MAS SE ELE NÃO ME CONHECE, HOJE VAI VER O DIABO CARA A CARA!

O primeiro homem grita e esmurra a porta me dando um susto que me faz cair no chão quebrando o copo na hora.

— Ouviu isso? — o outro cara com uma voz quase no mesmo tom fala

— Isso o que porra#? — o homem da voz grossa questiona

— Esse barulho parceiro, parecia que alguma coisa do outro lado quebrou cara. Tem alguém aí dentro de tocaia. — sinto ele se aproximar da porta e me encolho na parede baixando a cabeça com muito medo

A casa é de madeira, tinham frestas, mas eu estava escondida num cantinho muito escuro e eles mesmo que tentassem não conseguiriam me ver. Permaneço em silêncio enquanto um dos homens tenta ver algo por entre as paredes.

— Ficou doido Nocaute? Quem ia tá aí dentro com essa porra toda trancada por fora mermão? Esse filho da puta# tá vadiando# por aí gastando minha grana com pinga. Eu mato esse fodido! — o homem da voz grossa fala nervoso

— Só tem um jeito de descobrir se esse barraco tá vazio ou não.

— Como?

— Colocando essa porta abaixo irmão!

— Então mete tiro logo nessa porra#. — ouço o grito do sujeito que com certeza é o chefe e meu corpo fica completamente trêmulo

"Ai meu Deus do céu! Eu vou morrer! Socorro pai. Me ajuda Senhor!"

"O senhor é meu socorro e refúgio nas horas das aflições. Ainda que eu passe pelo vale da sombra da morte, não temereis porque o Senhor é comigo."

Eu orava, chorava e tremia ao mesmo tempo. Não sabia o que fazer. Se aqueles homens entrassem me encontrariam, me torturariam imaginando que eu sabia o paradeiro do meu pai e ainda me matariam achando que eu estava mentindo...

Continuo na mesma posição com os olhos fechados, a cabeça entre as pernas e minhas mãos para o alto clamando pela misericórdia de Deus. Eu chorava muito e já estava preparada para o pior quando ouço barulho de telefone tocar.

— CARALHO#! O QUE FOI DESSA VEZ PATRÍCIA?

O homem da voz grossa parecia discutir com uma mulher pelo telefone. Ele estava nervoso e eu já desesperada só imaginando o pior. Eu me via perfurada de cima a baixo, meu corpo cheio de balas e sendo esquartejada jogada nesse matagal.

"Ai meu Deus! Esse fim não meu pai, eu te suplico."

Continuo choramingando baixinho quando ouço o outro cara falar:

— O que tu vai fazer PG?

— Por enquanto nada Nocaute. Bora fica suave até a nossa hora chegar e nós volta aqui pra cobrar o que nos pertence. Esse filho da puta# me fez sair da minha paz pra fazer essa cobrança nesse fim de mundo e de um jeito ou de outro ele vai pagar. Nunca levei prejuízo e não vai ser hoje que vou ter. Agora vamo embora que a sequelada da Patricia já aprontou das dela lá na situação.  — um dos caras falava com uma voz grossa que me deixou com calafrios até na alma

Pouco a pouco as vozes vão sumindo e em fração de segundos ouço barulho de carro sendo ligado e o silêncio voltou a tomar conta do lugar.

"Graças a essa Patrícia eu não vou morrer no dia do meu aniversário. Vou orar por ela todos os dias. — Eu sorria e chorava ao mesmo tempo de tanto nervoso"

Começo a catar os estilhaços do copo no chão e fico parada quando me lembro que:

"Eles vão voltar e matar o meu pai. E eu com certeza vou junto no pacote."

"Ai meu Deus!"

Sei que pareço uma idiota# e deveria estar feliz se isso acontecesse. Mas ele é o meu pai e mesmo sendo um demônio não quero que ele morra. Querendo ou não é a única família que tenho.

Mas o que será que ele deve para esses sujeitos sairem do lugar deles e vir até aqui nesse fim de mundo? Será que ele se meteu com drogas? Não! Isso não! Ele não seria tão imbecil# a ponto de fazer uma besteira dessas. Ou seria?

Ai meu pai, estou toda trêmula e nem sei mais o que pensar. Só espero que esses sujeitos não voltem e que nada de ruim aconteça ao meu pai. Ele é um miserável, mas continua sendo o meu pai e se ele morresse eu sei que ficaria livre desse inferno, mas não teria mais ninguém nesse mundo.

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