São Paulo, 2014
Cachoeira do saltão, Brotas
Victor Hugo
A água fresca banhava nossos pés conforme caia da enorme queda d´água para a pequena lagoa que se formava ao redor da cachoeira, nos dando uma sensação extremamente boa. O lugar estava vazio, provavelmente por ser um meio de tarde de uma terça feira, durante as sextas e finais de semana o lugar lotava pelas pessoas que aproveitavam suas folgas do serviço, coisa que eu deveria fazer também, mas definitivamente valeria a pena aguentar cada reclamação do meu pai por ter faltado um dia de estágio em sua empresa para levar como dizia ele, minha namoradinha mimada, para passear.
Meu pai claramente não era fã e muito menos apoiava nosso namoro, essa negação vinha desde o início quando nos conhecemos ainda no final do ensino médio. Na época a garota de família humilde havia se mudado a pouco tempo para São Paulo após perder os pais e ter a guarda dada a uma tia materna, acabou conseguindo uma bolsa para concluir o ensino médio no colégio em que eu estudava, foi literalmente instantânea nossa amizade desde o primeiro dia que a vi chegando com os sapatos gastos e uniformes comprados de segunda mão, mas nada daquilo que importava, com o passar dos dias nos tornamos amigos mais próximos e consequentemente namorados pouco tempo depois, para o total desgosto do meu pai que não queria seu único filho envolvido com pessoas daquele tipo, que iriam colocar minha vida na ruína uma hora ou outra, segundo suas próprias falas que sempre insistia em repetir.
O sorriso lindo que brotava nos lábios femininos pagaria toda a dor de cabeça depois. Pensei enquanto olhava a menina animada dentro da água, mergulhando dezenas de vezes seguidas e gargalhando quando aparecia novamente na superfície.
- Espere mais um pouco para mergulhar de novo, já está muito ofegante. - A puxo pela cintura e suas pernas se enroscam em mim, me sinto perdido a cada vez que olho para o rosto bonito e expressivo que minha namorada tem, era como se a cada vez que eu olhasse estivesse ainda mais bonita. - Já se sente melhor? - Pergunto tentando ser o máximo de delicado possível ao retornar para o assunto que havia a deixado devastada.
- Uhum. - É apenas o que diz em um resmungo e não é o bastante para me convencer.
- Pode me dizer o que aconteceu, amor? Estou preocupado com você, de como tem agido nos últimos dias. - Me sentia cada vez mais incapaz de ajudá-la com todos seus problemas, ainda mais depois dos últimos ocorridos.
Cecília era uma menina linda e alegre, exalava amor por onde passava deixando quase impossível alguém não gostar dela, porém vinha cada vez mais calada e quieta, sem querer conversar e muito menos quando tocava no assunto e queria saber o que estava acontecendo, mas ela sempre impossibilitava correndo da conversa, tentando desviar ou fingindo que era apenas uma fase boba que estava passando. Era notório o quão estava afetada, o corpo pequeno chegava a exibir os ossos de tão magra que estava, as bolsas arroxeadas debaixo dos olhos mostravam que não dormia há um bom tempo e isso estava me matando por dentro.
Havia planejado fazer uma semana diferente com ela, levando-a em parques de diversão, restaurantes, cinema, saindo correndo da empresa para dar tempo de esperá-la na saída do seu curso de fotografia, montando uma programação para que tentasse distrair aquela cabeça que parecia não parar de pensar por um só segundo, porém não estava adiantando nada e eu já estava ficando sem opções.
A garota era fascinada em água e amava nadar, foi lembrando disso quando decidi largar tudo e pegar a estrada rumo a cachoeira.
- Preciso mijar. - Decreto escutando sua risada quando a solto e os respingos de água atingem meu rosto quando seus pés batem nela, nadando para o outro lado. - Vou caçar alguma moita mais escondida.
- Não tem ninguém aqui, amor.
- Vai que alguém resolve aparecer e me pega em uma cena dessa. - Dramatizo e ela ri.
- A água está uma delícia, não quero sair daqui tão cedo. -
- Vou caçar um lugar para mijar sem ter perigo de alguém ver e na volta monto nosso piquenique. - Aviso e ela ri, deixo um selinho em sua boca antes de sair água e ir rumo a caça de um lugar que pudesse me aliviar em paz.
Caminho um pouco para a lateral da trilha onde descemos e me sinto aliviado quando volto, acabo demorando um pouco mais do que esperava quando vejo uma pequena plantação com flores pequenas e delicadas, no tom mais claro do amarelo, a cor preferida de Cecília. Caminho até lá e arranco algumas fazendo um montinho de pequenas florzinhas e amarrando a base com um mato fino, deixando-a unidas em um quase mini buquê. Era impossível não rir daquilo, eu parecia um bobo apaixonado e que faria de tudo para agradar a namorada, e isso não era uma mentira, eu me sentia assim desde o dia em que a conheci.
Poucos minutos depois estou de volta e tento me equilibrar para que não acabe escorrendo nas pedras enquanto alcanço a mochila que havia trazido e estava escorada no tronco de uma árvore, alcanço o pano grande e colorido dentro dela e o estico no chão, prendendo as laterais com pedras e deixo as flores em cima para conseguir pegar todas as frutas, sanduíches naturais, suco e chocolate que trouxe, dispondo todos os alimentos na toalha e me viro para a cachoeira, vendo a água que dessa vez parece descer em camadas ainda mais grossas e violentas.
- Amor. - Chamo quando não a vejo no lugar que estava, a água do lugar agora parece quieta, não agitada pelos pés pequenos da menina que batiam nela enquanto dava braçadas nadando. - Cecília. - Grito e não escuto mais nada ao não ser o som da água que desce corrente da cachoeira e dos pássaros que piam alto quando passam em grupos, provavelmente procurando abrigo por já estar perto do sol terminar de ir embora e a noite cair. - Isso não é engraçado, Cecília. - Bufo quando vejo sua mão em cima de uma pedra, na lateral da pequena caverna que formava próximo da cachoeira. - Já relaxou muito, vem comer um pouco agora. - Reclamo quando ela não se mexe, as pedras tampavam minha visão do seu rosto e corpo, só conseguia ver uma das mãos que se apoiava em cima de uma delas e parte da coxa, porém ambos desaparecem da minha visão afundando na água, coisa que me faz correr até lá e puxá-la rapidamente me deparando com o rosto totalmente desfigurado e coberto de sangue.
Oito anos depois...Esther MendonçaTermino de calçar o meu par de sandálias e antes de sair do quarto me vejo na obrigação de agarrar o canivete que sempre ficava na segunda gaveta de minha penteadeira, eu o seguro e repito o meu hábito diário, o enfiando naquelas fotos que ficavam na parede do meu quarto. As fotos do homem que eu mais odiava no mundo já possuiam diversos furos, todos frutos do canivete que eu sempre usava para rasgá-las e relembrar a mim mesma que eu tinha que odiá-lo para sempre pelo o que ele fez com a minha irmã, pelo que fez comigo.Procuro deixar toda a minha raiva dentro daquele quarto quando saio dele e me deparo com a tia Luiza na cozinha, colocando a mesa de café da manhã. Deposito um beijo em seu rosto e me sento em uma das cadeiras.- Nadja ligou enquanto você estava no banho, disse que tinha algo que você ia gostar.- Ela avisa enquanto deposita uma jarra de suco de laranja em cima da mesa- Ela não disse o que era?- Pergunto enquanto arranco um pedaço de
São Paulo, Dias atuaisVictor HugoPareço estar inerte no meio de todo barulho que a sala de reunião tem, o lugar parece insuportável para os meus ouvidos devido todo os burburinhos que os sócios presentes ali fazem enquanto discutem sobre os novos projetos da empresa, fora o som de pastas abrindo, folhas sendo passadas, risadas altas.Me levanto em um movimento rápido e apoio as mãos na enorme mesa em minha frente, projetada exclusivamente para aquela sala, onde abrigava mais de vinte cadeiras. O silêncio toma a sala barulhenta quando o barulho do aparelho celular colide contra a parede e cai no chão despedaçado, agora todos tem a atenção focada em mim, chocados com minha reação.- Você está se sentindo bem? - Sinto uma mão ser colocada em minhas costas e me viro vendo Diego, que me olhava preocupado. - Victor? - Chama novamente e pareço acordar do meu pequeno desvaneio.- Eu preciso respirar um pouco longe daqui. - Deixo todas as minhas coisas em cima da mesa e saio apressado, escut
Esther MendonçaTento me equilibrar nos saltos finos enquanto observo todos parados na calçada ao meu lado se apressarem em atravessar a avenida movimentada quando o semáforo se fecha, indicando que finalmente poríamos passar sem correr o risco se sermos atropelados.Aperto minha bolsa firmemente contra o corpo quando paro de frente ao enorme prédio que ficava em um ponto estratégico da Avenida Paulista, de longe já se podia avistar a enorme estrutura do lugar com os letreiros que exibiam o sobrenome Ferraz acompanhados de alguns grãos de café estrategicamente colocados, apenas a fachada ostentosa do local já mostrava o quanto de dinheiro e renome os donos tinham.- Vamos lá, você esperou todo esse tempo por isso e não pode vacilar agora. - Digo para mim mesma quando sinto meu estômago revirar e minhas mãos soarem. Caminho lentamente até estar na recepção do lugar e observo o grande letreiro acima dos móveis planejados luxuosos que compunham o lugar.- Seja bem vinda a Café Ferraz. -
Victor HugoO barulho do pi pi pi que insistia em se repetir no relógio que tocava ao meu lado já estava me irritando quando bati a mão nele ainda sonolento.- Mas já? - Alissa resmunga baixinho ao meu lado com a voz ainda sonolenta. - Vamos dormir só mais cinco minutinhos, amor. - Propõe levando a mão até meu peito e fazendo um carinho ali ainda de olhos fechados.Estou pensamento seriamente em concordar com sua proposta e me render novamente ao sono quando escuto não o despertador tocas dessa vez, mas sim meu celular.- Bom dia, Sr Victor Hugo. - A voz conhecida soa e é de Eva, a velha e fiel secretária pessoal do meu pai.- O que você quer me ligando nessa hora da manhã? - Acabo sendo grosso, tudo que envolvia meu pai me desanimava de uma maneira extrema e me irritava de certa forma, ainda mais se isso fosse em plena seis da manhã.- Agradeço por me atender com tão bom humor de sempre. - A forma irônica que fala me faz revirar os olhos. - Seu pai mandou que eu o ligasse e pedisse q
Esther MendonçaQuando percebi quem estava em minha frente, fiquei simplesmente paralisada. Apesar do meu objetivo o tempo todo ter sido encontrá-lo, vê-lo agora diante de mim era completamente diferente. Ele também permanecia em silêncio me encarando, ainda sem entender o que tinha acontecido. Quando notei as suas mãos em minha cintura me segurando, o pânico tomou conta de mim.- Tire suas mãos de mim.- Ordenei, a ideia de pensar naquele homem me tocando sabendo que essas mesmas mãos foram usadas para matar a minha irmã me enlouquecia. Ele me olhou confuso, sem entender a minha reação e eu me apressei para me livrar do seu aperto, agarrando suas mãos e as afastando de meu corpo com brutalidade.- Olha só o que você fez.- Reclamei me ajoelhando e começando a juntar tudo o que tinha caído no chão quando nos esbarramos- O que eu fiz?- Ele riu com escárnio, desacreditado - Você entra como uma louca na sala, eu te seguro pra você não cair no chão e eu que sou o culpado?-- Eu não pedi a
Victor Hugo - Esther disse que os senhores adoraram as comidas enviadas por mim ontem, eu realmente fico muito feliz por isso. Eu mesma fiz questão de selecionar uma por uma. - Ana comenta de forma entusiasmada e não consigo segurar meu olhar que para automáticamente na mulher que se vira nesse mesmo momento com uma xícara de café nas mãos.- Ah, ela disse isso? - Continuo com meus olhos focados na mulher que demonstra tamanho nervosismo pelas mãos que tremem fazendo com que um baixo tintilhar da xícara no pires soe, e parece só piorar quando sorrio ironicamente. - Esther, não é? - Ela apenas assente com um movimento de cabeça, sem sequer pronunciar uma única palavra. - Fico feliz que tenha dado nosso feedback para a Ana, realmente estava tudo ótimo. - Volto a desdenhar, mas Ana não parece perceber pois quando volto minha atenção para ela o seu sorriso convencido continua do mesmo jeito. - Meu café, por favor. - Aponto para a xícara nas mãos da mulher que parece estática no lugar.-
Esther MendonçaEu entrei em uma éspecie de transe quando vi a foto de Cecília ali, ele tinha uma foto dela no seu escritório. Eu não sabia se chorava ou se matava aquele cretino, ele não tinha esse direito. Como é que ele podia ter uma foto dela? O seu próprio assassino.- Cecília.- Deixo escapar o seu nome e sinto as lágrimas molharem as minhas bochechas- O que disse?- Ele pergunta e só então me dou conta do que eu tinha feito, do que tinha falado. Me viro para ele e o vejo com os olhos arregalados - Repete o que você falou.-- E-eu não disse nada.-- Você disse Cecília.-- Não.-- Você...- ele está prestes a falar mas eu não dou chance que termineSaio disparada de seu escritório, se eu ficasse ali mais um minuto eu acabaria estragando tudo. Victor Hugo não podia saber que eu era irmã de Cecília, isso acabaria com qualquer chance que eu ainda tinha de me vigar dele, sem contar que ele podia muito bem me dar o mesmo fim que deu a Cecília. Ele saberia que me ter aqui representaria
Victor HugoA reunião que novamente acontecia em minha presença parecia não fazer o mínimo sentido, não quando minha cabeça insistia em retornar seguidas e seguidas vezes a cena do qual a mulher paralisada, quase que em choque sussurrava o nome da minha falecida namorada.Tentei ao decorrer do restante do dia não apenas uma, mas várias vezes conversar com ela, esclarecer o porquê daquela reação e ainda mais, o porquê dela saber o nome de Cecília.- Vamos lá, agora vou apresentar para os senhores um projeto que poderíamos encaixar na rede de cafeterias. - Lilianne chama nossa atenção quando se levanta e pega um pequeno controle acionando uma tela que desce e reflete algumas imagens do seu projeto.O novo projeto consistia em uma rede de cafeteria que íriamos lançar nos próximos meses, as cafeterias teriam uma sede distribuída por todo o país, onde já havíamos conseguido vários sócios interessados, então agora nosso trabalho era apenas fazer acontecer, já que a aprovação já havia sido f