Quatro

Victor Hugo

O barulho do pi pi pi que insistia em se repetir no relógio que tocava ao meu lado já estava me irritando quando bati a mão nele ainda sonolento.

- Mas já? - Alissa resmunga baixinho ao meu lado com a voz ainda sonolenta. - Vamos dormir só mais cinco minutinhos, amor. - Propõe levando a mão até meu peito e fazendo um carinho ali ainda de olhos fechados.

Estou pensamento seriamente em concordar com sua proposta e me render novamente ao sono quando escuto não o despertador tocas dessa vez, mas sim meu celular.

- Bom dia, Sr Victor Hugo. - A voz conhecida soa e é de Eva, a velha e fiel secretária pessoal do meu pai.

- O que você quer me ligando nessa hora da manhã? - Acabo sendo grosso, tudo que envolvia meu pai me desanimava de uma maneira extrema e me irritava de certa forma, ainda mais se isso fosse em plena seis da manhã.

- Agradeço por me atender com tão bom humor de sempre. - A forma irônica que fala me faz revirar os olhos. - Seu pai mandou que eu o ligasse e pedisse que viesse para a fazenda o mais rápido possível. - Avisa e solto uma risada incrédula.

Henrico Ferraz após receber seu diagnóstico de esclerose múltipla há cerca de três anos atrás resolveu se abster de seu trabalho, passando assim o cargo de presidente da empresa para mim, e ir morar de forma fixa em uma de nossas fazendas localizadas no interior de São Paulo. O homem havia se sentido extremamente envergonhado dos outros saberem da doença degenerativa que estava enfrentando e por isso resolveu ficar o mais longe possível da capital.

Era óbvio que com todo o dinheiro que nossa família tinha ele seguia um tratamento de qualidade altíssima e tinha a disposição de médicos de alto renome exclusivamente para ele, coisa que muitas outras pessoas que sofriam da mesma doença infelizmente não tinham. Mas como não havia cura e mesmo com o tratamento ele vinha sofrendo com os todos os sintomas.

- Não posso pegar a estrada e simplesmente ir para a fazenda em plena terça feira, Eva. - Nego e escuto sua respiração longa pelo celular, a mulher era quase que amarga no mesmo nível que seu chefe.

- É assunto sério, Victor Hugo, eu não o chamaria caso fosse o contrário. - Ela diz e bufo tratando logo de encerrar a ligação e ir tomar um banho.

O sol que entrava pela janela estava forte em pleno meio da manhã enquanto eu dirigia na estrada longa e que parecia nunca chegar ao meu destino final. Cerca de três horas depois finalmente vejo a enorme e moderna porteira com o sobrenome da minha família.

- Bom dia, menino. - Inácio me cumprimenta enquanto tira seu chapéu e apoia a inchada que carregava no chão. - Que surpresa te ver por aqui.

- Como vai, Inácio? - Estendo a mão e ele me olha sem graça.

- Estou todo sujo. - Mostra a palma das mãos sujas de terra e nego com a cabeça agarrando sua mão.

- Largue de coisa, homem. - Reclamo brincalhão e ele sorri. Passo alguns minutos ainda conversando com ele que faz questão de contar sobre todas as novidades de plantio da fazenda e de sua família, coisa que agradeço pois definitivamente não queria entrar no casarão tão cedo, mas infelizmente logo sou obrigado quando Eva aparece na escadaria e acena para mim.

Assim que entro no casarão vejo toda a movimentação dos diversos empregados que meu pai fazia questão de ter, a correria de um lado para o outro indica que o velho logo apareceria, tal coisa que não demora quando vejo a imagem do meu pai chegando, mas não da forma que costumava ver, o homem agora com a aparência mais abatida ainda da última vez que tinha o visto estava sentado em uma cadeira de rodas.

A cena me impacta de certa forma que sequer consigo pronunciar uma só palavra enquanto vejo a sua cadeira ser trazida para perto de onde eu e Eva estávamos parados com a ajuda de um homem vestido todo de trajes brancos.

- Não me olhe dessa maneira. - A voz imponente mesmo que fraca despeja acidez como sempre.

- De que maneira? - As palavras saem de forma automática de minha boca, até mesmo pelo fato de que ainda me encontro em choque.

- Com pena, eu não preciso dela, porra. - Vocifera e Eva caminha e para ao seu lado colocando a mão em seu ombro, como se pedisse a calma do homem com aquele único gesto.

- O que aconteceu? - Pergunto e o velho abre uma enorme carranca em seu rosto, como se aquela pergunta o ofendesse.

- Vamos para o escritório, precisamos resolver algumas pendências. - Ele diz e faz um gesto para o homem que continua empurrando sua cadeira para a direção do escritório e olho para Eva que apenas dá de ombros. O sigo até que entramos ele logo trata de pedir para que ficássemos sozinhos. - Recebi uma boa proposta de um empresário que é dono de vastas plantações de café no Paraná, mandei que uma de nossas equipes verificassem os prós e contras um possível investimento nossos e preciso que veja essas planilhas. - Pega uma pasta com capa de couro marrom que estava em cima da mesa em sua frente e faz certo esforço quando me estende. - Verifique e veja se concorda já que é o dono das empresas.

- Eu não sou o dono de empresa nenhuma. - Me levanto ainda segurando a pasta na mão.

- Você é meu único herdeiro, então é sim dono de todo nosso império, espero que comece a aceitar isso de uma vez por todas. - Afirma. - É só isso. - De alguma forma que não entendo o homem que estava na função de empurrar sua cadeira entra no escritório e o leva dali sem nenhum tipo de despedida. Assim era meu pai desde sempre, saudável ou não sempre agindo do mesmo jeito.

Passo alguns minutos ainda dentro do seu escritório vendo as planilhas que montaram e que definitivamente não eram poucas, analiso cada uma por cima e deixando para realmente entender de tudo o que se tratava afundo outra hora. Já do lado de fora estou prestes a entrar no meu carro quando vejo Eva que se aproxima, a senhora segura algumas folhas em sua mão.

- Preciso falar com você sem que seu pai veja. - Avisa assim que para perto e me encosto na porta do meu carro fazendo um sinal para que prossiga. - Como pôde ver ele agora precisa fazer o uso de cadeira de rodas e agora acabamos precisamos de mais um enfermeiro particular. - Assinto. - Nos últimos meses ele acabou perdendo ainda mais a força da musculatura e isso afetou seus movimentos inferiores fazendo com que ele precisasse da cadeira para se movimentar em questão de poucos dias, ele já não tem mais forças nas pernas e os médicos alertaram que provavelmente os movimentos superiores logo serão enfraquecidos também, é o que os médicos e os últimos exames mostram. - Vejo o momento em que ela engole em seco e ergue as folhas que carregava. - Seu pai está aos poucos se acabando em vida, Victor. - Ouvir aquelas palavras de certa forma me acertam em cheio. - Você devia tentar o visitar mais vezes, tentar passar mais tempo com ele. - Aconselha e sorrio sem vontade.

- É o que eu tenho tentado fazer nos últimos anos, Eva. - Digo antes de lhe dar as costas e entrar no meu carro dando partida e saindo o mais rápido dali.

Enquanto dirigia as lembranças insistiam em vir em minha cabeça, as lembranças do quanto eu estava tentando de certa forma ser um apoio para meu pai depois da descoberta da sua doença.

- Eu não preciso da sua pena, porra. - O homem berrava enquanto jogava suas roupas de qualquer jeito dentro das malas espalhadas no chão do closet. - Eu não preciso da sua ajuda, eu não preciso de merda nenhuma, entendeu? - Continuou seu ataque de fúria.

- Eu só falei que pesquisei alguns médicos especialistas, pai. - Mantenho minha voz baixa.

O homem gritava desde o momento em que havia chegado de sua última consulta e finalmente tinha recebido o diagnóstico dos vários exames feitos nos últimos dias.

- Só quero te ajudar, pai. - Digo por fim antes de me desencostar da porta e me virar para sair do cômodo.

- Nunca precisei da sua ajuda, nunca sequer cheguei a precisar mesmo de você. - Suas palavras me cortam. - Não consegue nem ajudar a si mesmo e quer me ajudar. - Ri debochado terminando de fechar uma das malas.

Balanço a cabeça na tentativa falha de recompor o mínimo de consciência possível e só então me dou conta de que já estou de frente a empresa parado ainda dentro do carro, olhando de forma fixa para a fachada do lugar e quase dou um pulo do banco quando escuto os toques sendo dados no vidro do carro, me viro e dou de cara com Diego que me olha confuso.

- Aconteceu alguma coisa, cara? Os seguranças me alertaram que seu carro já estava parado aqui há quase quarenta minutos, deixei a reunião que ia começar agora e desci correndo. - Diego diz parecendo me analisar por inteiro quando baixo o vidro, como se procurasse algo de errado. - Victor?

- Ah, me desculpa. - Balanço a cabeça negativamente o vendo se afastar quando abro a porta e saio do carro, parecendo finalmente voltar a respirar normal. - Não aconteceu nada, na verdade nem sei como cheguei aqui. - Nego olhando o carro novamente e me perguntando como dirigi por horas seguidas na estrada e ainda parecia estar dentro uma bolha, uma m*****a bolha de lembranças e coisas ruins. - Pode voltar pra sua reunião, cara. - Bato em suas costas. - Daqui a pouco subo. - Aviso e ele assente mesmo que ainda desconfiado.

Passo ainda um bom tempo do lado de fora buscando recompor toda a bagunça em que meus pensamentos se encontram e finalmente criando coragem para entrar na empresa sendo cumprimentado por todos que via pela frente e devolvendo com educação.

- Boa tarde! - Cumprimento todas as pessoas que já estão dentro de uma de nossas salas de reuniões e me direciono para minha cadeira, tentando ao máximo prestar atenção em tudo o que é falado no decorrer da reunião, mas ainda pareço totalmente disperso pelos pensamentos que insistem em me atormentar. Era sempre quando eu passava o mínimo de tempo perto do meu pai, ficava insano de tal maneira que parecia acabar com o resto de todo meu dia e semana.

- O que o senhor acha, Sr Ferraz? - Direciono meus olhos para a mulher que cita meu nome.

- O que? - Pergunto totalmente perdido. - Me desculpa, realmente não estava prestando atenção. - Limpo a garganta e ela assente sorrindo amigável e voltando a apresentar seu projeto desde o início.

Ela era uma das mais novas arquitetas contratadas e já havia montado toda uma estrutura de projeto para a empresa que pretendíamos construir e inaugurar o mais rápido possível em uma cidade vizinha, a ampliação dos nossos negócios estava cada vez mais forte.

- Perfeito. - Acompanho as palmas que todos soltam quando a mulher termina sua apresentação e ela sorri timidamente. - Por mim já está mais que aprovado, só preciso que invista mais em área externa. - Digo e ela assente prometendo que irá focar nesse detalhe antes da entrega do projeto final.

Me despeço de todos e vejo quando Diego consegue sair dos outros empresários que haviam o cercado para falarem da partida de futebol que iria acontecer mais tarde e caminha até perto de mim que estou quase alcançando a maçaneta da porta.

- Não vai jogar mais tarde? - Pergunta animado e nego.

- Hoje não estou com muito ânimo, sinto muito por perder o melhor jogador do time. - Zombo e ele ri.

Volto minha atenção para a porta e no momento em que a giro ela se abre e um corpo que carregava várias caixas se tromba com o meu, o impacto faz com que as caixas caiam para todo o lado e espalhem o conteúdo que carregava em todos os cantos, enquanto o corpo pequeno não foi levado ao chão pela minha mão que circula fortemente a cintura fina evitando a queda.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo