Dois

São Paulo, Dias atuais

Victor Hugo

Pareço estar inerte no meio de todo barulho que a sala de reunião tem, o lugar parece insuportável para os meus ouvidos devido todo os burburinhos que os sócios presentes ali fazem enquanto discutem sobre os novos projetos da empresa, fora o som de pastas abrindo, folhas sendo passadas, risadas altas.

Me levanto em um movimento rápido e apoio as mãos na enorme mesa em minha frente, projetada exclusivamente para aquela sala, onde abrigava mais de vinte cadeiras. O silêncio toma a sala barulhenta quando o barulho do aparelho celular colide contra a parede e cai no chão despedaçado, agora todos tem a atenção focada em mim, chocados com minha reação.

- Você está se sentindo bem? - Sinto uma mão ser colocada em minhas costas e me viro vendo Diego, que me olhava preocupado. - Victor? - Chama novamente e pareço acordar do meu pequeno desvaneio.

- Eu preciso respirar um pouco longe daqui. - Deixo todas as minhas coisas em cima da mesa e saio apressado, escutando os passos de Diego vindo logo atrás de mim.

Aperto o botão insistentemente do elevador que parece demorar muito tempo até chegue e eu entro, voltando a quase afundar o maldito botão que indicava o andar da minha sala. Quando o barulho irritante de parada soa e as portas se abrem saio apressado, e entro na sala empurrando a porta que é segurada por Diego que entra.

- Qual o problema, cara? - Passa rapidamente em minha frente se virando para mim, apoiando as mãos em meus ombros. - É por causa da m*****a reportagem, não é? - Ele sabia que sim, mas mesmo assim assinto. - São uns idiotas de relembrarem aquilo, podemos entrar como uma ação contra eles por terem mencionado seu nome vinculado com a tragédia.

No início da semana um dos maiores jornais da capital havia postado uma reportagem de lugares turísticos, sendo uma parte dela apenas de cachoeiras, relembrando da que fizeram questão de citarem no trecho a morte da jovem que havia ocorrido há mais de oito anos. Essa jovem sendo minha namorada, me tendo como culpado e seu assassino.

Minhas lembranças daquele maldito dia pareciam vagas, quando a encontrei naquele estado na água eu parecia ter entrado em um estado de choque, não sabia como agir, eu apenas gritei por seu nome e chorei segurando seu corpo que não esboçava nenhuma reação e já ficava frio, não pela água mais. Um casal que estava fazendo trilha no local acabou escutando todo meu desespero e correram na direção da cachoeira e nos encontrou, acionaram rapidamente o socorro e quando ele chegou meu desespero ficou ainda maior, eu não queria que tirassem minha namorada dos meus braços, mas tiraram e eu fiquei ali paralisado presenciando enquanto fazia massagem cardíaca nela, tentando salvá-la, mas tudo aquilo foi inútil e a garota já estava morta. Chamaram o IML e obviamente a polícia veio, me encontrando inteiramente sujo de sangue, o sangue dela.

Após o exame de corpo de delito ser feito constataram que a cabeça de Cecília havia sido batida repetidas vezes contra uma pedra o que acabou causando um traumatismo craniano, mas ainda estava viva quando foi afogada. Qualquer marca ou digital que pudesse ter em seu corpo que chegasse ao seu assassino foi apagada e substituída pela minha que a segurava forte, implorando para que estivesse viva, me transformando assim em seu assassino.

Era óbvio que eu não tinha feito aquilo, mas era inútil negar quando todas as possíveis provas apontavam para mim, além do mais era apenas eu e ela que estávamos lá naquele dia.

Ainda lembro de estar sentado no chão da delegacia quando visualizei os sapatos de couro caros do meu pai, que chegou lotado de seguranças para expulsar toda a imprensa da porta da delegacia.

- Eu sabia. - Sua voz era de negação. - Olhe para mim agora, Victor Hugo. - Ordenou com a voz imponente, como sempre gostava de usar com as pessoas. - Anda, porra. - Os dedos seguraram meu queixo com violência e o ergueu, me obrigando a olhar em seus olhos quando se abaixou em minha frente. - Quantas malditas vezes eu te avisei que a ninfeta iria te levar para o precipício, quantas malditas vezes eu te avisei que ela iria acabar com sua vida e te destruir, quantas? Mas você nunca quis ouvir, se deixou envolver tanto com o projetinho de vadia que olha no que deu. - Riu, como se estivesse feliz com toda aquela desgraça que acontecia ao nosso redor. - Por que a matou? - Interroga. - Tudo bem que aquele tipo de gente não será algo que fará falta de alguma forma, mas qual o motivo para acabar com a sua vida? - Se referia a minha como se tivesse acabado, não a da menina que teve a vida tirada. - Se ela estivesse sendo um problema tão grande assim poderia ter me falado e outra pessoa faria o serviço sujo, não você. - Sugere e eu só sentia meu estômago embrulhar. - Mas agora que já aconteceu vou mandar as melhores equipes de advogados, filho meu não fica preso. - Solta meu rosto e se levanta olhando ao redor e chamando um dos policiais com o dedo. - Quero falar com o delegado do caso. - Ele não pede, ordena ao policial que apenas assente e vai para dentro, provavelmente cumprir o que o poderoso Luke Assunção mandou. - Se levante desse chão imundo. - Novamente voltou a se virar para mim. - Vá pra casa tomar um banho e tirar essa sujeira de você. - Disse por fim antes de entrar na sala indicada pelo policial que tinha voltado.

O processo correu por poucos meses e logo foi dado como encerrado, respondi como culpado do crime, porém sem em nenhum momento ficar preso por ele. Todo o dinheiro gasto em advogados e obviamente propina ajudaram nisso. Por fim mesmo negando centenas de vezes ainda tentavam me convencer que eu tive um surto psicótico naquele dia e acabei me excedendo, perdendo a paciência pelas mudanças de comportamento que Cecília havia apresentando nos últimos dias e a assassinando. Por muitas vezes cheguei a ter recaídas e realmente pensar se aquilo seria possível, mas não, eu amava aquela garota mais que tudo, a amava tanto que fui contra meu pai para ficar com ela. Eu me lembro perfeitamente que estava tudo bem, tínhamos conversado, rimos tanto juntos e depois saí, não fiquei mais do que vinte minutos fora e quando voltei já a encontrei naquele estado.

O assassino real um dia apareceria e eu provaria para todos que a minha linda e doce menina não tinha morrido pelas minhas mãos, e eu sentia sede de olhar a pessoa que fez aquilo e poder ao menos socar a cara dela e fazer pagar por tudo.

Meu nome nunca constou sujo em nenhum tipo de ficha, tanto é que depois de alguns anos acabei pegando a presidência da empresa pela saúde do meu pai não estar nas melhores condições, seus médicos o avaliaram e disseram que o melhor era se afastar de tanto estresse como era o da nossa área empresarial, sobrando tudo para mim, o seu único herdeiro. Eu me dei bem na empresa, consegui fechar vários contratos pendentes a anos, expandir ainda mais as sedes no Brasil e em vários outros países, enchendo ainda mais nossa gorda conta bilionária e levando nosso nome para o topo de cafeicultores. Aproveitei todo meu desempenho como ceo para buscar os melhores investigadores, gastei todo dinheiro que era necessário e nunca nenhum me trouxe nada que pudesse ao menos ajudar ou dar a mínima esperança sobre o caso de Cecília.

Até mesmo porque ninguém mais parecia ligar pra ele. Uma menina pobre e humilde supostamente morta pelo namorado herdeiro de um multimilionário, quem ligaria, não é mesmo? Era mais fácil as pessoas me colocarem como vítima da história do que a garota.

- Victor. - A voz conhecida me chama repetidas vezes e novamente me encontro em transe. - Victor, está tudo bem. - Sinto a mão delicada passar em meu rosto e foco minha visão na pessoa em minha frente, vendo Alissa que sorri levemente para mim quando percebe que estou saindo de mais uma m*****a crise. - Não pode ficar se estressando dessa forma, meu amor. - Me abraça doce como sempre e eu retribuo. - Diego me ligou e vim correndo. - Fala e percebo que estamos sozinhos na minha sala. Era sempre assim, a merda do assunto sempre me causava isso, eu ficava vários e vários minutos desligado e meu cérebro só fazia focar nas m*****as lembranças e fazia questão de repassá-las repetidas vezes em minha cabeça. Aquilo me enlouquecia.

- Porra. - Me afasto dela e levo uma mão até a testa. - Você estava trabalhando, não devia ter vindo. - Me lembro do horário comercial que também era o dela.

- Minha paciente entendeu quando falei que iria terminar a sessão poucos minutos mais cedo para socorrer meu namorado. Ela ficou ainda mais satisfeita quando disse que iria dar a ela mais duas sessões como agradecimento. - Fala e dou risada.

- Quem não fica feliz com isso hoje em dia? O mundo está cada vez mais doente e precisando de terapia. - Digo segurando sua cintura e deixando um beijo rápido em seus lábios.

Alissa foi uma das primeiras psicólogas que fui, passei cerca de quatro anos me consultando com ela todas as semanas até que acabamos nos envolvendo emocionalmente um com o outro, nos apaixonando. Assim que assumimos um namoro parei meu acompanhamento com ela, além do mais a ética profissional não permitia que eu continuasse, procurei outros médicos e continuei o tratamento psicológico, mas não fiquei mais que um ano e parei de vez. Nada e nem ninguém parecia realmente me ajudar a lidar com isso.

Quando meu pai soube do namoro faltou pular de alegria, até mesmo porque Alissa nasceu em berço de ouro assim como eu, então era óbvio que ele aprovaria a relação. Mas ela nem de longe era uma dondoca metida, pelo contrário, buscou sempre estudar e se tornar independente sem precisar usar o nome de prestígio ou dinheiro dos pais, e isso era o que mais me chamava atenção nela, além de toda a beleza que tinha.

- Não está com fome? Estou morrendo de vontade de comer daquela torta de café que vendem na lanchonete daqui. - Sugere e assinto oferecendo a mão que ela segura e saímos da sala.

Horas mais tarde Alissa já tinha ido embora e eu retornava para a reunião que havia abandonado quando sai transtornado da sala, assim que volto todos me olham com receio. Era assim desde que assumi a liderança, as pessoas me tratavam como meu pai, com medo.

- Boa tarde, senhores! Peço desculpas pelo ocorrido mais cedo, não irá mais acontecer. - Garanto e me sento. - Interrompi a fala de alguém naquela hora? - Pergunto e Marcelo ergue a mão, balanço a cabeça com um sinal para que possa continuar sua fala.

- Eu estava falando sobre investir em uma nova área de degustação. Como montar um lugar onde as pessoas iriam conhecer todo o processo desde o plantio até a torragem do grão de café, lá iriam tocar nas plantações, ver o desenvolvimento do grão, tudo. E obviamente provar dos mais diversos tipos de qualidade de café que temos, cada um teria o seu profissional explicando sobre os aromas, sabores, e no final ficaria no critério sobre levarem alguma parte de café torrado, ou os diversos tipos de comidas com ele que temos para casa. - Diz enquanto mostra sua apresentação com gráficos e projetos de estrutura no telão da sala.

- Perfeito. - Bato palmas e logos todos acompanham, enchendo a sala com o barulho delas. - Vamos dar início nisso hoje mesmo, selecione os melhores locais a venda que esteja propício para aguentar o projeto para fazermos visitas e avaliarmos qual o melhor. - Digo agora para minha secretária que anota tudo em seu bloco de notas e assente.

- Não vai nem querer ver sobre os valores? É muito dinheiro que será gasto e...- João tenta interromper.

- Não importa, tenho certeza que será bem gasto. - É apenas o que digo enquanto termino de assinar os papéis do projeto em minha frente.

- Teremos que contratar novos funcionários, ainda mais com a nova construção que logo acontecerá. - Diz Rosangela.

- Você tem meu aval para contratar quantos funcionários achar necessário para compor a equipe. - Ela sorri e balança a cabeça, garantindo que logo a empresa já estaria com os novos integrantes atuando.

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