Eu não nasci aqui. Na verdade, eu nem sei onde foi que eu nasci. Meu nome é Ana, eu tenho 16 anos de idade e eu moro no morro da Rocinha.A mulher que eu aprendi a chamar de mãe, nunca foi minha mãe de verdade e nem nunca me tratou como sua filha. Mas tudo o que eu conhecia era ela. Eu não sei exatamente como tudo começou, mas o pouco que eu sei, eu descobri ano passado, em 2020. Tinha 15 anos quando encontrei algumas cartas e fotos embaixo da cama de minha mãe, ou melhor, de Lúcia. Vi fotos de muitos bebês e no início eu não tinha entendido nada. Vi algumas fotos também de crianças que Lúcia levava para casa desde que eu me entendo por gente e dizia que eram crianças que ela tomava conta. As crianças nunca passavam mais que dois dias lá em casa, e eu cresci acostumada com elas, porque desde muito pequena, Lúcia sempre levava esses bebês para lá.Eu não tenho muitas lembranças da minha infância, ou melhor, eu acho que nem tive como ter muitas lembranças, porque eu sempre fazia as mesm
Enfim, fora isso as férias foram muito boas e tranquilas. Ainda apanhava de mamãe, mas isso era algo comum no meu dia a dia. Pelo menos as surras não foram tão fortes. Ela começou a me xingar de maneiras diferentes. Ela disse que eu estava começando a ficar gorda, mas na realidade eu estava deixando de ser tão magra quanto eu era antes. As vitaminas que a enfermeira Nara me dava realmente pareciam fazer efeito e meu apetite só fazia aumentar.- Vamos, Ana. O primeiro dia de aula começa hoje. Não vai querer se atrasar, né?Davi estava lá na frente de casa. Acho que Lúcia já tinha se acostumado um pouco com ele, porque ela não me chamava mais a atenção e nem me batia porque eu brincava com o Davi. Ela não gostava, mas não agia mais como antes pelo menos. Acho que ela se conformou que ele não ia deixar de me ver e eu não iria d
Eu limpei as lágrimas do meu rosto, peguei minhas coisas e disse:- Muito obrigada, seu Carlos.E fui embora.Eu estava tão feliz antes, mas aquilo acabou com o meu dia. Talvez fosse o que eu merecesse, porque ele não ia me dar algo de graça. Eu tinha que pagar pelo o que ele havia me feito.Subi para casa com as minhas coisas. Fui tomar um banho e escovar meus dentes, porque eu queria muito tirar aquele gosto ruim da boca. Nem tive coragem de pedir alguma coisa para comer do seu
As minhas primeiras semanas de aula foram bem agitadas e muito diferentes do dia a dia que eu tinha antes. Eu acordava cedo todos os dias e fazia o café para Lúcia. As vezes ela acordava de bom humor, não me batia e penteava meu cabelo. Mas na maioria dos dias ela me surrava logo de manhã cedo. Parecia que ela tinha raiva de me ver com a farda da escola. Mas eu não ligava, o que importava era que eu estava indo para o colégio e tudo parecia que passava quando eu estava lá. Eu tinha muita coisa nova aprender e todos os dias eu aprendia mais e mais.Depois do meu primeiro mês indo para a escola, a Dona Carmem começou a me dar aulas de reforço depois das aulas.- Você é bem
A diretora continuava a segurar o meu braço e eu percebi que ela começou a me olhar mais ainda. Foi nesse momento que ela viu umas manchas na minha pele. Eram manchas de picadas de pulga. Eu fiquei com muita vergonha porque ela poderia pensar que eu não tomava banho direito e que eu não era nada higiênica, porque seria a única explicação para eu ter pulgas.- Ana, você está com várias picadas, precisamos tratar isso. Vocês têm cachorro na casa de vocês? Podem estar com uma infestação.- A mamãe já cuidou desse assunto, diretora Carmem. Nós temos o tito e acho que como eu brinco muito com ele, as pulgas podem ter me picado em a
Mauricio era um aluno que tinha 13 anos de idade e era novo no colégio, pois ele morava com a mãe antes. Pelo menos foi isso o que a madrasta havia falado quando ela foi matriculá-lo. Ela disse que a mãe no menino estava muito doente e não era mais capaz de cuidar do filho, então ele teve de ir morar com eles, por isso ele estava mudando de colégio no meio do ano.Carmem gostou muito de Mauricio desde que o conheceu. Ele era um menino muito educado e muito inteligente. Ele parecia não se encaixar naquele lugar. Não demorou muito para que ele começasse a faltar muitas aulas e quando aparecia, aparecia com vários roxos nos braços e até mesmo no rosto. Carmem sabia que aquilo era violência física. Com o tempo ela conseguiu fazer com
Alguns dias depois da enfermeira Nara e da diretora Carmem disserem que em breve eu iria ser consultada por um médico, ele realmente apareceu.Desde o dia que eu conheci a enfermeira Nara, eu passei a ir todos os dias na sala da enfermaria e ela me dava o que dizia ser vitaminas. Tinha uma que ela dizia que era vitamina C e não sei mais quais outras. E ela me deu um remédio que ela disse que era para me livrar dos vermes. Eu não sabia para o que servia nada, mas eu sempre pensei que fosse para o meu bem. Me sentia feliz, porque eu sentia que ela cuidava de mim.Até que chegou o dia em que eu conheci o doutor Alexandre. Ele já era um senhor quando o conheci. Branco, baixinho, já tinha algumas rugas, mas t
Assim que chegamos na sala, a diretora Carmem se sentou na cadeira dela, que ficava atrás da mesa enorme que ela tinha e me disse que sentasse na cadeira em frente a ela. Geralmente não era lá que eu me sentava. Achei até que eu tivesse feito algo de errado, porque ela estava muito séria. Mas aí ela começou a falar:- Ana, eu já atendi diversos alunos aqui. Conheci muitas crianças e muitas famílias. Já vi muitos casos ruins e difíceis. Eu não estaria ajudando você se eu não percebesse que é o que você realmente quer e se eu não pensasse que você precisa de algum tipo de ajuda. Mas eu vejo que você precisa. Vejo em você uma menina muito inteligente e esperta, que está correndo atr&aacut