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Enfim, fora isso as férias foram muito boas e tranquilas. Ainda apanhava de mamãe, mas isso era algo comum no meu dia a dia. Pelo menos as surras não foram tão fortes. Ela começou a me xingar de maneiras diferentes. Ela disse que eu estava começando a ficar gorda, mas na realidade eu estava deixando de ser tão magra quanto eu era antes. As vitaminas que a enfermeira Nara me dava realmente pareciam fazer efeito e meu apetite só fazia aumentar.

- Vamos, Ana. O primeiro dia de aula começa hoje. Não vai querer se atrasar, né?

Davi estava lá na frente de casa. Acho que Lúcia já tinha se acostumado um pouco com ele, porque ela não me chamava mais a atenção e nem me batia porque eu brincava com o Davi. Ela não gostava, mas não agia mais como antes pelo menos. Acho que ela se conformou que ele não ia deixar de me ver e eu não iria deixar de brincar com ele também.

- Já vou, mamãe.

- Vai lá, macaca. Veja se não apronte nenhuma, viu? Não quero que ser chamada na direção por sua causa.

Quando fomos descendo, Davi parou no mercadinho de seu pai para pegar alguma coisa. Foi quando o seu Carlos me viu e disse:

- Nossa, como você cresceu, menina. Nem parece que só fazem algumas semanas que não lhe vejo. Se precisar de alguma coisa você sabe que pode me pedir.

- Obrigado, seu Carlos. Vamos logo, Davi.

- Já vou indo. Tchau, pai. Benção.

- Deus te abençoe, meu filho. Boa aula.

Acho engraçado hoje, o fato de seu Carlos falar tanto em Deus. Acho que por isso eu nunca gostei de ir na igreja e não gostava quando o Davi me convidava para ir junto com a família dele. Seu Carlos não tinha nada desse tal Deus que eles tanto falavam.

As aulas começaram quando já estava perto do carnaval e o morro entrava em festa quando era essa época. Eu gostava, porque tudo ficava muito enfeitado. Eu via as mulheres com suas roupas brilhosas e eu gostava da música que tocava também. Era diferente do mesmo funk que tocava o ano inteiro na rua de casa. Nessa época também iam muitas pessoas de fora do morro para lá. Acho que eles deviam gostar das festas que tinham por esse período, porque sempre iam muitos brancos que moravam na cidade. Até gente que parecia ter muito dinheiro. Muito diferente das pessoas que moravam no morro.

A minha professora não era mais a professora Maria Auxiliadora. Agora eu tinha um professor diferente para cada matéria. Senti falta da professor Maria e de como ela tinha paciência para me explicar tudo, mas agradeci muito, porque ela teve tanta paciência e me ajudou tanto, igual a diretora Carmem também, que eu não tive dificuldade com as matérias por todo esse ano. Muito pelo contrário, eu era uma das alunas que mais tirava nota alta. Davi também era muito estudioso e nós sempre tirávamos as notas mais altas da sala.

Eu passei a conversar com mais crianças da minha idade, mas ainda assim eu me sentia mais a vontade com o Davi. Por mim, ele seria o meu único amigo. Mas o Davi gostava de conversar com as outras pessoas também e por causa dele eu acabava conversando com os outros alunos.

Nunca me senti muito bem perto de muita gente. Eu gostava de conversar, mas não com todas as pessoas. Eu nunca gostei muito dos professores homens que me davam aula. Eu os achava grossos e eles nunca gostavam que perguntássemos nada. Ainda bem que eu não tive muitas dúvidas. Quando eu tinha dúvidas, eu podia ir até a diretora Carmem, que continuou a falar comigo quase todos os dias. Ela disse que eu também iria continuar tendo consultas com o doutor Alexandre as vezes, mas que agora as visitas dele não precisavam mais ser tão frequentes.

- Mas diretora Carmem, eu já me sinto muito melhor.

- Eu sei, Ana. Mas é só por precaução. Não queremos que você adoeça de novo, não é? E me diga, como foram suas férias?

- Ah, diretora Carmem, foram muito boas. Eu pude brincar muito e a senhora viu o que eu estou usando?

- O tênis que lhe dei. Ainda bem que você gostou.

- Sim, diretora Carmem e me serviu perfeitamente.

- Que bom. E como foi com sua mãe?

- Como assim, diretora Carmem?

- Ela tirou férias também?

- Não. Todos os anos, quando chega esse período que a maioria tira férias, a mamãe trabalha muito e quase não fica em casa. Ela sai para trabalhar todos os dias bem cedo e só chega em casa bem tarde. Mas eu nunca ficava sozinha, não mais, porque agora eu podia brincar com o Davi na frente de casa.

- Entendo. E quem cozinha para você durante esse tempo que você fica sozinha?

- A mamãe sempre deixa alguma coisa pronta. - Eu menti, é claro. Ela nunca deixava comida pronta. Lúcia nem cozinhava. Mas agora eu já tinha crescido um pouco e conseguia alcançar algumas comidas que ela deixava em cima do armário. Fora que o Davi passou a me levar comida também. Eu nunca disse para ele que sentia fome ou algo do tipo, mas ele parecia adivinhar os dias que eu ainda não tinha comido nada.

Anos depois eu vim descobrir que quem mandava Davi me levar comida era a mãe dele. Dona Mariete nunca conversou comigo por muito tempo, não enquanto eu era criança. Ela não sabia o que acontecia comigo, o que eu passava em casa, mas acho que ela como mãe, sabia que as vezes eu precisava de algumas coisas. Muitas vezes, durante aquelas férias, foi por causa dela que eu não passei fome. Nunca a agradeci, não por causa disso.

Aquele ano também acabou passando muito rápido. Eu quase não ficava mais em casa, porque eu estudava de manhã e de tarde eu fazia todas as aulas de reforço que eu podia fazer. A diretora Carmem havia implementado essas aulas na parte da tarde para os alunos que tinham dificuldades ou ainda tinham muitas dúvidas. Eu não tinha dúvidas e nem dificuldade sobre os assuntos que eu estava estudando, mas eu queria poder aprender mais. Aí eu aproveitava essas aulas extras para aprender os assuntos dos anos seguintes.

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