O frio cortante da noite não era nada comparado ao gelo que se espalhava dentro de mim. Meu corpo doía, cada respiração queimava meus pulmões, o ferimento no meu flanco dificultando meus movimentos, mas eu não podia parar. O cheiro de fumaça e sangue ainda impregnava minhas narinas, e os gritos de agonia ecoavam como um fantasma em minha mente. Corri para a floresta, o som de meus pés afundando na neve abafado pelo desespero que pulsava em minhas veias.
A imagem dos corpos de meus pais marcada a fogo na minha mente, algo que jamais poderia esquecer. Por mais que desejasse estar com eles e lhes dar um enterro digno de quem eram, não podia, pois ele estava vindo.
Eu podia senti-lo, seu cheiro me rodeava enquanto ele se aproximava mais um passo, e outro… e outro.
Meu instinto gritava para cada célula do meu corpo, me alertando sobre a presença dele. Damian Blackthorn. O assassino dos meus pais. O homem que eu amava, em quem eu deveria confiar, havia se tornado a sombra que me caçava na escuridão.
Meus pulmões queimavam com o esforço da corrida. Meu flanco ardia, o ferimento sangrava mais do que eu gostaria de admitir, mas eu não me permitia fraquejar. A floresta densa à minha frente era a minha última esperança, uma chance de me esconder, de escapar. Meus pés afundaram na neve fofa, dificultando minha movimentação, mas não havia escolha. Não podia assumir minha forma lupina naquelas condições. Continuei em frente, ignorando os galhos que cortavam minha pele e as lágrimas quentes que escorriam pelo meu rosto.
Então eu o ouvi.
Um rosnado baixo, ameaçador. O som de algo grande e letal movendo-se entre as árvores. Um predador. O cheiro que emanava dele era diferente do que eu estava habituada, algo selvagem e feroz se misturava ao amadeirado que aprendi a rastrear entre tantos outros cheiros.
Meu corpo travou antes que eu pudesse impedir. O medo me dominou, e, por um segundo, eu apenas fiquei ali, paralisada, meu corpo inteiro tremendo, ouvindo a aproximação dele. Então, um estalo de galhos secos. Meu coração pulou em meu peito. Virei-me bruscamente e tentei correr, mas não fui rápida o suficiente.
Uma força esmagadora me atingiu por trás, derrubando-me na neve. O impacto tirou todo o ar dos meus pulmões, e antes que pudesse me recompor, senti o peso dele sobre mim. Garras afundaram na neve ao meu lado, sua respiração quente queimando minha nuca.
— Damian! — gritei, minha voz embargada pelo terror.
Ele não respondeu.
Lutei, tentando me virar, mas ele era forte demais. Seus dedos se fecharam ao redor do meu pescoço, segurando-me contra o chão gelado. Quando finalmente consegui me virar, meu estômago se revirou.
Aqueles olhos dourados, que um dia me trouxeram conforto, agora eram vazios. Um abismo sem alma.
— Por quê? — Minha voz saiu fraca, quase inaudível. — Por que fez isso?
Nenhuma resposta. Somente silêncio. Um silêncio mais cruel do que qualquer palavra.
A neve ao meu redor estava tingida de vermelho. Meu sangue. Eu sentia a fraqueza se arrastando pelo meu corpo, como uma serpente, mas recusei-me a ceder. Meus dedos encontraram um galho caído ao meu lado. Sem pensar, o agarrei e o balancei em sua direção. Ele desviou facilmente, seu olhar sequer se alterando.
— Damian, exijo que me responda! — gritei, minha voz carregada de raiva e desespero. — VOCÊ OS MATOU! VOCÊ MATOU MEUS PAIS! MATOU SEU REI E SUA LUNA!
Finalmente, ele se moveu.
E atacou com a habilidade do guerreiro excepcional que era.
Um golpe rápido, brutal. Joguei meu corpo para o lado no último instante, sentindo o vento cortante passar onde minha cabeça estava momentos antes. Mesmo chocada por Damian errar um golpe como aquele, rolei pela neve, lutando para me levantar, mas logo ele estava sobre mim novamente, um predador impiedoso caçando sua presa.
Seus dedos envolveram minha garganta, apertando. O ar me faltou. Minhas mãos agarraram seus pulsos, tentando afastá-lo, mas era inútil. Ele era mais forte. Sempre foi.
O mundo começou a escurecer nas bordas. Meus pulmões imploravam por ar.
— Por favor… Damian, por favor. — implorei, minha voz reduzida a um sussurro.
Algo brilhou nos olhos dele. Por um segundo, só um segundo, vi hesitação. Vi uma rachadura no gelo.
Foi tudo o que precisei.
Com um esforço desesperado, ergui meu joelho e o atingi no abdômen. O golpe não o machucou, mas o pegou desprevenido o suficiente para que seu aperto afrouxasse. Com um último resquício de força, chutei sua perna e me desvencilhei, tropeçando para trás.
Virei-me e corri.
O som dos passos dele veio logo atrás. Eu não tinha chance. Ele era mais rápido, mais forte. Mas eu não desistiria. Não morreria ali.
A clareira apareceu de repente à minha frente. Mas não havia mais para onde correr.
O precipício se estendia diante de mim, um abismo negro e infinito. O vento gelado chicoteava minha pele enquanto eu olhava para o vazio abaixo.
Atrás de mim, Damian se aproximava lentamente, como um caçador que já sabia que sua presa não tinha escapatória.
Engoli em seco. Minhas opções eram limitadas. Se ficasse, ele me mataria. Se pulasse… talvez tivesse uma chance.
Virei-me para encará-lo uma última vez. Meu peito subia e descia de forma descompassada, o medo e a raiva lutando dentro de mim.
— Jamais vou perdoar o que você fez, jamais vou esquecer a sua traição. — Minha voz saiu firme, mesmo que minhas pernas tremessem. — E um dia… vou me vingar.
Então, sem pensar mais, pulei.
O ar gelado cortou minha pele como navalhas. A escuridão me envolveu, o mundo girou ao meu redor. Eu não sabia se viveria, mas sabia de uma coisa.
Se eu sobrevivesse, faria Damian pagar.
A última coisa que vi antes de atingir o rio gelado abaixo e tudo se apagar, foi a lua cheia brilhando acima de mim, indiferente ao meu destino.
A minha mente parecia flutuar entre fragmentos, minha consciência indo e vindo até que senti sendo atraída por algo. Primeiro, uma sensação de calor. Depois, o cheiro de ervas misturado ao som suave de uma lareira crepitando. Pisquei algumas vezes, mas, mesmo a luz fraca do ambiente, ainda me parecia intensa. Meu corpo pesava, como se chumbo estivesse preso aos meus membros.Tentei me mover, mas uma dor aguda percorreu meu flanco, fazendo-me soltar um gemido involuntário. A lembrança do frio cortante, do vento contra minha pele e da queda vertiginosa no precipício vieram em flashes. Mas tudo antes disso… era um vazio absoluto.— Ela acordou — a voz suave de uma mulher idosa encheu o cômodo.Meus olhos foram atraídos por um rosto gentil, enrugado pelo tempo, mas cujos olhos brilhavam com bondade. Ao lado dela, um homem de ombros largos e cabelos grisalhos me observava com uma expressão grave, mas não hostil.— Onde… onde estou? — minha voz saiu rouca, quase irreconhecível.A mulher sor
DamianO escritório estava silencioso, exceto pelo tique-taque distante do relógio e pelo zumbido discreto do ar-condicionado. O ar carregava um peso que eu não sabia explicar, como se algo estivesse fora do lugar, errado de uma maneira que eu não conseguia identificar.Quando a porta se abriu, me mantive de costas, ouvindo com atenção os passos suaves sobre o carpete. Virei o rosto, meu olhar vagando de forma automática, sem realmente me importar com a candidata da vez. Mas assim que meus olhos pousaram nela, algo dentro de mim se agitou.A mulher à minha frente tinha uma presença inquietante. Não por algo óbvio. Não era sua postura, ainda que ela mantivesse o queixo erguido, tentando parecer confiante, nem sua aparência, por mais que houvesse algo nela que me atraísse de maneira absurda. Era outra coisa que não conseguia explicar com palavras.Seus olhos verdes encontraram os meus, e por um breve instante, senti um choque percorrer minha espinha. Um alerta primitivo, como se um frag
LinO escritório parecia menor, como se o ar estivesse sendo lentamente drenado dali. Meu peito subia e descia em um ritmo que eu não conseguia controlar, e minhas mãos estavam frias, mesmo que o ambiente não fosse gelado. Não era apenas o escritório… era ele.Damian Blackthorn.Sentada naquela cadeira de couro impecável, eu sentia o olhar dele queimando sobre mim como uma lâmina afiada, analisando cada detalhe, esperando qualquer sinal de fraqueza. Mas eu não cederia. Não diante dele.A entrevista deveria ter terminado há muito tempo. Qualquer outro candidato já teria sido dispensado. Mas Damian parecia se divertir prolongando aquilo. Cada pergunta carregava um tom afiado, cada provocação trazia uma faísca de algo que eu não conseguia decifrar.Ele me estudava. Testava. E eu não sabia por quê.— Então, senhorita Lin — ele quebrou o silêncio, tamborilando os dedos na mesa. O som ritmado ecoava pelo ambiente, marcando cada segundo de tensão. — Além de nunca desistir, que outras qualida
O vento cortante da noite balançava as cortinas finas da janela do quarto, mas o frio que percorria minha pele vinha de dentro. Meus dedos apertavam a borda da mesa da cozinha, meus olhos fixos nos papéis espalhados à minha frente. Os números eram cruéis. O dinheiro que tínhamos não seria suficiente para pagar a dívida.Dois dias haviam se passado desde a visita dos homens do banco. Dois dias que passaram como uma névoa de preocupação e incerteza. Henry e Margaret tentavam agir como se tudo estivesse sob controle, mas eu via as olheiras sob seus olhos, os sussurros abafados quando pensavam que eu não estava ouvindo.Eles estavam assustados.E eu não sabia o que fazer para lhes dar o mínimo de paz.— Isso é um absurdo. — A voz de Eva me trouxe de volta à realidade. Ela puxou uma das cadeiras e se jogou nela, cruzando os braços. — Eles não podem simplesmente tomar a casa do nada!— Eles podem, sim. — Minha voz saiu baixa, cansada. Tudo que Henry e Margaret construíram poderia desaparece
O vento cortante da noite chicoteava minha pele enquanto eu caminhava de volta para casa. Mas o frio que percorria minha espinha tinha outro motivo. Meu peito pesava, como se um nó invisível apertasse cada vez mais meus pulmões."Case-se comigo."As palavras de Damian ainda ecoavam na minha mente. Ele as disse como se estivesse me oferecendo um contrato qualquer, como se minha vida fosse um detalhe insignificante diante de seus negócios. Não havia emoção, hesitação ou um traço sequer de humanidade na proposta. Apenas uma certeza cruel: eu não tinha escolha, apenas aceitar.O peso da decisão me esmagava. Eu sabia que ceder significava renunciar a qualquer chance de liberdade. Mas recusar… significava condenar Henry e Margaret.Ao me aproximar da casa, parei ao ouvir as vozes abafadas de meus avós. Eles raramente discutiam, mas o desespero nos tons baixos e trêmulos era inconfundível. Parei diante da porta, me mantendo em silêncio.— Não podemos contar para ela, Henry. — A voz de Margar
O silêncio daquela casa era ensurdecedor. Desde que me mudei para a mansão Blackthorn, tudo parecia sufocante, como se eu estivesse presa em um lugar sem vida. Era como se as paredes quisessem me lembrar constantemente de que eu não pertencia ali. Damian passava o tempo todo fora, saindo antes do amanhecer e voltando tarde da noite, evitando qualquer tipo de contato. Mesmo que tivéssemos assinado um contrato de casamento, éramos estranhos dividindo o mesmo espaço.No primeiro dia, tentei ignorar essa realidade. Me ocupei explorando os cômodos vazios e impessoais, buscando qualquer vestígio de que Damian realmente vivia ali. Mas não havia nada. Somente um ambiente impecável, sem qualquer rastro de personalidade. O lugar inteiro parecia um museu abandonado, onde ninguém deixava marcas de sua presença.No segundo dia, liguei para Henry e Margaret, sentindo um nó no estômago ao ouvir suas vozes. Eles pareciam aliviados ao saber que eu estava bem e empolgados com a promessa de que logo a d
Capítulo 8: Entre Quatro ParedesO som da chuva contra as janelas ecoava pela mansão silenciosa, cada gota estalando no vidro como um sussurro persistente. O vento uivava lá fora, sacudindo as árvores e fazendo as janelas vibrarem levemente. A tempestade havia começado há algumas horas, mas parecia que ficaria mais intensa com o passar da noite.A casa estava mergulhada em escuridão, exceto pela luz amarelada de um abajur no canto da sala. Eu estava encolhida no sofá, abraçando minhas pernas, tentando ignorar o peso que aquela noite trazia e a sensação sufocante de solidão que parecia se intensificar a cada trovão que cortava o céu. Havia algo de inquietante naquela tempestade, algo que mexia com meu subconsciente.Me deitei no sofá, sem coragem para subir para o quarto. Fechei os olhos, respirando fundo, tentando encontrar um pouco de paz, mas assim que o sono começou a me envolver, ele trouxe consigo imagens que não pareciam fazer sentido.Chamas. Sombras distorcidas. E olhos doura
A ideia parecia absurda desde o começo. Um jantar especial para Damian? Para um homem que me tratava como uma sombra dentro daquela casa? Eu não fazia ideia do que Eva queria provar com essa ideia maluca, mas, ali estava eu, diante do fogão, mexendo em uma panela com um olhar perdido.— Você vai acabar queimando isso. — A voz divertida de Eva me fez revirar os olhos.— Talvez essa seja a minha intenção. — Suspirei, sentindo o calor do vapor subir pelo meu rosto.Ela se aproximou, pegando uma faca e começando a cortar alguns vegetais.— Lin, eu sei que ele é um idiota. Mas algo me diz que ele não é completamente um caso perdido.— Acho que ele faz questão de ser um caso perdido. — Eva me olhou por um instante antes de dar de ombros.— Talvez. Mas a única forma de descobrir é tentando. E você sabe que quer tentar.Eu não respondi. O problema era que ela estava certa. Desde o momento em que Damian me cobriu com aquela manta, um conflito crescia dentro de mim. Ele passava o tempo todo fin