O vento cortante da noite balançava as cortinas finas da janela do quarto, mas o frio que percorria minha pele vinha de dentro. Meus dedos apertavam a borda da mesa da cozinha, meus olhos fixos nos papéis espalhados à minha frente. Os números eram cruéis. O dinheiro que tínhamos não seria suficiente para pagar a dívida.
Dois dias haviam se passado desde a visita dos homens do banco. Dois dias que passaram como uma névoa de preocupação e incerteza. Henry e Margaret tentavam agir como se tudo estivesse sob controle, mas eu via as olheiras sob seus olhos, os sussurros abafados quando pensavam que eu não estava ouvindo.
Eles estavam assustados.
E eu não sabia o que fazer para lhes dar o mínimo de paz.
— Isso é um absurdo. — A voz de Eva me trouxe de volta à realidade. Ela puxou uma das cadeiras e se jogou nela, cruzando os braços. — Eles não podem simplesmente tomar a casa do nada!
— Eles podem, sim. — Minha voz saiu baixa, cansada. Tudo que Henry e Margaret construíram poderia desaparecer em um piscar de olhos.
— Então temos que encontrar uma maneira de impedir isso — Eva retrucou, determinada.
Respirei fundo, passando as mãos pelo rosto.
— Foi por isso que tentei conseguir aquele emprego. Mas ainda não sei se consegui ou não.
Eva me olhou de soslaio, um brilho curioso cruzando seu olhar.
— E como foi a entrevista?
O olhar frio e penetrante surgiu em minha mente antes mesmo que eu quisesse pensar nele. Damian Blackthorn.
Aquele homem era claramente um problema. Um problema do qual eu não conseguia fugir.
— Estranha — murmurei.
Eva arqueou a sobrancelha.
— Estranha como?
Mordi o lábio, hesitando. Eu não queria admitir que Damian mexeu comigo. Que seu olhar me desestabilizou, que cada palavra dele parecia carregada de intenções ocultas.
— Ele fez perguntas pessoais demais. Como se estivesse mais interessado em mim do que na vaga.
— Interessado em você? — Ela sorriu de lado. — E você? Interessada nele?
Meu estômago se contraiu.
— Claro que não! — retruquei rápido demais.
Eva riu.
— Você está nervosa. Isso quer dizer que ele mexeu com você.
— Ele me irritou — corrigi, cruzando os braços. — Foi arrogante, sarcástico e provocador.
— E gostoso. — Eva piscou para mim, e eu revirei os olhos.
Antes que eu pudesse retrucar, o telefone tocou, interrompendo nossa conversa. Meu coração disparou quando vi o número desconhecido na tela.
Atendi hesitante.
— Alô?
— Senhorita Lin. — A voz grave de Damian Blackthorn atravessou a linha como um trovão abafado. Meu corpo reagiu imediatamente, um arrepio subindo pela minha espinha. Apertei o punho contra o peito, tentando conter as batidas do meu coração.
Eu me odiei por ter aquela reação tão extrema somente por ouvir sua voz.
— Sou eu.
— Quero que venha ao meu escritório amanhã. Precisamos conversar.
Houve um peso em sua voz. Algo que fez meu coração se apertar.
— Sobre a vaga?
— Sobre um assunto mais interessante.
A ligação foi encerrada antes que eu pudesse perguntar mais alguma coisa.
Eva me olhava com curiosidade.
— Quem era?
Respirei fundo antes de responder:
— Damian Blackthorn.
E, de alguma forma, eu sabia que nada mais seria o mesmo.
No dia seguinte, entrei no prédio imponente da Blackthorn Enterprises sentindo um nó no estômago. Algo dentro de mim me dizia que eu não deveria estar ali.
A assistente me guiou até o escritório e, quando entrei, ele já estava me esperando.
Damian estava encostado na grande janela de vidro, observando a cidade abaixo como um rei observando seu reino. Ele não me olhou, apenas respirou profundamente de onde estava.
— Saia e feche a porta — ele disse sem olhar em nossa direção.
A secretária obedeceu sem hesitar.
Ele finalmente voltou seu olhar para mim, e aqueles olhos âmbar se fixaram nos meus. O mesmo olhar que me assombrava nos meus sonhos.
— Sente-se.
— Prefiro ficar de pé — rebati.
Não confiava em minhas pernas trêmulas para caminhar até a cadeira.
Ele sorriu, como se esperasse exatamente essa resposta.
— Como quiser.
Damian se aproximou lentamente, suas mãos nos bolsos do terno escuro.
— Eu sei sobre a dívida.
Minha respiração falhou.
— O quê?
— Seu avô deve uma quantia considerável ao banco. E você não tem como pagá-la.
Minha pele ficou fria.
— Como sabe disso?
— Eu sei muitas coisas.
Minha cabeça girava. Isso não fazia sentido.
— Se está me chamando aqui para me humilhar, então já pode…
— Posso resolver isso.
O silêncio foi absoluto.
Meus olhos encontraram os dele, buscando alguma pista do que ele estava insinuando.
— Como?
Ele se aproximou mais, sua presença dominando o ambiente.
— Case-se comigo.
Meu coração parou.
O choque foi tão grande que minha mente se recusava a processar as palavras.
— O quê?!
— Você ouviu.
Minha garganta secou.
— Isso só pode ser uma piada.
— Não costumo brincar, principalmente com um assusto tão sério.
Recuei um passo, como se a distância pudesse me proteger.
— Por quê? — Minha voz saiu mais fraca do que eu gostaria.
Ele inclinou a cabeça, estudando minha reação.
— Digamos que seria um benefício mútuo. Você salva seus avós. E eu… — Ele sorriu de lado. — Bom, eu ganho algo interessante em troca.
Seu olhar se tornou sombrio, triste. Por um momento vi outra face de Damian, o que me causou curiosidade e aflição.
Um arrepio subiu por minha espinha e lancei aquela sensação absurda para longe.
— Isso é ridículo.
— Não estou pedindo que goste da ideia. Apenas que considere.
Eu balancei a cabeça, sentindo o pânico crescer dentro de mim.
— Não. Nem pensar.
— Como quiser. — Ele deu de ombros. — Mas a oferta continua de pé.
Me virei, pronta para sair dali. Eu precisava sair dali. Arrumei minha bolsa no ombro e dei um passo na direção da porta, mas antes que eu alcançasse a maçaneta, Damian segurou meu pulso.
A intensidade do toque dele me fez prender a respiração. Seu peitoral firme e quente, mal tocava minhas costas, mas era possível sentir o calor de seu corpo que emanava em ondas. Seu perfume amadeirado me envolveu, deixando minha mente levemente confusa, como uma sensação de déjà vu.
Eu deveria me soltar. Mas meu corpo se recusava a se mover.
Ele se aproximou, e quando falou, sua voz foi um sussurro rouco em minha orelha:
— Você pode me odiar, pode me temer… mas não pode negar o que está acontecendo entre nós.
Meu coração batia contra minhas costelas, frenético.
Ele não tinha o direito de me afetar daquele jeito.
Engoli em seco, forçando minha voz a sair.
— Me solte, senhor Blackthorn. — Virei meu rosto, o olhando sobre meu ombro.
Os olhos dele brilharam, sombrios e intensos. Por um momento, achei que ele fosse me desafiar ou provocar. Então, lentamente, ele soltou meu pulso. O local permanecia quente enquanto saia de sua sala sob olhares curiosos de funcionários.
Mas, mesmo enquanto caminhava para fora daquele prédio, sabia que aquela proposta voltaria a me assombrar. Olhei para a superfície de vidro espelhado, imponente e intimidadora, pensando em mil maneiras de escapar daquela armadilha.
O vento cortante da noite chicoteava minha pele enquanto eu caminhava de volta para casa. Mas o frio que percorria minha espinha tinha outro motivo. Meu peito pesava, como se um nó invisível apertasse cada vez mais meus pulmões."Case-se comigo."As palavras de Damian ainda ecoavam na minha mente. Ele as disse como se estivesse me oferecendo um contrato qualquer, como se minha vida fosse um detalhe insignificante diante de seus negócios. Não havia emoção, hesitação ou um traço sequer de humanidade na proposta. Apenas uma certeza cruel: eu não tinha escolha, apenas aceitar.O peso da decisão me esmagava. Eu sabia que ceder significava renunciar a qualquer chance de liberdade. Mas recusar… significava condenar Henry e Margaret.Ao me aproximar da casa, parei ao ouvir as vozes abafadas de meus avós. Eles raramente discutiam, mas o desespero nos tons baixos e trêmulos era inconfundível. Parei diante da porta, me mantendo em silêncio.— Não podemos contar para ela, Henry. — A voz de Margar
O silêncio daquela casa era ensurdecedor. Desde que me mudei para a mansão Blackthorn, tudo parecia sufocante, como se eu estivesse presa em um lugar sem vida. Era como se as paredes quisessem me lembrar constantemente de que eu não pertencia ali. Damian passava o tempo todo fora, saindo antes do amanhecer e voltando tarde da noite, evitando qualquer tipo de contato. Mesmo que tivéssemos assinado um contrato de casamento, éramos estranhos dividindo o mesmo espaço.No primeiro dia, tentei ignorar essa realidade. Me ocupei explorando os cômodos vazios e impessoais, buscando qualquer vestígio de que Damian realmente vivia ali. Mas não havia nada. Somente um ambiente impecável, sem qualquer rastro de personalidade. O lugar inteiro parecia um museu abandonado, onde ninguém deixava marcas de sua presença.No segundo dia, liguei para Henry e Margaret, sentindo um nó no estômago ao ouvir suas vozes. Eles pareciam aliviados ao saber que eu estava bem e empolgados com a promessa de que logo a d
Capítulo 8: Entre Quatro ParedesO som da chuva contra as janelas ecoava pela mansão silenciosa, cada gota estalando no vidro como um sussurro persistente. O vento uivava lá fora, sacudindo as árvores e fazendo as janelas vibrarem levemente. A tempestade havia começado há algumas horas, mas parecia que ficaria mais intensa com o passar da noite.A casa estava mergulhada em escuridão, exceto pela luz amarelada de um abajur no canto da sala. Eu estava encolhida no sofá, abraçando minhas pernas, tentando ignorar o peso que aquela noite trazia e a sensação sufocante de solidão que parecia se intensificar a cada trovão que cortava o céu. Havia algo de inquietante naquela tempestade, algo que mexia com meu subconsciente.Me deitei no sofá, sem coragem para subir para o quarto. Fechei os olhos, respirando fundo, tentando encontrar um pouco de paz, mas assim que o sono começou a me envolver, ele trouxe consigo imagens que não pareciam fazer sentido.Chamas. Sombras distorcidas. E olhos doura
A ideia parecia absurda desde o começo. Um jantar especial para Damian? Para um homem que me tratava como uma sombra dentro daquela casa? Eu não fazia ideia do que Eva queria provar com essa ideia maluca, mas, ali estava eu, diante do fogão, mexendo em uma panela com um olhar perdido.— Você vai acabar queimando isso. — A voz divertida de Eva me fez revirar os olhos.— Talvez essa seja a minha intenção. — Suspirei, sentindo o calor do vapor subir pelo meu rosto.Ela se aproximou, pegando uma faca e começando a cortar alguns vegetais.— Lin, eu sei que ele é um idiota. Mas algo me diz que ele não é completamente um caso perdido.— Acho que ele faz questão de ser um caso perdido. — Eva me olhou por um instante antes de dar de ombros.— Talvez. Mas a única forma de descobrir é tentando. E você sabe que quer tentar.Eu não respondi. O problema era que ela estava certa. Desde o momento em que Damian me cobriu com aquela manta, um conflito crescia dentro de mim. Ele passava o tempo todo fin
O ar parecia mais pesado desde o jantar da noite anterior. Havia algo diferente no jeito que Damian me olhava, e eu tinha certeza de que não era imaginação minha. Ele continuava mantendo a distância, se refugiando em sua frieza habitual, mas eu percebia os detalhes. A maneira como seus olhos dourados pousavam em mim quando ele achava que eu não estava olhando. Como sua postura ficava rígida quando eu passava por perto.Eu não sabia dizer o que aquilo significava. Mas, se Damian Blackthorn acreditava que poderia esconder algo de mim, estava muito enganado.Naquela manhã, a casa estava silenciosa como sempre. O café da manhã foi solitário, como de costume, mas enquanto mexia no chá quente entre os dedos, senti aquela presença familiar. Levantei os olhos e, como esperado, Damian estava parado próximo à porta da cozinha, observando-me. Seus braços estavam cruzados sobre o peito, e as tranças caíam sobre seu ombro, dando a ele um ar perigosamente despreocupado.Ele me olhava de um jeito di
A manhã estava cinzenta, refletindo perfeitamente meu estado de espírito. A chuva fina escorria pelas janelas da mansão Blackthorn, enquanto o ar frio do lado de fora parecia contrastar com o calor que queimava sob minha pele desde a noite anterior. Desde o momento em que ouvi Damian murmurar aquele nome em meio ao sono.Ayla.A palavra girava em minha mente sem descanso, me corroendo com perguntas para as quais eu não tinha respostas. Quem era ela? O que significava para ele?Tentei me convencer de que aquilo não me afetava, mas era inútil. Se Damian ainda pensava em outra mulher, então por que os momentos de hesitação? Por que o jeito como ele me olhava quando achava que eu não estava vendo?Passei o dia tentando ignorar o desconforto crescente no meu peito, mas a dúvida pesava mais a cada hora. Eu precisava de respostas.Quando a noite caiu, esperei por ele. O som da porta da frente se fechando ecoou pela casa, e meu corpo ficou tenso. Eu estava sentada na beira da poltrona da sala
O clima na mansão estava diferente. Eu sentia isso. Não era algo que pudesse ser explicado com palavras, mas um instinto que pulsava dentro de mim, me alertando para uma mudança sutil. Desde o beijo que compartilhamos, aquele momento arrebatador que ele insistiu em chamar de erro, Damian tentava a todo custo se manter mais distante. Mas, ao mesmo tempo, ele se fazia mais presente.Eu o pegava me observando quando achava que eu não notaria. Sentia seu olhar queimando minha pele, analisando cada um dos meus movimentos, cada curva do meu corpo. Ele não dizia nada, mas estava sempre por perto. Passava pelo corredor quando eu menos esperava. Parava à porta de um cômodo sem razão aparente. Seu cheiro amadeirado ficava no ar mais tempo do que o normal, como se ele tivesse hesitado antes de sair.No entanto, no momento em que eu o flagrava olhando, Damian recuava. Desviava o olhar, franzia a testa, saía do ambiente como se estivesse fugindo.Ele estava lutando contra algo. Eu podia sentir iss
O clima na mansão estava diferente. Eu sentia isso. Não era algo que pudesse ser explicado com palavras, mas uma sensação instintiva, uma inquietação que vibrava dentro de mim. Desde o beijo que compartilhamos, aquele momento de puro êxtase que Damian insistiu em chamar de erro, ele tentava a todo custo manter distância. Mas, ironicamente, estava mais presente do que nunca.Eu o pegava me observando quando achava que eu não notaria. Sentia seu olhar queimando minha pele, estudando cada movimento meu com atenção quase obsessiva. A maneira como seus dedos se apertavam discretamente contra a lateral da coxa quando passava por mim no corredor. O ritmo da sua respiração mudando levemente quando nossos ombros se roçavam por acidente. Detalhes que qualquer pessoa normal ignoraria.Mas eu não era normal.Cada pequeno sinal dele vibrava dentro de mim como uma corrente elétrica. Meu corpo captava coisas que eu não conseguia explicar. O cheiro amadeirado dele ficava mais forte quando eu estava p