Damian
O escritório estava silencioso, exceto pelo tique-taque distante do relógio e pelo zumbido discreto do ar-condicionado. O ar carregava um peso que eu não sabia explicar, como se algo estivesse fora do lugar, errado de uma maneira que eu não conseguia identificar.
Quando a porta se abriu, me mantive de costas, ouvindo com atenção os passos suaves sobre o carpete. Virei o rosto, meu olhar vagando de forma automática, sem realmente me importar com a candidata da vez. Mas assim que meus olhos pousaram nela, algo dentro de mim se agitou.
A mulher à minha frente tinha uma presença inquietante. Não por algo óbvio. Não era sua postura, ainda que ela mantivesse o queixo erguido, tentando parecer confiante, nem sua aparência, por mais que houvesse algo nela que me atraísse de maneira absurda. Era outra coisa que não conseguia explicar com palavras.
Seus olhos verdes encontraram os meus, e por um breve instante, senti um choque percorrer minha espinha. Um alerta primitivo, como se um fragmento esquecido dentro de mim tentasse lembrar de algo que não existia. Mas o que mais me incomodava era a sua essência, ou a falta dela.
Ela era humana.
Nada em seu cheiro indicava uma loba. Nenhum traço do que eu reconheceria instintivamente. Apenas a suavidade do perfume de baunilha e algo mais sutil, algo que me fazia querer me aproximar, embora cada instinto em mim gritasse que aquilo era um erro.
— Seu nome. — Minha voz soou mais áspera do que eu pretendia.
Ela engoliu em seco antes de responder.
— Lin. — O nome saiu suave, mas o suficiente para causar uma reviravolta desconfortável no meu estômago.
"Lin".
O som não parecia certo. Como se fosse uma mentira ou um eco distorcido de algo que deveria ser diferente. Algo dentro de mim odiou aquele nome, e isso me irritou mais do que eu gostaria de admitir.
— Sente-se, senhorita Lin. Isso será interessante. — Me sentando, inclinei-me para frente, entrelaçando os dedos sobre a mesa, observando cada detalhe dela. Como seus cabelos avermelhados pareciam lutar para se soltarem do coque atrás de sua cabeça. O modo como suas mãos repousavam sobre o colo, os ombros rígidos, a forma como seu olhar se mantinha fixo em mim, como se quisesse me desafiar.
Ela não desviava o olhar.
Isso me fez sorrir, frio e calculado.
— Vejo que não tem experiência relevante para a vaga. — Passei os olhos pela pasta que minha assistente havia preparado. Era um currículo fraco, para dizer o mínimo.
— Eu aprendo rápido — ela rebateu, mantendo a voz firme.
Inclinei a cabeça levemente, avaliando sua expressão. Havia algo de familiar nela, mas por mais que tentasse puxar qualquer memória, encontrava apenas um vazio irritante.
— Aprender rápido não é o suficiente quando se trata dos meus negócios, senhorita Lin. — Me recostei na cadeira, observando-a com mais intensidade. — Me diga, por que exatamente decidiu se candidatar para esta empresa?
Ela hesitou por um momento antes de responder.
— Porque preciso do emprego.
— Isso qualquer um aqui precisa — retruquei de imediato, mantendo minha expressão impassível. — Mas você, especificamente, por que quer trabalhar na Blackthorn Enterprises?
Ela se mexeu na cadeira, desconfortável.
— Porque ouvi dizer que pagam bem. E eu preciso ajudar a minha família.
Minha sobrancelha arqueou ligeiramente.
— E o que exatamente faz a sua família?
Houve outra pausa. O leve franzir de sua testa me disse que ela estava escolhendo suas palavras cuidadosamente.
— São pessoas simples. Trabalhadores honestos.
Uma resposta vaga. Boa o suficiente para alguém sem algo a esconder, mas genérica demais para não chamar minha atenção. Cruzei os braços, analisando-a mais de perto.
— Interessante.
A mandíbula dela se contraiu levemente, mas sua postura permaneceu firme. Ela não gostava do que eu estava fazendo, e eu sabia disso. Mas o desconforto dela somente me incentivou a continuar.
— Me fale sobre você, senhorita Lin. — Deixei a pasta com seu currículo de lado e foquei minha atenção inteiramente nela. — Onde nasceu? Qual seu histórico profissional?
Ela piscou, e naquele momento, vi algo cruzar seus olhos. Algo que se assemelhava a... medo?
— Eu… morei em vários lugares — respondeu, desviando por um instante o olhar para a janela. — Trabalhei no comércio local, nada muito grande.
Outro lampejo de incômodo atravessou meu peito. Algo não estava certo.
— E antes disso? — continuei, forçando um sorriso afiado.
— Não acho que meu passado importe para a vaga, senhor Blackthorn. — Seus olhos voltaram para mim, desafiadores.
Meu sorriso aumentou. Ela era esperta.
— Oh, mas importa. — Mantive meu tom leve, mas firme. — Preciso saber com quem estou lidando.
Ela permaneceu em silêncio por alguns segundos, e aquilo me irritou. O modo como ela evitava as perguntas, como se estivesse deliberadamente tentando esconder algo. Havia um jogo acontecendo ali, e eu queria saber as regras.
— O que exatamente o senhor quer saber? — Ela quebrou finalmente o silêncio, cruzando os braços.
Me inclinei levemente para frente, aproximando-me o suficiente para sentir o leve perfume de baunilha que vinha dela.
— Quero saber o que exatamente você está fazendo aqui. — Minhas palavras saíram mais baixas, carregadas de intenção.
A tensão entre nós se tornou palpável. Eu podia ouvir sua respiração acelerar, ver a contração quase imperceptível de seus dedos contra a barra da saia.
E então, como se se lembrasse de algo, sua expressão se suavizou.
— Estou apenas buscando uma oportunidade — respondeu, agora mais controlada.
Mentirosa.
Mas uma mentirosa convincente.
Me recostei novamente, observando-a por mais alguns segundos. Havia algo nela que me atraía de maneira absurda, algo que fazia com que cada fibra do meu ser gritasse para que eu descobrisse mais.
E isso me irritava.
— Certo. Última pergunta. — Bati o dedo indicador sobre a pasta, inclinando levemente a cabeça. — Por que acha que alguém como você, sem experiência e sem um histórico profissional relevante, merece uma vaga na minha empresa?
Ela me olhou nos olhos, e por um segundo, vi um lampejo de desafio.
— Porque eu nunca desisto.
O brilho em seus olhos, tão determinados e atrevidos, até mesmo sua postura orgulhosa, mesmo que seu cheiro mostrasse hesitação e medo. A mulher diante de mim atraia a minha atenção como nenhuma outra jamais fez. Com exceção de uma.
Aquele mistério, eu desejava desvendá-lo de alguma maneira.
LinO escritório parecia menor, como se o ar estivesse sendo lentamente drenado dali. Meu peito subia e descia em um ritmo que eu não conseguia controlar, e minhas mãos estavam frias, mesmo que o ambiente não fosse gelado. Não era apenas o escritório… era ele.Damian Blackthorn.Sentada naquela cadeira de couro impecável, eu sentia o olhar dele queimando sobre mim como uma lâmina afiada, analisando cada detalhe, esperando qualquer sinal de fraqueza. Mas eu não cederia. Não diante dele.A entrevista deveria ter terminado há muito tempo. Qualquer outro candidato já teria sido dispensado. Mas Damian parecia se divertir prolongando aquilo. Cada pergunta carregava um tom afiado, cada provocação trazia uma faísca de algo que eu não conseguia decifrar.Ele me estudava. Testava. E eu não sabia por quê.— Então, senhorita Lin — ele quebrou o silêncio, tamborilando os dedos na mesa. O som ritmado ecoava pelo ambiente, marcando cada segundo de tensão. — Além de nunca desistir, que outras qualida
O vento cortante da noite balançava as cortinas finas da janela do quarto, mas o frio que percorria minha pele vinha de dentro. Meus dedos apertavam a borda da mesa da cozinha, meus olhos fixos nos papéis espalhados à minha frente. Os números eram cruéis. O dinheiro que tínhamos não seria suficiente para pagar a dívida.Dois dias haviam se passado desde a visita dos homens do banco. Dois dias que passaram como uma névoa de preocupação e incerteza. Henry e Margaret tentavam agir como se tudo estivesse sob controle, mas eu via as olheiras sob seus olhos, os sussurros abafados quando pensavam que eu não estava ouvindo.Eles estavam assustados.E eu não sabia o que fazer para lhes dar o mínimo de paz.— Isso é um absurdo. — A voz de Eva me trouxe de volta à realidade. Ela puxou uma das cadeiras e se jogou nela, cruzando os braços. — Eles não podem simplesmente tomar a casa do nada!— Eles podem, sim. — Minha voz saiu baixa, cansada. Tudo que Henry e Margaret construíram poderia desaparece
O vento cortante da noite chicoteava minha pele enquanto eu caminhava de volta para casa. Mas o frio que percorria minha espinha tinha outro motivo. Meu peito pesava, como se um nó invisível apertasse cada vez mais meus pulmões."Case-se comigo."As palavras de Damian ainda ecoavam na minha mente. Ele as disse como se estivesse me oferecendo um contrato qualquer, como se minha vida fosse um detalhe insignificante diante de seus negócios. Não havia emoção, hesitação ou um traço sequer de humanidade na proposta. Apenas uma certeza cruel: eu não tinha escolha, apenas aceitar.O peso da decisão me esmagava. Eu sabia que ceder significava renunciar a qualquer chance de liberdade. Mas recusar… significava condenar Henry e Margaret.Ao me aproximar da casa, parei ao ouvir as vozes abafadas de meus avós. Eles raramente discutiam, mas o desespero nos tons baixos e trêmulos era inconfundível. Parei diante da porta, me mantendo em silêncio.— Não podemos contar para ela, Henry. — A voz de Margar
O silêncio daquela casa era ensurdecedor. Desde que me mudei para a mansão Blackthorn, tudo parecia sufocante, como se eu estivesse presa em um lugar sem vida. Era como se as paredes quisessem me lembrar constantemente de que eu não pertencia ali. Damian passava o tempo todo fora, saindo antes do amanhecer e voltando tarde da noite, evitando qualquer tipo de contato. Mesmo que tivéssemos assinado um contrato de casamento, éramos estranhos dividindo o mesmo espaço.No primeiro dia, tentei ignorar essa realidade. Me ocupei explorando os cômodos vazios e impessoais, buscando qualquer vestígio de que Damian realmente vivia ali. Mas não havia nada. Somente um ambiente impecável, sem qualquer rastro de personalidade. O lugar inteiro parecia um museu abandonado, onde ninguém deixava marcas de sua presença.No segundo dia, liguei para Henry e Margaret, sentindo um nó no estômago ao ouvir suas vozes. Eles pareciam aliviados ao saber que eu estava bem e empolgados com a promessa de que logo a d
Capítulo 8: Entre Quatro ParedesO som da chuva contra as janelas ecoava pela mansão silenciosa, cada gota estalando no vidro como um sussurro persistente. O vento uivava lá fora, sacudindo as árvores e fazendo as janelas vibrarem levemente. A tempestade havia começado há algumas horas, mas parecia que ficaria mais intensa com o passar da noite.A casa estava mergulhada em escuridão, exceto pela luz amarelada de um abajur no canto da sala. Eu estava encolhida no sofá, abraçando minhas pernas, tentando ignorar o peso que aquela noite trazia e a sensação sufocante de solidão que parecia se intensificar a cada trovão que cortava o céu. Havia algo de inquietante naquela tempestade, algo que mexia com meu subconsciente.Me deitei no sofá, sem coragem para subir para o quarto. Fechei os olhos, respirando fundo, tentando encontrar um pouco de paz, mas assim que o sono começou a me envolver, ele trouxe consigo imagens que não pareciam fazer sentido.Chamas. Sombras distorcidas. E olhos doura
A ideia parecia absurda desde o começo. Um jantar especial para Damian? Para um homem que me tratava como uma sombra dentro daquela casa? Eu não fazia ideia do que Eva queria provar com essa ideia maluca, mas, ali estava eu, diante do fogão, mexendo em uma panela com um olhar perdido.— Você vai acabar queimando isso. — A voz divertida de Eva me fez revirar os olhos.— Talvez essa seja a minha intenção. — Suspirei, sentindo o calor do vapor subir pelo meu rosto.Ela se aproximou, pegando uma faca e começando a cortar alguns vegetais.— Lin, eu sei que ele é um idiota. Mas algo me diz que ele não é completamente um caso perdido.— Acho que ele faz questão de ser um caso perdido. — Eva me olhou por um instante antes de dar de ombros.— Talvez. Mas a única forma de descobrir é tentando. E você sabe que quer tentar.Eu não respondi. O problema era que ela estava certa. Desde o momento em que Damian me cobriu com aquela manta, um conflito crescia dentro de mim. Ele passava o tempo todo fin
O ar parecia mais pesado desde o jantar da noite anterior. Havia algo diferente no jeito que Damian me olhava, e eu tinha certeza de que não era imaginação minha. Ele continuava mantendo a distância, se refugiando em sua frieza habitual, mas eu percebia os detalhes. A maneira como seus olhos dourados pousavam em mim quando ele achava que eu não estava olhando. Como sua postura ficava rígida quando eu passava por perto.Eu não sabia dizer o que aquilo significava. Mas, se Damian Blackthorn acreditava que poderia esconder algo de mim, estava muito enganado.Naquela manhã, a casa estava silenciosa como sempre. O café da manhã foi solitário, como de costume, mas enquanto mexia no chá quente entre os dedos, senti aquela presença familiar. Levantei os olhos e, como esperado, Damian estava parado próximo à porta da cozinha, observando-me. Seus braços estavam cruzados sobre o peito, e as tranças caíam sobre seu ombro, dando a ele um ar perigosamente despreocupado.Ele me olhava de um jeito di
A manhã estava cinzenta, refletindo perfeitamente meu estado de espírito. A chuva fina escorria pelas janelas da mansão Blackthorn, enquanto o ar frio do lado de fora parecia contrastar com o calor que queimava sob minha pele desde a noite anterior. Desde o momento em que ouvi Damian murmurar aquele nome em meio ao sono.Ayla.A palavra girava em minha mente sem descanso, me corroendo com perguntas para as quais eu não tinha respostas. Quem era ela? O que significava para ele?Tentei me convencer de que aquilo não me afetava, mas era inútil. Se Damian ainda pensava em outra mulher, então por que os momentos de hesitação? Por que o jeito como ele me olhava quando achava que eu não estava vendo?Passei o dia tentando ignorar o desconforto crescente no meu peito, mas a dúvida pesava mais a cada hora. Eu precisava de respostas.Quando a noite caiu, esperei por ele. O som da porta da frente se fechando ecoou pela casa, e meu corpo ficou tenso. Eu estava sentada na beira da poltrona da sala