— Que intimidade é essa? — A porta da cela se abriu e, aos poucos, a pequena sala se encheu. O guarda que tinha se tornado meu amigo naqueles meses, e, devido aos seus cuidados, eu ainda conseguia me manter viva, se levantou devagar, me ajudando a apoiar as costas na parede. Por mais que eu estivesse sentada na cama, não tinha forças para ficar reta.
— Quando aplicamos a dose de Wolfsabe nela, a menina fica sem forças. O que o alfa viu foi só um cuidado paternal; ela lembra muito minha irmã. — Jonathan não deixou ele terminar e pediu para ele calar a boca. — Sim, Alfa. — Ele virou o rosto para mim e pediu desculpas, se afastando da cama. — Acenda a luz dessa sala. E que fedor é esse? — Jonathan falou novamente. — Desculpe, meu alfa, mas todos os prisioneiros só têm direito a um banho por semana. — Foi a vez do meu amigo guarda responder. — Como vocês podem tratar minha irmã dessa forma? — A voz de Túlio me fez levantar a cabeça e olhar para ele. Meu irmão sorriu e piscou o olho esquerdo para mim. — Por mais que você seja o beta e meu braço direito, não esqueça que sua irmã está presa por matar sua outra irmã. — A minha Tamara não seria capaz de machucar nem mesmo uma formiga, quem dirá sua outra metade. — Eu estava de cabeça baixa, mas consegui reconhecer aquela voz como a de Eliot. — Sua Tamara? — Jonathan perguntou, rosnando. — Pois acho bom você procurar formas para inocentar a sua Tamara, pois só os chamei aqui para informar que amanhã será o dia do julgamento dela e, sem provas, não terá piedade dela. — Levantei minha cabeça e olhei para ele, e o mesmo mantinha seus olhos em mim. — Você tem algo a falar? — Ele direcionou a palavra a mim. — Aproveite; talvez essa seja sua última chance. — Eu ouvi dizer que no mundo humano eles têm direito a uma última refeição quando estão no corredor da morte, então eu posso ter direito a pelo menos um pedido antes do grande dia? — Você quer comer algo antes de morrer? — Jonathan perguntou, cheio de ironia, mas eu neguei. — Então o que você irá pedir? Talvez eu possa pensar no seu caso. — Eu quero uma tesoura. — Ele sorriu ao ouvir meu pedido. — Não irei tirar o prazer de você de me matar. — Parece que eu li seus pensamentos, pois ele parou de rir e me fuzilou com os olhos. — Eu só quero cortar minhas unhas. — Menti, pois eu tinha outros planos para a tesoura. — Dê a tesoura a ela e fique de olho para ela não tentar nada. — O alfa ordenou ao guarda que se tornou meu amigo, e ele acenou que sim. — Ah! Faça ela banhar antes do julgamento, pois só esse tempo que eu passei aqui me deu ânsia. — Alfa, eu posso ter um momento a sós com minha irmã? — Túlio perguntou. — Vou conceder dez minutos para você se despedir dela. — Ele foi saindo da cela, mas deu uns passos atrás. — Está esperando o que para sair daqui, Eliot? — Quero ter um tempo com ela também. — E o que te dá esse direito? — Sua voz ficou mais fria do que o habitual. — Eu a amo, isso está bom para o senhor, alfa? — Ele não me amava; Eliot e eu sempre fomos amigos. Sabia que o amor que ele sentia por mim era igual ao de Túlio, apenas de irmãos. — Você a ama? — Eliot disse que sim. — Como você pode amar a companheira do seu alfa? — Ela não é sua companheira, não mais. — Eliot foi agarrado pelo pescoço; nunca vi um lobo agir tão rápido, igual ao lobo de Jonathan. — Cai na real, Jonathan, você a rejeitou segundos após descobrir que ela era sua companheira e ainda quer manter a pose de dono dela. — A voz do meu amigo saiu engasgada. — Seu merda! — O rosnado do alfa saiu alto, fazendo toda a sala tremer, mas antes que o pior acontecesse, Túlio entrou entre nós dois. — Eliot, acho melhor você sair também. Vai verificar aquele assunto; temos menos de vinte e quatro horas e não podemos deixar nada de fora. — Eliot confirmou e, mesmo contrariado, ele saiu da minha cela, mas antes ele veio até mim e beijou minha testa. — Que garotinha vulgar você é. Por esse e muitos motivos, eu escolheria Talita sem pensar duas vezes. — E a única coisa que posso fazer é agradecer a Selene por ter me dado um companheiro tão leal quanto você. Ah! Verdade, você não é mais meu companheiro. — Ele rosnou e veio em minha direção, mas Túlio se meteu novamente à sua frente. — Pacto de Amigos! — Jonathan parou e olhou para meu irmão. — Você tem certeza de que vai usar sua parte do pacto de amigos por uma pessoa que não vale nada? — Sim, agora te peço para sair e fechar a porta. Eu preciso ter esse tempo a sós com a minha caçula. — Como você quiser. Aproveite esse momento, pois amanhã você não terá mais oportunidade. — Até daqui a pouco, Jonathan. — Ele saiu da cela, mas foi o caminho até a porta olhando para mim. No segundo antes dele fechar a porta, ele lembrou meu irmão de que ele tinha apenas dez minutos. — Como você está, maninha? — Ele me abraçou. — Infelizmente, ainda estou viva. — Minha voz saiu como um sussurro. — Não diga isso, por favor. Vamos conseguir te libertar daqui. — Ele se ajoelhou no chão para ficar da minha altura. — Amanhã você terá sua vida de volta e quero que saiba que estarei sempre ao seu lado. — Túlio? — Oi! Maninha, pode falar o que você quiser; estarei aqui para te ouvir. — Quantas doses de Wolfsabe são precisas para se matar um lobo? — Você teria que tomar diariamente durante um mês todo, mas você não corre o risco, pois a ordem de Jonathan foi um dia sim e outro não. — Eu concordei com ele. — Amanhã seu julgamento será cedo e não se preocupe, eu estarei ao seu lado. — E nossos pais? — Perguntei na esperança de vê-los antes da minha sentença. — Sinto muito, maninha, mas eles não acreditam na sua inocência. — Já esperava por isso. — Uma lágrima rolou em meu rosto. — Acho melhor você ir agora; não quero que se machuque por minha culpa. — Eu amo você, tata. Fique bem. — Ele saiu da cela, me deixando sozinha com meus pensamentos e com as minhas culpas. Eu só esperava que o julgamento fosse rápido e que Jonathan colocasse um fim na minha vida de uma vez por todas.No dia seguinte à visita do alfa e de seus aliados em minha cela, eu fui obrigada a tomar um banho em uma água muito gelada. Ainda estava fraca pela dose de Wolfsabe que aplicaram em minhas veias na noite anterior. Meus lábios tremiam violentamente devido ao choque do frio da água com meu corpo; não conhecia nenhum lobo que aguentaria banhar-se em uma água tão gelada, mas tinha certeza de que não era aquela água que iria me matar. Antes de entrar no banho, eu peguei a tesoura que um dos guardas me deu e a levei para o banheiro. Cortei minhas unhas como realmente havia falado que faria e, ao passar as mãos pelos meus cabelos, separei mechas por mechas e as cortei. Nunca tinha cortado o cabelo curto, mas o cabelo comprido me lembrava de Talita e me deixava igual a ela. Eu não tinha o direito de morrer parecida com ela, então mudei meu cabelo; pelo menos assim estaria um pouco diferente. Dois guardas agarraram meus braços, um de cada lado, e me levaram para o local onde aconteceria meu
— Você não pode estar falando sério? — Jonathan perguntou, e eu disse que estava falando muito sério. — Você sabe que se desligar da alcateia é ter que se desligar de todos nela? — Eu olhei para Eliot e Túlio, que pediam para eu reconsiderar, mas eu já tinha decidido. — Desculpe. — Falei, olhando para eles. Virei meu rosto para Jonathan e disse: — Eu, Talita Marinho, quebrou agora. — Filha, não faça isso. — Meu pai pediu, vindo em minha direção. — Foi tudo um mal-entendido, não me faça perder outra filha. — Eu não sou sua filha. Pode pensar que tuas duas filhas morreram pelas mãos daquele desgraçado naquela noite, na floresta. — Apontei para o homem no chão, levantei minha cabeça novamente e mirei meus olhos em Jonathan. — Tamara, pense bem. — Jonathan falou, vindo em minha direção. — Você não pode tomar uma decisão tão séria de cabeça quente. — Ele tentou colocar as mãos em meus ombros, mas eu me afastei. — Eu, Tamara Marinho, com o poder e a misericórdia da deusa Selene, qu
Eu me via como um homem feito de concreto; não havia suavidade em mim ou no meu jeito de ser. Gostava de ter tudo em ordem; se algo saísse fora do planejado, eu enlouquecia. É por esse motivo de gostar de ter tudo em ordem que não gostei de saber que minha companheira era outra e não minha namorada Talita. Eu conhecia todos da família Marinha, sabia que Talita era gêmea, mas nunca tinha visto Tamara de perto; ela sempre foi bem reservada, nunca gostou de sair de casa, o que era o oposto de Talita, que sempre amou estar em lugares cheios. Foi assim que fiquei encantado por ela e pedi-a em namoro. — Você me ama? — Ela perguntou no momento em que a pedi em namoro. — Não, eu nunca amei ninguém, mas, pelo que vejo, não há ninguém melhor do que você para governar a alcateia ao meu lado. — E se, após eu aceitar ser sua namorada, você encontrar sua companheira? — Se ela for alguém de quem eu não me agradar, eu a rejeito, pois você tem tudo para ser minha companheira e tenho certeza de
Aquele beijo me deixou desnorteado, meu lobo vibrava dentro de mim, meu corpo formigava, e eu ainda podia sentir a eletricidade que senti pelo seu beijo. Nosso beijo não deveria ter acontecido, meu coração não podia bater da forma que batia pela irmã da minha futura lua. Me arrependi de ter aceitado o pedido de Talita para conhecer seus pais. Não deveria ter pisado meus pés naquela casa. Como vou viver minha vida ao lado de uma mulher e desejando a sua irmã? Isso era coisa que apenas um moleque faria, mas eu passaria uma borracha em meus sentimentos, me casaria com a mulher que tinha o potencial alto para governar a alcateia ao meu lado, e o que estivesse crescendo em meu peito por Tamara seria trancado por sete chaves. Escutei alguém passar próximo à porta do escritório, e meu coração voltou a bater acelerado; parecia que naquele momento nada em mim funcionava, não consegui distinguir quem estava próximo à porta pelo cheiro. — John, sou eu. — Voltei a respirar após ouvir a voz do me
Meu casamento com Talita já estava marcado para uma semana após seu aniversário de dezoito anos. Meus sogros estavam radiantes por sua filha ser a companheira do alfa, mas, ao contrário deles, meus pais não aceitaram muito bem. Eles gostavam muito de Talita, só que a vontade deles era que eu esperasse minha companheira, pois, como mamãe falava, eu só seria feliz por completo quando encontrasse aquela que fosse destinada pela deusa Selene para mim. Mas eu tinha convicção de que não existiria uma única mulher no mundo que fosse melhor que Talita. Ela compreendia bem qual seria o seu objetivo ao meu lado. Ela tinha um espírito bom, e o desejo de Talita era poder ajudar as pessoas. Ao meu lado, ela teria todo o poder que desejasse, sem precisar pedir autorização para ninguém, pois apenas uma pessoa teria mais poder do que ela, e esse seria eu. Após o dia em que fui pedir a mão de Talita, evitei ao máximo repetir a visita. Estava sempre procurando me ocupar apenas para não ir à casa del
Eu pedi para meus pais que organizassem uma bela festa para as gêmeas, já que naquela noite seria o dia em que eu pediria a mão de Talita em casamento. Estava esperando sua bola despertar. Minha mãe organizou uma festa com tudo que tinha direito e tinha certeza de que Talita amaria cada detalhe escolhido por ela. Eu não tinha como saber do que Tamara gostava, pois nunca tive o prazer de me sentar ao seu lado, nem mesmo por um segundo. Tamara sempre fugia de mim, igual a um rato que foge quando vê um gato. No nosso último encontro no escritório do pai dela, ela mal olhou para mim e ficou conversando com Túlio, como se estivesse apenas os dois ali. Eu não podia reclamar, pois ela estava tão entregue à conversa e à brincadeira entre eles que sorria; ela estava tão solta, tão leve, o que aqueceu meu coração. Eu e Tamara tivemos nosso minuto a sós; ela disse que estava com sede, o que fez Túlio levantar e dizer que iria pegar algo para beber. — Você vem comigo, Jonathan? — ele perguntou
Talita se aproximou e me abraçou. Eu ainda estava com os olhos fixos em Tamara e não conseguia acreditar que a deusa havia feito aquela palhaçada comigo. Eu queria Talita como minha lua; não iria trocar uma que todos amavam por uma que quase ninguém lembrava da existência. Se bem que, parando para pensar, era estranho a forma como meu corpo reagia a Tamara; apenas com o seu perfume, ela deixava meu lobo louco. — O que está acontecendo aqui? — Ela olhou para nós dois. — Maninha, eu não te vi durante a festa. Onde você estava? — Vim ver se Eliot estava por aqui, mas não o encontrei. — Eu rosnei ao ouvir o nome de outro homem sair da sua boca. — O que você tem, Jonathan? — Perguntou Talita. — Infelizmente, é ela! — Essa frase fez meu coração sangrar, pois ele já amava Tamara. — O que tem minha irmã? — Vi em seus olhos o exato momento em que sua ficha caiu. — Sua companheira é a minha irmãzinha? E agora, o que vamos fazer? — Talita chorou e eu a abracei. — Eu quero você, meu am
Era muito difícil viver longe de tudo que era meu. Nunca pensei que sentiria falta da alcateia, mas me enganei, pois eu sentia muita falta. Nos seis meses posteriores à minha saída da alcateia, ainda me encontrava bastante machucada. Minhas noites ainda eram assombradas pela imagem de Talita deitada no chão daquela floresta coberta de sangue; evitava dormir ao máximo só para não ter aqueles pesadelos. Sentia falta do meu irmão Túlio a cada segundo do dia. Queria ter tido a oportunidade de ter trazido comigo pelo menos meus livros no dia em que saí da alcateia, mas, pelo que eu conhecia do meu pai, sabia que ele descontou a raiva e a desilusão por perder sua filha preferida nos meus livros. Ele tentaria me fazer sentir pelo menos um pouco da dor que ele sentiu. Só que não haveria dor pior do que ver sua irmã ser morta à sua frente e você não poder salvá-la. Um ano e meio depois, eu já morava em um pequeno apartamento. Ele era bem pequeno, mas aconchegante. Tinha poucos móveis, mas era