Na minha alcateia e em muitas outras das quais já ouvimos falar, os lobos eram reconhecidos por sua classe. Existem aquelas mais respeitadas, que são os alfas e seus braços direitos; e há as que ninguém se importa, os ômegas. Eu nasci em uma família que se considerava o braço direito dos alfas. Cada membro da minha família era considerado importante na alcateia. Eu também era um dos membros importantes, até o fatídico dia em que perdi a minha irmã e fui culpada pela sua morte. Desde então, lembrar daquele dia não é fácil, não quando sua irmã também era sua melhor amiga e a mulher que o futuro alfa da alcateia mais amava.
— -—-—-—-—-—-—-—-—-—- Eu me chamo Tamara Marinho, faço parte de uma família de betas e, além de mim, meus pais tiveram mais dois filhos. Talita nasceu no mesmo dia e hora que eu; a diferença é de apenas uns 10 minutos. Éramos as únicas gêmeas da alcateia. Túlio, meu irmão mais velho, dizia para nós que, assim que nascemos, muitos dos velhos da alcateia se espantaram, dizendo que o nascimento de gêmeos na nossa raça de lobisomens não era normal. Meu irmão contou que os loucos pediram para que meu pai matasse uma de nós, pois uma sempre traria maldição para a outra. Agora, eu tinha certeza de que meu pai deveria ter ouvido aquele homem e ter acabado com a minha vida no dia do nascimento, pois talvez assim minha irmã ainda estaria viva e casada com o amor da sua vida. No dia do meu aniversário de dezoito anos (e o de Talita), fomos convidadas para uma festa na casa do Alfa Joel. Talita estava linda! Eu tinha certeza de que fui chamada para essa festa apenas porque era o mesmo dia dela; por mim, eu ficaria em casa. Todavia, meus pais nunca deixariam isso acontecer; afinal, eles sempre procuravam um motivo para me colocarem de castigo. Diariamente, eles reclamavam de qualquer coisa que eu fazia. Os únicos que me tratavam bem eram Talita e Túlio. Na verdade, meus pais não tinham um filho favorito, mas eu era a única que não via futuro em nada. Túlio era beta da alcateia e Talita namorava o novo alfa. E eu? Eu era apenas mais uma beta em nossa família. Então, eu me tornei a menos favorita dos meus pais, por assim dizer. Minha mãe comprou um vestido lindo para Talita, e para mim ela comprou um... digamos... “normal”. A desculpa que ela deu foi que aquela noite seria importante para minha irmã, pois ela conheceria sua loba e seu companheiro. E eu? Como eu ficava naquela equação? Tinha que fazer o que eles mandavam, mesmo que isso me machucasse, pois ver minha irmã tão feliz com o garoto de quem eu era apaixonada desde muito novinha me rasgava por dentro. Jonathan, o novo alfa da alcateia e namorado da minha irmã, foi o meu primeiro amor. O que me doía era ver que ele sempre me tratou de forma diferente da que tratava minha irmã. Mas eu engolia toda a tristeza, fingia que não enxergava a felicidade deles e da minha família por eles estarem juntos. Jonathan e Talita já estavam fazendo planos, resolvendo se casar logo depois que fossem revelados como companheiros um do outro. Porém, nem tudo está sob nosso controle, não é mesmo? Às vezes, a Deusa Selene tira nossas vidas do eixo para nos mostrar quem é que manda. Ao chegarmos à casa do Alfa Joel, fomos recebidos com todos cantando parabéns para mim e minha irmã; porém, os olhos de muitos estavam voltados para Talita. Eu já não me importava mais com nada daquilo. Estava começando a imaginar que não fazia parte daquele mundo, daquela família e muito menos daquela alcateia. — Tente sorrir um pouco, maninha. — Túlio me abraçou. — Sei que está um porre para você, mas tente aproveitar; essa festa também é para você. — Me sinto uma intrusa no meio de vocês. — Minha irmã se afastou de mim quando Jonathan segurou sua mão. — Sei que é difícil ver os dois juntos, mas pense pelo lado positivo: talvez à meia-noite você possa encontrar teu companheiro e não vai nem lembrar de alguém. — Túlio era o único que tinha conhecimento sobre meus sentimentos pelo seu melhor amigo. — Meu maior sonho seria que Deus me revelasse, através da minha loba, que esse lugar não é para nós. — Meu irmão me abraçou, pedindo para eu nunca mais repetir aquelas falas, pois ele não saberia viver sem mim. Meus pais chamaram Túlio para conversar com o alfa Joel, me deixando mais uma vez sozinha. Procurei entre as pessoas por Eliot, o gama da alcateia, mas ele deveria estar em alguma missão. Lembro que um dia ele me disse que, se eu não o visse em alguma festa, era porque naquele dia ele estava estraçalhando algum traidor. Como não encontrei ninguém para conversar, resolvi ir até o quintal da casa do alfa, que ficava perto da floresta, e só me dei conta de que tinha caminhado muito quando me vi entre muitas árvores; eu adentrei a floresta sem nem perceber. A escuridão me assustou, então voltei o mais rápido possível para o jardim do alfa. Sentei-me em um banco e fiquei de costas para o lugar da festa. Comecei a sentir um cheiro amadeirado, com um toque cítrico. Senti uma mão em meu ombro e ouvi uma voz que transmitiu ondas elétricas a todo o meu corpo. — Companheira. — Gelei, pois eu conhecia aquela voz; meu corpo também sentiu nossa ligação, mas o que ele falou a seguir me despedaçou. — Eu sabia que era você, meu amor; sabia que você era minha companheira. Vem, Talita, vamos contar a todos. — Engoli em seco o que estava se formando em minha garganta e, por fim, falei. — Cabelo igual, rosto igual e até o corpo tem a mesma medida. — Ainda sentada, eu virei o rosto para ele e disse: — Mas errou o vestido. — Ele rosnou, se afastou de mim, limpando a mão em suas roupas como se meu corpo estivesse cheio de lepra. Vi a minha irmã se aproximando de nós dois, e ali, naquele momento, eu percebi que realmente o vestido dela era muito mais bonito que o meu.Enquanto minha irmã se aproximava do seu namorado, que também se revelou ser meu companheiro, percebi que, por mais que fôssemos tão idênticas, algo nos tornava tão diferentes. Talita caminhava cheia de graça; até a forma como ela sorria diferia da minha. Minha irmã chegou perto de Jonathan e o abraçou. Senti uma vibração dentro de mim, mas foi o oposto do que senti ao ouvi-lo me chamando de companheira. — O que está acontecendo aqui? — Ela olhou para nós dois. — Maninha, eu não te vi durante a festa. Onde você estava? — Vim ver se o Eliot estava por aqui, mas não o encontrei. — Jonathan rosnou novamente. — O que você tem, Jonathan? — Talita olhou para ele, o questionando. — Infelizmente, é ela! — Ele me olhou com ódio nos olhos. — O que tem minha irmã? — Talita questionou, mas ao ver como ele estava me olhando, teve logo sua resposta. — Sua companheira é a minha irmãzinha? — Nunca gostei de ouvir ela me chamando daquela forma. — E agora, o que vamos fazer? — Seu choro aument
Ainda agarrada à minha irmã, eu concordei com a pergunta que Jonathan me fez. Voltei à minha forma humana, me agarrei ao corpo da minha irmã e balancei a cabeça, concordando. Eu fui a única culpada pela morte de Talita, minha irmã gêmea. O que seria de mim sem minha outra metade? Senti alguém me cobrindo e, pelo carinho e pela voz, percebi que era meu irmão. — Vem, Tamara, deixem levar o corpo de Talita. Vou te levar para casa. — Ouvi meu irmão chorando, e meus pais também, o que rasgou ainda mais minha alma. — Ela não vai a nenhum lugar que não seja a cela da prisão. — O namorado de minha irmã falou. — Jonathan, minha irmã não é esse monstro que você está pensando. Elas se amavam, eram carne e unha. — Mas ele teve um motivo bem mais forte para matar a minha namorada. — Só então percebi que ele também chorava pela morte da minha irmã. — E qual motivo seria esse, meu filho? — Creio que a voz que ouvimos era do alfa Joel. Eu estava tão destruída que não conseguia olhar para nin
— Que intimidade é essa? — A porta da cela se abriu e, aos poucos, a pequena sala se encheu. O guarda que tinha se tornado meu amigo naqueles meses, e, devido aos seus cuidados, eu ainda conseguia me manter viva, se levantou devagar, me ajudando a apoiar as costas na parede. Por mais que eu estivesse sentada na cama, não tinha forças para ficar reta. — Quando aplicamos a dose de Wolfsabe nela, a menina fica sem forças. O que o alfa viu foi só um cuidado paternal; ela lembra muito minha irmã. — Jonathan não deixou ele terminar e pediu para ele calar a boca. — Sim, Alfa. — Ele virou o rosto para mim e pediu desculpas, se afastando da cama. — Acenda a luz dessa sala. E que fedor é esse? — Jonathan falou novamente. — Desculpe, meu alfa, mas todos os prisioneiros só têm direito a um banho por semana. — Foi a vez do meu amigo guarda responder. — Como vocês podem tratar minha irmã dessa forma? — A voz de Túlio me fez levantar a cabeça e olhar para ele. Meu irmão sorriu e piscou o olho
No dia seguinte à visita do alfa e de seus aliados em minha cela, eu fui obrigada a tomar um banho em uma água muito gelada. Ainda estava fraca pela dose de Wolfsabe que aplicaram em minhas veias na noite anterior. Meus lábios tremiam violentamente devido ao choque do frio da água com meu corpo; não conhecia nenhum lobo que aguentaria banhar-se em uma água tão gelada, mas tinha certeza de que não era aquela água que iria me matar. Antes de entrar no banho, eu peguei a tesoura que um dos guardas me deu e a levei para o banheiro. Cortei minhas unhas como realmente havia falado que faria e, ao passar as mãos pelos meus cabelos, separei mechas por mechas e as cortei. Nunca tinha cortado o cabelo curto, mas o cabelo comprido me lembrava de Talita e me deixava igual a ela. Eu não tinha o direito de morrer parecida com ela, então mudei meu cabelo; pelo menos assim estaria um pouco diferente. Dois guardas agarraram meus braços, um de cada lado, e me levaram para o local onde aconteceria meu
— Você não pode estar falando sério? — Jonathan perguntou, e eu disse que estava falando muito sério. — Você sabe que se desligar da alcateia é ter que se desligar de todos nela? — Eu olhei para Eliot e Túlio, que pediam para eu reconsiderar, mas eu já tinha decidido. — Desculpe. — Falei, olhando para eles. Virei meu rosto para Jonathan e disse: — Eu, Talita Marinho, quebrou agora. — Filha, não faça isso. — Meu pai pediu, vindo em minha direção. — Foi tudo um mal-entendido, não me faça perder outra filha. — Eu não sou sua filha. Pode pensar que tuas duas filhas morreram pelas mãos daquele desgraçado naquela noite, na floresta. — Apontei para o homem no chão, levantei minha cabeça novamente e mirei meus olhos em Jonathan. — Tamara, pense bem. — Jonathan falou, vindo em minha direção. — Você não pode tomar uma decisão tão séria de cabeça quente. — Ele tentou colocar as mãos em meus ombros, mas eu me afastei. — Eu, Tamara Marinho, com o poder e a misericórdia da deusa Selene, qu
Eu me via como um homem feito de concreto; não havia suavidade em mim ou no meu jeito de ser. Gostava de ter tudo em ordem; se algo saísse fora do planejado, eu enlouquecia. É por esse motivo de gostar de ter tudo em ordem que não gostei de saber que minha companheira era outra e não minha namorada Talita. Eu conhecia todos da família Marinha, sabia que Talita era gêmea, mas nunca tinha visto Tamara de perto; ela sempre foi bem reservada, nunca gostou de sair de casa, o que era o oposto de Talita, que sempre amou estar em lugares cheios. Foi assim que fiquei encantado por ela e pedi-a em namoro. — Você me ama? — Ela perguntou no momento em que a pedi em namoro. — Não, eu nunca amei ninguém, mas, pelo que vejo, não há ninguém melhor do que você para governar a alcateia ao meu lado. — E se, após eu aceitar ser sua namorada, você encontrar sua companheira? — Se ela for alguém de quem eu não me agradar, eu a rejeito, pois você tem tudo para ser minha companheira e tenho certeza de
Aquele beijo me deixou desnorteado, meu lobo vibrava dentro de mim, meu corpo formigava, e eu ainda podia sentir a eletricidade que senti pelo seu beijo. Nosso beijo não deveria ter acontecido, meu coração não podia bater da forma que batia pela irmã da minha futura lua. Me arrependi de ter aceitado o pedido de Talita para conhecer seus pais. Não deveria ter pisado meus pés naquela casa. Como vou viver minha vida ao lado de uma mulher e desejando a sua irmã? Isso era coisa que apenas um moleque faria, mas eu passaria uma borracha em meus sentimentos, me casaria com a mulher que tinha o potencial alto para governar a alcateia ao meu lado, e o que estivesse crescendo em meu peito por Tamara seria trancado por sete chaves. Escutei alguém passar próximo à porta do escritório, e meu coração voltou a bater acelerado; parecia que naquele momento nada em mim funcionava, não consegui distinguir quem estava próximo à porta pelo cheiro. — John, sou eu. — Voltei a respirar após ouvir a voz do me
Meu casamento com Talita já estava marcado para uma semana após seu aniversário de dezoito anos. Meus sogros estavam radiantes por sua filha ser a companheira do alfa, mas, ao contrário deles, meus pais não aceitaram muito bem. Eles gostavam muito de Talita, só que a vontade deles era que eu esperasse minha companheira, pois, como mamãe falava, eu só seria feliz por completo quando encontrasse aquela que fosse destinada pela deusa Selene para mim. Mas eu tinha convicção de que não existiria uma única mulher no mundo que fosse melhor que Talita. Ela compreendia bem qual seria o seu objetivo ao meu lado. Ela tinha um espírito bom, e o desejo de Talita era poder ajudar as pessoas. Ao meu lado, ela teria todo o poder que desejasse, sem precisar pedir autorização para ninguém, pois apenas uma pessoa teria mais poder do que ela, e esse seria eu. Após o dia em que fui pedir a mão de Talita, evitei ao máximo repetir a visita. Estava sempre procurando me ocupar apenas para não ir à casa del