Voltei para a sala e me sentei no sofá, ainda estava anestesiada, para todo lado que eu olhava só me lembrava dos olhos verdes hipnotizantes e de todos os ferimentos que o cobria. Se eu dormisse aquela noite, seria um milagre.
Ouvi meu celular tocar, mas ignorei, não estava com vontade de falar nem ver ninguém. Quem acreditaria em mim? Não tinha como provar o que eu tinha visto. Não sabia o nome, não anotei a placa. Não fiz nada. Só fiquei ali vendo aqueles homens levarem o homem de terno. Mas o que eu poderia fazer?
Irritada com minha falta de ação, fui até meu som e liguei uma das minhas músicas favoritas para tentar relaxar, somente isso me faria ter um pouco de paz naquela noite.
The Pianos Guys eram uma releitura da música clássica com a moderna, adorava como a junção me fazia respirar melhor em momentos de tensão como aquele. Ergui no máximo que pude, deixando que os vizinhos me interfonassem irritados. Naquele momento eu precisava me envolver com os acordes e instrumentos.
Os violinos, violoncelos e pianos sempre me transportavam para outro lugar.
Adormeci ouvindo a música, e acordei com ela e o som de vizinhos gritando de todos os lados. Desliguei e resolvi me importar com os problemas que causei somente amanhã. Eles não me ajudaram quando precisei, não iria querer ouvir suas reclamações agora.
Estava exausta e apaguei assim que encostei na cama, contra todas as probabilidades.
Acordei com o celular tocando e me lembrei de tudo. Por mais assustada que eu estivesse, o sono foi realmente tranquilo, porém meu corpo não estava descansado. Parecia que tinha corrido uma meia maratona. Me espreguicei e voltei ao banheiro vendo as manchas pretas sob meus olhos.
— Não vou poder esquecer de escondê-las hoje — escovei meus dentes e já puxei a maleta de maquiagens que eu pouco usava. Meus olhos azuis não brilhavam tanto e meu rosto parecia um pouco mais pálido que o normal. Amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo que ficou um pouco espetado pelo comprimento. Peguei o corretivo e cobri as olheiras com leves batidas passando um pó em seguida para tirar o brilho.
Uma máscara de cílios daria um pouco mais de cor para minha íris e pronto.
Voltei para o quarto colocando uma calça jeans e uma blusa meia estação branca. Peguei minhas partituras que estavam dentro da pasta e sai pela porta. Não queria ter que encarar o síndico tão cedo pelo ocorrido de ontem.
Abri a primeira porta do prédio indo em direção ao portão. Mal o abri e paralisei, analisando a porta do carro preto se abrir lentamente e dois homens virem em minha direção. Agora era a minha vez de ser morta!
— Bambina — o grandalhão falou e abriu a porta de trás para mim.
— Para onde vão me levar? — falei em um fiapo de voz.
— Para onde quiser — O outro falou se aproximando.
— O que isso significa? — chacoalhei a cabeça não entendendo o que eles diziam. Dei um passo para trás e ouvi um pigarrear.
— Que bonito dona Betina. Sabe a quantidade de reclamações que eu tive que aturar por sua causa ontem à noite? — fechei os olhos ouvindo a voz do síndico. — Estou realmente muito irritado com você. Achei que era uma menina consciente de seus atos. — bufei abrindo os olhos e me deparando com os dois homens de preto a minha frente bem mais perto do que antes. Um deles passou por mim e encarou o síndico.
Me virei para ver sua reação.
— Qual o problema? — ele falou sério.
— O...o probl...problema é que ela escutou música alta até tarde da noite. Inco...incomodando a todos. — o homem gaguejava com a presença do grandão. — Essa é a notificação e a expulsão dela do prédio.
— O QUE?! — derrubei minha pasta. — Você só pode estar brincando.
— Ele está, bambina. Não se preocupe — o outro homem falou ao meu lado e encarou o síndico. — Não é? — o homem olhou de um para o outro e depois para mim.
— Se me prometer que não fará de novo — concordei com a cabeça. Ele olhou de novo para os homens e entrou correndo para o prédio.
Minha pasta já estava na mão de um dos homens e a peguei rapidamente.
—Obrigada, não precisavam se incomodar, eu conseguiria resolver — falei sem confiança.
— Claro, então vamos? — eles voltaram para o carro e me vi com medo. — Para onde tem que ir agora?
— Para a faculdade, estudo na Belas Artes. — não sei por que falei isso. Mais um motivo para eles virem atrás de mim.
— Então entre que vamos levá-la até lá.
— Não precisam se preocupar, eu vou de ônibus.
— Ainda estou pedindo, bambina — meu sangue gelou e resolvi entrar sem dizer mais nada.
O carro era muito luxuoso, mas meus olhos só conseguiam se focar nos dois homens a minha frente. Disquei em meu celular o número da polícia e bloqueei a tela, se acaso eu precisasse de algum tipo de ajuda.
Vinte minutos depois eles estacionaram no campus e abriram a porta para eu descer.
— Obrigada — falei sem saber o que fazer — Mas não precisam se incomodar mais, posso vir de ônibus sem problema algum. — eles não responderam e trancaram o carro.
Comecei a andar e percebi que ambos me seguiam.
— O que estão fazendo?
— Seguindo ordens.
— De quem? — falei olhando feio para eles. — Do homem de terno? Ele é seu chefe? Como ele está? — tive essa curiosidade desde que os vi, mas ainda não tinha certeza se eles me responderiam. Agora era diferente.
— Vai melhorar — o homem com barba respondeu.
Eles eram monossilábicos e por mais que eu tentasse persuadi-los, não consegui fazer com que se afastassem de mim.
Por onde ia eles iam como sombras. Dentro da sala ficaram no fundo apenas acompanhando meus passos.
Meus professores estavam irritados, alguns alunos sussurrando sobre mim, tudo que eu nunca tinha imaginado acontecer. Com certeza a faculdade também irá querer me expulsar.
Se eu soubesse que socorrer um homem faria minha vida virar de cabeça para baixo, eu não teria feito isso.
Mentira!
— Podem me dizer pelo menos os nomes de vocês já que pelo visto serão meus guardas costas?
— Mau — falou o cara grande.
— O nome dele é Maurício, mas todos o chamam de Mau.
— Entendo o porquê — o homem de barba era mais sociável.
— E eu sou o Leandro, mas pode me chamar de Mor. — concordei com a cabeça.
— Vão ficar assim, me seguindo até quando?
— Até que suspendam as ordens. — ergui as sobrancelhas.
O dia praticamente se arrastou, eles não me deixaram sozinha nem naquele dia nem nos seguintes. No meu prédio ninguém mais se atreveu a falar qualquer coisa comigo. Na faculdade os professores e alunos preferiam evitar qualquer contato. Eu já estava farta de tudo aquilo.
Fui até o banheiro e tentei achar uma forma de escapar dos meus seguranças. Uma pequena janelinha dava acesso ao outro lado do pátio e escalei no vaso sanitário e pulei por ela.
Corri o mais rápido que pude para o ponto de ônibus que por sorte estava encostando e entrei sorrindo. Tinha conseguido minha liberdade. Por quanto tempo eu ainda não tinha certeza, mas era melhor do que nada.
O ônibus avançou pelos bairros de São Paulo parando a cada ponto. Uma rotina que eu odiava antes e que agora me fazia tanta falta.
Dois carros pretos passaram rápido pelas laterais do ônibus e pararam a sua frente atravessando a rua e impedindo a sua passagem.
Eu sabia exatamente quem eram e bufei de desgosto.
O motorista começou a xingar e tentei me esconder entre os bancos olhando para a porta da frente.
Mau subiu com sua cara ainda mais fechada e o motorista ficou em silêncio. Ele me localizou bem rápido e acabei me levantando para dar fim a mais esse vexame em minha vida.
Quando olhei para trás vi o homem de terno com um sorrisinho nos lábios me encarando e perdi o ar. Ele já não tinha tantos hematomas e o corte do supercilio estava praticamente cicatrizado.
O encarei por tempo demais até que ele estendeu a mão para mim me convidando silenciosamente a segui-lo. Olhei em volta e todas as mulheres estavam vidradas nele, seria idiotice tentar evitar mais esse confronto. Estendi a minha mão e segurei a sua o seguindo para onde ele quisesse me levar.
BetinaDepois de me "sequestrar" do ônibus e me dizer que eu era muito ingrata e irresponsável por fugir de seus cuidados, ele me levou até um restaurante caro, onde comi lagosta pela primeira vez. — O que vai fazer amanhã noite? — ele me questionou assim que paramos na frente do meu prédio.— Marquei um jantar com minhas amigas — Elas queriam saber o que estava acontecendo em minha vida. Já que agora eu tinha seguranças particulares. — Preciso tentar explicar tudo isso — girei meu dedo e ele sorriu.— Uma pena — o sorriso de Drake era sedutor. Tudo que eu não imaginei foi vê-lo novamente, esperava qualquer coisa. Uma carta de agradecimento, uma caixa de bombons, um espumante. Mas não o próprio homem tentando fazer meus gostos. E que nome era aquele? Drake!Ele me explicou que era apenas um apelido para Diogo, já que quem lhe dera o nome foi a mãe e ele não tinha boas recordações dela.— Podemos marcar outro dia — fiquei envergonhada por querer vê-lo de novo.— O que sugere? —ele s
Olhei pela janela e vi que o céu estava um pouco mais escuro.— Parece que vai chover — falei mais para mim do que para ele.— É mesmo, o tempo aqui é sempre estranho — o homem me olhou pelo retrovisor. Não gostei muito do que percebi em seus olhos. Me senti incomodada com ele sempre olhava para trás, mesmo que eu não estivesse dizendo nada.— Vou pegar um atalho — ele falou me tirando de meus devaneios.— Não precisa, não estou com pressa — falei o mais rápido que pude — Por favor, continue no caminho sugerido pelo aplicativo — ele sorriu pelo retrovisor. Seus olhos eram negros e sua barba serrada. Os óculos de armação preta o faziam parecer inofensivo, mas estava começando a achar que tinha me colocado em uma enrascada.— Você vai ver, docinho, vamos chegar bem mais rápido — o carro virou em outra direção e o pânico se instalou em meu peito. — Senhor, pare o carro, eu não vou continuar essa corrida. — falei olhando para meu celular e printando a tela com as suas informações.— Nã
Betina Depois do dia em que quase fui estuprada pelo motorista louco do aplicativo, se tornou um hábito ter Drake sempre por perto, me cativando e me mostrando o quanto gostava de ficar comigo. Demorou um tempo para ele entender que eu não queria Mor e Mau me seguindo dentro da faculdade. Era desnecessário. Mesmo assim ele insistiu para que viesse me buscar todos os dias, não queria que eu andasse de ônibus coletivo, nem pegasse qualquer carro de aplicativo. Esse último se tornou extremamente proibido após o que aconteceu. Se não bastasse ele ainda me deu um celular novo, mil vezes melhor do que eu tinha e ainda conseguiu baixar tudo o que eu tinha no outro celular sem qualquer ajuda minha. Esse negócio de ser da máfia realmente tinha seus benefícios. Não que eu estivesse pensando em me juntar a eles, já que eu nem sabia que tipo de trabalho faziam. A única coisa que eu sabia era que eles sempre queriam mais. Mais glória, mais poder, mais sucesso. Drake se mostrava um homem
Fechei meus olhos esperando os golpes começarem. Eu já tinha visto aquela cena, mais vezes do que gostaria de contar apenas naquele mês.Primeiro elas me dariam golpes no estomago e depois no rosto. Fraca do jeito que eu era cairia no primeiro golpe se elas não me soltassem. Quando soltassem levaria chutes e mais chutes até que ficasse desacordada. Esperei por mais tempo do que imaginei que demoraria, mas nada aconteceu. Até suas vozes sumiram e resolvi abrir os olhos devagar para espiar.Mau estava segurando a mão da mulher que estava agarrada a meus cabelos e Mor encarava as outras duas com cara de quem iria matá-las.— Soltem-na — ele falou e me encostei na parede com as pernas bambas. Olhei através deles e vi Drake vindo em nossa direção com os olhos crepitando. Ele parecia maior do que realmente era.— O que estão fazendo aqui? — Mau perguntou ainda segurando o braço da primeira mulher.— Ela merecia uma lição — ela falou num tão mais baixo. Mesmo que estivesse intimidada por el
Drake — Quer ir comigo a uma corrida de carro hoje a noite? — seus olhos azuis me sondaram. Eu já tinha memorizado cada pedacinho dele. A forma como eles pareciam mudar de cor dependendo do reflexo do sol. A quantidade de riscos marrons que possuía, a forma que se mexiam dependendo do estado de espírito dela. — Uma corrida de carros? — era engraçado como as suas sobrancelhas se juntavam quando ela processava algumas das coisas que eu dizia. Nossos mundos eram tão diferentes que as vezes eu me esquecia. — Sim, hoje a noite vai acontecer uma corrida com vários lideres de clãs espalhados pelo Brasil. Pensei que talvez você quisesse conhecer um pouco mais sobre o meu mundo. Até agora só viu uma parte bem feia, digamos assim — eu não tinha qualquer problema com a forma que tudo tinha acontecido, mas entendia que para ela tudo era novo e assustador. Betina era uma menina ingênua, sem maldade e sem entendimento do que realmente o mundo dele representava. Ele queria mostrar tudo a ela, ma
— Senhor Giordano — Afonso Ricci, meu fiel amigo se aproximou cumprimentando. — Passei para vê-lo mais cedo, mas me disseram que teve um problema.—Nada com que deva se preocupar — falei sem comentar nada. A presença dela diria tudo.— Ouvi dizer que temos uma nova Lady — o olhei sério. — Não que eu tenha alguma coisa a ver com isso. Somente fiquei preocupado com sua procedência. — eu sabia que ele queria me alertar sobre o que poderia ser dito pelos outros, mas não me importei.— Ouviu certo, e estou disposto a cortar a língua do primeiro que a desrespeitar — vi o homem engolir em seco e assentir com a cabeça.— Claro senhor, ninguém faria algo assim — ele se afastou me deixando preso a meus próprios pensamentos.O garçom que nos servia trouxe meu vinho branco e o degustei antes de realmente tomá-lo. Não havia nada mais delicioso do que uma boa taça de vinho.Ou havia?Me virei assim que a porta do elevador se abriu e vi Betina em um vestido vermelho com
Lady B.O dia da corrida foi um divisor de águas para nós. Ele sabia que queria estar mais próximo a mim e eu dele e era difícil quebrar a vontade louca que nos consumia.Todos os dias ele ia me buscar na faculdade e passava boa parte da nossa viagem até minha casa me contando sobre como era viver em uma família regida pelas regras do Clã.Às vezes me perdia em pensamento imaginando como seria ser vista com ele dentro de sua casa, de seus costumes. Nunca tinha pensado muito a respeito do que a outra parte da relação teria que suportar para ficar comigo, mas entendi o que eu precisaria para estar perto de Drake.— Quero te levar comigo em uma viagem de negócios que vou fazer.— Viagem? — tínhamos acabado de passar pela avenida principal.— Tenho que conversar com alguns fornecedores e estou atrasado — me senti um pouco responsável por
DrakeVê-la tocar foi como voltar no tempo.Os acordes produzidos pelo instrumento o levaram a uma infância que a muito tempo ele não pensava. Onde não havia tantas responsabilidades, nem tantas preocupações.Quando menina, adorava explorar cada canto do bairro onde morava com os amigos, Mauricio e Leandro.Eles sempre foram unidos e nunca pensou em ter pessoas de sua confiança que não fossem eles.Eles viviam vadiando quando os pais os perdiam de vista. A bicicletas tinham que ser reformadas de tempos em tempos pela quantidade de aventuras que lhes proporcionavam.— Para onde vamos agora?? — Leandro questionou assim que chegamos no limite permitido.— Além — olhei para depois da avenida que cortava o bairro.— Do que está falando? — Mauricio, ou Mau como todos o chamavam agora, observou minha expressão.N&oacut