Capítulo 3

Já fazem meses que eu tento me aproximar de Valentina, completamente em vão. Ela continua me tratando mal, só me responde com grosseria, nega minhas caronas até quando seu pai não pode levá-la à escola, ela prefere ir andando.

Eu já desisti da aposta, mas tem uma coisa que me chama atenção naquela ruiva. Ela me desafia a todo momento, e isso faz com que eu me sinta cada vez mais intrigado por ela.

Leonardo, ao contrário da filha, é um amor de pessoa. Acabamos nos tornando grandes amigos, o que faz com que eu vá constantemente na casa dele pra jogar videogame.

Da última vez, ele teve que jogar um balde de água gelada em cima de mim e da ruiva, literalmente. Ele não aguentava mais as nossas brigas por coisas bobas. Seria cômico se não fosse trágico.

— Terra chamando... Heitor? — Me desperto dos meus pensamentos quando sinto uma bola de papel me atingir em cheio.

— O que é? — Respondo com raiva, encarando Bernardo.

— Você tava em outro mundo, cara. Precisei intervir. —Ele ri da sua própria piada, e eu fecho a cara.

— Esse mal humor é por causa da sua discussão de ontem com a Valentina?

— Claro que não, idiota. — Respondo de imediato. — Eu vivo brigando com ela, já se tornou uma coisa normal.

— É, mas brigar pela última fatia de pizza da cantina foi novidade.

Rio um pouco ao lembrar dos gritos raivosos.

— Pelo menos estamos sempre inovando nos motivos das discussões. Dava até pra sermos protagonistas de uma novela mexicana.

— Eu vejo essa mesma novela todos os dias. — Ele concorda de imediato. — La chica de la casa ao lado.

Tento reprimir, mas acabo rindo junto com ele. Segundos depois, vejo Valentina entrar na sala e dirigir seu olhar mortal pra mim. Desvio o olhar e respiro fundo.

A mesma novela de todos os dias.

....

— Então, eu posso te esperar amanhã à noite? — Kat pergunta em um tom malicioso.

Estamos encostados no meu armário, é horário de saída e várias pessoas passam por nós, todas com pressa pra sair daqui.

— Ah, claro. — Respondo interessado. — Mas eu não vejo motivos pra esperarmos até amanhã.

Os olhos dela se iluminam.

— Sabe, esse uniforme de animadora de torcida é tão difícil de tirar. Podemos ir até o vestiário e... — Ela ergue uma sobrancelha com segundas intenções. — você pode me ajudar.

— Não precisa pedir duas vezes.

Já está escuro quando saio da escola, Kat sabe bem como me fazer perder a noção do tempo. Caminho despreocupado pelo estacionamento, vendo apenas alguns poucos carros estacionados. Alguns alunos ficam até tarde estudando na biblioteca. Idiotas.

De repente, ouço vozes alteradas quebrarem o silêncio. E uma das vozes eu conheço bem até demais.

Me aproximo devagar e vejo ela discutindo com um cara forte, que eu daria mais ou menos 25 anos. Valentina parece assustada, vejo isso em seus olhos.

— Eu já mandei você me soltar... — Ela esbraveja com raiva.

Só então percebo que o cara está segurando o braço dela com força.

Meu sangue ferve de raiva e começo a caminhar mais rápido em direção aos dois, mas paro imediatamente quando Valentina se solta com facilidade e dá um soco certeiro no nariz dele, fazendo-o cambalear pra trás. Não sei quem fica mais chocado, eu ou o babaca assediador.

Meu coração acelera quando vejo ele se recuperar e ir pra cima dela.

— Valentina!

Ela olha na minha direção por meio segundo antes de tirar um spray de pimenta não sei de onde e espirrar sem dó no babaca. Dessa vez, ele cai no chão, praguejando alto, sem conseguir enxergar nada.

Agindo sem pensar, pego a mão dela e a faço correr pra longe dali. Paramos ao chegar no outro lado do estacionamento, onde minha moto está. Respiramos fundo, recuperando o fôlego.

— Você está bem? — Pergunto preocupado. — Ele te machucou?

— Não. — Ela solta uma risadinha. — Eu que machuquei ele.

— Por falar nisso, aquilo foi incrível. — Digo com sinceridade. — Você foi muito corajosa.

— Nós mulheres temos que cuidar de nós mesmas. — Ela sorri afetado. — Mas... obrigada por me tirar de lá. Eu provavelmente teria paralisado.

Sorrio em resposta.

— Esses idiotas da faculdade aqui do lado costumam aparecer de vez em quando. Toma cuidado e... evita ficar na escola até muito tarde na escola.

Ela me analisa por alguns segundos, depois sorri fraco.

— Cuidado, Helinor. Vou começar a achar que você se importa com o meu bem estar.

Não consigo evitar o sorriso. Ela adora me provocar e eu sempre caio. Mas dessa vez não.

— Falando sério, você tá bem?

— Eu tô bem. — Ela faz uma careta ao olhar pra mão. — Meus punhos nem tanto, mas foi por uma boa causa.

— Deixa eu ver. — Pego a mão dela que de o soco e noto a vermelhidão em seus punhos. — Eu vou te levar em casa e vamos pôr gelo nisso aí. Vai ajudar.

— Nós? — Ela pergunta incrédula. — E quando eu aceitei sua carona?

Reviro os olhos.

— Por que? Você está preocupada de ter que me abraçar? — Sorrio.

— Minha única preocupação é em quais DST's eu vou pegar se subir aí.

— Muito engraçado. — Ironizo, começando a me irritar. — Vamos. Eu quero garantir que você chegue bem em casa.

Ela hesita um pouco, mas acaba cedendo. Quando chegamos, eu vou direto na geladeira pegar alguns cubos de gelo.

— Eu posso cuidar disso sozinha. — Ela reclama quando me aproximo com o gelo.

— Será que dá pra você baixar a guarda um pouquinho? Só estou tentando ser legal.

Coloco o gelo sobre seus punhos. Ela dá um pequeno sobressalto e coloca sua mão por cima da minha em um ato impensado. Não entendo o porque, mas meu coração acelera ao encarar seus olhos tão azuis. Me sinto hipnotizado.

— Você já pode soltar. Eu me viro daqui.

Saio do meu transe e sorrio desconfortável, soltando a mão dela.

— Bom, então... eu já vou. Pressione por mais meia hora e...

— Meu pai é médico. — Ela me corta, segurando uma risadinha.

— Certo. Então, você vai ficar bem. — Digo enquanto caminho até a porta. — Boa noite, Valentina.

— Boa noite. E Helinor?

Me viro pra encará-la.

— Obrigada.

Tento formular alguma piadinha pra irritá-la, mas ao encarar seu olhar doce, tudo o que consigo fazer é sorrir como um bobo.

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