Capítulo 2

Dou um sobressalto com o barulho da porta sendo espancada pela minha mãe.

— Vamos, Heitor, se levanta ou você vai se atrasar! — Ela berra furiosa.

Eu tinha esquecido do inferno que é ter que acordar pra ir à escola. Tomo um banho demorado, coloco uma calça jeans escura, uma camisa branca e claro, minha jaqueta de couro. Pego as chaves da minha moto e sorrio.

Olho pela janela, lembrando que eu preciso dar em cima da Valentina. Desço as escadas correndo, e tomo meu café em tempo recorde.

— Desse jeito você vai se engasgar. — Minha mãe chama minha atenção.

Sorrio em resposta. Termino meu café e me despeço dela. Assim que abro a porta, vejo Valentina parada em frente à sua casa mexendo no celular.

Essa garota é um espetáculo!

Atravesso a rua torcendo pra que ela aceite minha carona, percebo que ela está olhando fixamente pra mim.

— Perdeu alguma coisa aqui? — Ela pergunta em um tom rude antes que eu diga qualquer coisa.

Simpática.

— Você é sempre assim tão mal humorada? — Pergunto divertido, mas ela continua séria.

— Fala logo o que você quer.

— Eu... vim perguntar se você quer uma carona pra escola. Acho que vamos estudar juntos, né?

— É, parece que sim. — Ela concorda sem nenhum entusiamo. — Não preciso de carona, meu pai vai me levar. Obrigada e tchau!

Eu sou uma piada pra você?

— Sua grossa. — Digo com raiva e saio de lá pisando fundo.

Ouço a risada dela e meu sangue ferve ainda mais.

Ah, ruivinha ... você vai me pagar caro.

Assim que desço da moto, avisto Bernardo sentado em frente à escola, me esperando com um sorriso debochado.

— Sério, cara? Ela não aceitou a sua carona?

— Ela é uma marrenta, nunca mais quero falar com ela! — Digo emburrado.

— Ah, mas agora que você vai falar mesmo. — Ele me olha sério. — Qual é, cara. Esse é um desafio que você precisa cumprir.

Olho pra ele irônico.

— Eu vou tentar só mais uma vez. Não tô afim de ficar levando repetidos foras daquela garota.

— Fechado! — Os olhos dele brilham.

Rio com sua cara de criança.

O sinal toca e como esperado, os corredores do colégio lotam, me locomovo com dificuldade em meio à tantos estudantes até que chego a minha sala. Como de costume, me sento na parte da parede, e Bernardo atrás de mim. Olho ao redor, mas não avisto Valentina.

— Será que a ruiva marrenta não vem? — Bernardo pergunta como se tivesse lido meus pensamentos.

— Vem sim. Ela vem. — Respondo confiante.

— Oi, docinho! — Ela se inclina pra me beijar, mas eu viro o rosto.

— Camila... — Olho feio pra ela. — Limites.

— Limites? Não me lembro de nenhum limite entre nós ontem à noite...

Reviro os olhos, perdendo a paciência. Odeio esse grude.

— Ontem à noite. Passado. — Sorrio forçado. — Pela milésima vez, nós não temos nada.

Ela me encara desacreditada e, sem dizer mais nada, se afasta. Não dou importância, no fim do dia ela estará atrás de mim de novo.

O professor Jeremias entra, com a mesma carranca de sempre, e começa a dar a aula. Acabo me distraindo com a explicação. Não leva muito tempo e a porta se abre com força, fazendo todos olharem na mesma direção. Inclusive eu.

— Quem deixou a senhorita entrar? — A voz irritante do professor Jeremias chama minha atenção.

— O porteiro! — Valentina responde irônica, fazendo todos rirem.

— Que engraçado, novata. Sente antes que eu te mande pra sala do diretor.

Ela bufa e varre a sala com o olhar em busca de um lugar. A única cadeira vazia era justamente ao meu lado. Quanta ironia!

Ela me olha receosa e eu apenas dou um sorrisinho. Contrariada, ela se senta com o olhar fixo pra frente.

— Quero que cada um se apresente para a pessoa que estiver ao seu lado, ela vai ser sua dupla até o final do ano. — Jeremias informa.

Solto uma gargalhada alta, vendo o olhar mortal de Valentina cair sobre mim. Me viro pra ela com a maior cara de pau só pra provocá-la.

— Que legal... seremos duplas até o fim do ano. Não é incrível?

— O fato de sermos duplas não significa que eu vou ser mais uma idiota a ir pra cama com você. — Seus olhos azuis fixam em mim, me intimidando.

Fico tão surpreso que não consigo falar nada. Abro a boca várias vezes, mas nada sai.

— Eu tenho quase certeza que você já deve ter apostado com algum amigo que consegue me seduzir. — Ela afirma com uma tranquilidade que me assusta. — Pode ir desistindo. Eu não vou ficar com você nem que minha vida dependa disso.

Valentina volta a atenção pro professor e eu continuo boquiaberto, tentando recuperar o fôlego.

— O  que tem de errado comigo?

Ela me encara com as sobrancelhas arqueadas, como se me analisasse profundamente.

— Não gosto de pessoas que acham que são melhores que todo mundo. — Ela diz, simplesmente, dando de ombros. — E cá entre nós, você nem é tudo isso.

Eu vou casar com essa garota.

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