Dou um sobressalto com o barulho da porta sendo espancada pela minha mãe.
— Vamos, Heitor, se levanta ou você vai se atrasar! — Ela berra furiosa.Eu tinha esquecido do inferno que é ter que acordar pra ir à escola. Tomo um banho demorado, coloco uma calça jeans escura, uma camisa branca e claro, minha jaqueta de couro. Pego as chaves da minha moto e sorrio.Olho pela janela, lembrando que eu preciso dar em cima da Valentina. Desço as escadas correndo, e tomo meu café em tempo recorde.— Desse jeito você vai se engasgar. — Minha mãe chama minha atenção.Sorrio em resposta. Termino meu café e me despeço dela. Assim que abro a porta, vejo Valentina parada em frente à sua casa mexendo no celular.Essa garota é um espetáculo!Atravesso a rua torcendo pra que ela aceite minha carona, percebo que ela está olhando fixamente pra mim.— Perdeu alguma coisa aqui? — Ela pergunta em um tom rude antes que eu diga qualquer coisa.Simpática.— Você é sempre assim tão mal humorada? — Pergunto divertido, mas ela continua séria.— Fala logo o que você quer.— Eu... vim perguntar se você quer uma carona pra escola. Acho que vamos estudar juntos, né?— É, parece que sim. — Ela concorda sem nenhum entusiamo. — Não preciso de carona, meu pai vai me levar. Obrigada e tchau!Eu sou uma piada pra você?— Sua grossa. — Digo com raiva e saio de lá pisando fundo.Ouço a risada dela e meu sangue ferve ainda mais.Ah, ruivinha ... você vai me pagar caro.Assim que desço da moto, avisto Bernardo sentado em frente à escola, me esperando com um sorriso debochado.— Sério, cara? Ela não aceitou a sua carona?— Ela é uma marrenta, nunca mais quero falar com ela! — Digo emburrado.— Ah, mas agora que você vai falar mesmo. — Ele me olha sério. — Qual é, cara. Esse é um desafio que você precisa cumprir.Olho pra ele irônico.— Eu vou tentar só mais uma vez. Não tô afim de ficar levando repetidos foras daquela garota.— Fechado! — Os olhos dele brilham.Rio com sua cara de criança.O sinal toca e como esperado, os corredores do colégio lotam, me locomovo com dificuldade em meio à tantos estudantes até que chego a minha sala. Como de costume, me sento na parte da parede, e Bernardo atrás de mim. Olho ao redor, mas não avisto Valentina.— Será que a ruiva marrenta não vem? — Bernardo pergunta como se tivesse lido meus pensamentos.— Vem sim. Ela vem. — Respondo confiante.— Oi, docinho! — Ela se inclina pra me beijar, mas eu viro o rosto.— Camila... — Olho feio pra ela. — Limites.— Limites? Não me lembro de nenhum limite entre nós ontem à noite...Reviro os olhos, perdendo a paciência. Odeio esse grude.— Ontem à noite. Passado. — Sorrio forçado. — Pela milésima vez, nós não temos nada.Ela me encara desacreditada e, sem dizer mais nada, se afasta. Não dou importância, no fim do dia ela estará atrás de mim de novo.O professor Jeremias entra, com a mesma carranca de sempre, e começa a dar a aula. Acabo me distraindo com a explicação. Não leva muito tempo e a porta se abre com força, fazendo todos olharem na mesma direção. Inclusive eu.— Quem deixou a senhorita entrar? — A voz irritante do professor Jeremias chama minha atenção.— O porteiro! — Valentina responde irônica, fazendo todos rirem.— Que engraçado, novata. Sente antes que eu te mande pra sala do diretor.Ela bufa e varre a sala com o olhar em busca de um lugar. A única cadeira vazia era justamente ao meu lado. Quanta ironia!Ela me olha receosa e eu apenas dou um sorrisinho. Contrariada, ela se senta com o olhar fixo pra frente.— Quero que cada um se apresente para a pessoa que estiver ao seu lado, ela vai ser sua dupla até o final do ano. — Jeremias informa.Solto uma gargalhada alta, vendo o olhar mortal de Valentina cair sobre mim. Me viro pra ela com a maior cara de pau só pra provocá-la.— Que legal... seremos duplas até o fim do ano. Não é incrível?— O fato de sermos duplas não significa que eu vou ser mais uma idiota a ir pra cama com você. — Seus olhos azuis fixam em mim, me intimidando.Fico tão surpreso que não consigo falar nada. Abro a boca várias vezes, mas nada sai.— Eu tenho quase certeza que você já deve ter apostado com algum amigo que consegue me seduzir. — Ela afirma com uma tranquilidade que me assusta. — Pode ir desistindo. Eu não vou ficar com você nem que minha vida dependa disso.Valentina volta a atenção pro professor e eu continuo boquiaberto, tentando recuperar o fôlego.— O que tem de errado comigo?Ela me encara com as sobrancelhas arqueadas, como se me analisasse profundamente.— Não gosto de pessoas que acham que são melhores que todo mundo. — Ela diz, simplesmente, dando de ombros. — E cá entre nós, você nem é tudo isso.Eu vou casar com essa garota.Já fazem meses que eu tento me aproximar de Valentina, completamente em vão. Ela continua me tratando mal, só me responde com grosseria, nega minhas caronas até quando seu pai não pode levá-la à escola, ela prefere ir andando. Eu já desisti da aposta, mas tem uma coisa que me chama atenção naquela ruiva. Ela me desafia a todo momento, e isso faz com que eu me sinta cada vez mais intrigado por ela. Leonardo, ao contrário da filha, é um amor de pessoa. Acabamos nos tornando grandes amigos, o que faz com que eu vá constantemente na casa dele pra jogar videogame. Da última vez, ele teve que jogar um balde de água gelada em cima de mim e da ruiva, literalmente. Ele não aguentava mais as nossas brigas por coisas bobas. Seria cômico se não fosse trágico. — Terra chamando... Heitor? — Me desperto dos meus pensamentos quando sinto uma bola de papel me atingir em cheio. — O que é? — Respondo com raiva, encarando Bernardo. — Você tava em outro mu
Eu definitivamente não entendo as mulheres. Como é possível elas mudarem de humor em uma fração de segundo? Me pergunto se isso não é só mais um traço da personalidade explosiva de Valentina. Desde o dia da carona, duas semanas atrás, nós nos aproximamos. De vez em quando ela me dá uma resposta afiada, então eu apenas respiro fundo e rio. Amigos, talvez seja o que nós somos. Não daqueles que se abraçam toda as vezes que se vêem, ou que passam horas conversando sobre assuntos variados. Não. Nós apenas estamos nos tratando melhor, o que já é um grande avanço. Mas hoje ela simplesmente surtou e mandou eu ir pro inferno quando eu disse bom dia. Não consigo parar de encará-la durante a aula de Economia, ela parece tão brava, prestes a explodir. Penso que é algo comigo, mas no fim do dia, quando estou matando tempo na frente da escola com Bernardo e Camila e ela passa como um furacão, percebo que, o que ela tem não é raiva; é tristeza...
Sinto meu braço dormente. Já faz um tempo que Valentina não soluça, acho que ela acabou dormindo em meus braços. Me mexo devagar, com cuidado pra não acordá-la. Sua respiração está normalizada, sem dúvidas ela está em um sono profundo. Com cuidado, me levanto e pego ela no colo. Valentina resmunga algo incompreensível, mas logo depois abraça o meu pescoço. Caminho até o seu quarto, e a coloco na cama. Ela abre os olhos assustada e me encara perplexa. — Calma, tá tudo bem... — Puxo ela pros meus braços, que novamente não resiste. — Você quer que eu faça um curativo no seu braço? — Pergunto depois de um tempo em silêncio. Eu sei que ela não voltou a dormir.Valentina assente e eu a encaro. Ela desvia o olhar, seu rosto está vermelho. — Eu vou pega
Era o começo de mais um dia e isso já não estava me agradando. Me levanto ainda meio sonolento, e me arrasto até o banheiro. A água do chuveiro está mais fria que de costume. Já vi que vou ter um péssimo dia. Como de costume, tomo café com a minha mãe, que ultimamente eu quase não vejo devido ao seu trabalho no Banco, que faz com que ela não pare em casa. Assim que termino, pego as chaves da moto, os capacetes e saio de casa. Posso ter acordado de mal humor, mas tenho certeza que no momento em que ver Valentina, vou ser o cara mais feliz do universo. E é exatamente isso que acontece no momento em que ela sai de casa. Ela usa uma calça preta rasgada, uma blusa de mangas longas, que eu tenho quase certeza que é pra esconder o braço enfaixado e uma jaqueta jeans por cima. Não consigo conter o sorriso que quer rasgar meu rosto. — Por que você tá sorrindo assim, aconteceu alguma coisa? — Ela pergunta assim que se aproxima. — Eu vi você, e i
— Chegamos! — Valentina comemora assim que paramos em frente à uma bela casa, com música alta. — Eu pensei que era uma festa só pros amigos mais próximos. — Alex comenta receoso. — E você acreditou? — Miranda comentou rindo. — Vamos, ainda temos que encontrar o Simon no meio de toda essa gente. — Alex segurou a mão de Miranda e os dois foram à nossa frente. A casa é bonita, tirando os copos de bebida espalhados por todos os lados e o cheiro forte de cigarro. Comecei a me sentir meio deslocado e me arrependi de ter vindo. — Essa não foi uma boa ideia, acho melhor eu ir... eu nem conheço ninguém e... Tento dar meia volta, mas Valentina segura firme o meu braço, impedindo que eu ande. — Relaxa, Helinor, é só uma festa. Tirando os quatro, eu também não conheço ninguém aqui e o Simon é legal. Suspiro pesado. Talvez eu acabe me divertindo. Valentina segura minha mão e começa a me puxar pelo meio de todas as
— Valentina! — A garrafa de cerveja em minha mão caiu, e o líquido que tinha dentro molhou meus pés. Solto Valentina o mais rápido que posso, ainda a tempo de ver Miranda entrar pela porta. Respiro aliviado.— Amiga, funcionou... ele disse que quer falar comigo depois! — Miranda não esconde a felicidade. Seus olhos brilham. — Amiga, ele tá tão na sua! — Elas comemoram feito loucas e eu fico mais confuso ainda. — Eu vou lá, me deseja sorte! — Miranda volta pra dentro da casa, novamente me deixando sozinho com a ruiva.Que situação estranha. — Do que ela estava falando? — Me aproximo dela, mas não tanto. — Parece que ela acabou de conquistar o carinha que tava de olho. — Ela responde sem olhar pra mim. Sorrio levemente, tentando me sentir confort&a
— Acho melhor você dar meia volta e cair fora, ela não quer te ver nem pintado de ouro. — Me assusto com o quão direto Leonardo é. — Eu realmente preciso falar com ela. — A Valentina chegou em casa soltando fumaça, eu não sei o que aconteceu... Mas acho que foi sério, né? — É complicado. — Digo baixo. — Onde ela está agora? — Se trancou no quarto de caixas... ela já está lá há um bom tempo. Arregalo os olhos assustado. Não penso, apenas empurro Leonardo da minha frente e subo as escadas correndo, ignorando completamente os gritos de protesto dele. — VALENTINA! VALENTINA, ABRE ESSA PORTA! — Grito desesperado. Bato na porta incontáveis vezes, chamando o nome dela, mas não obtenho resposta nenhuma. — VALENTINA, EU SEI O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO, ABRE ESSA PORTA, POR FAVOR! — Ei... o que está acontecendo, por que você tá gritando como um louco? — Leonardo se aproxima, preocupado. — Ela... eu não posso...
Abro meus olhos com dificuldade. Meu corpo dói pelo cansaço excessivo. Encaro a janela aberta e o vento fresco que entra no quarto, fazendo as cortinas se moverem. Já está quase amanhecendo e eu não dormi mais que duas horas. Passei a noite me remexendo na cama, sem conseguir esvaziar a mente. Meus pensamentos insistiam em ir pra uma única pessoa. Valentina. Me arrependo de ter sido tão duro com ela. Mas não vou pedir desculpas se ela também não se desculpar. Nós dois estamos magoados e, no momento, precisamos ficar o mais longe possível um do outro. A imagem dela me encarando com os olhos vidrados e a expressão magoada assombram minha mente toda vez que fecho os olhos. Não sei o que está acontecendo comigo.....Acordo de um pesadelo. Minhas mãos tremem descontroladas e meu corpo sua frio. Olho o re