Sinto meu braço dormente. Já faz um tempo que Valentina não soluça, acho que ela acabou dormindo em meus braços. Me mexo devagar, com cuidado pra não acordá-la. Sua respiração está normalizada, sem dúvidas ela está em um sono profundo. Com cuidado, me levanto e pego ela no colo. Valentina resmunga algo incompreensível, mas logo depois abraça o meu pescoço.
Caminho até o seu quarto, e a coloco na cama. Ela abre os olhos assustada e me encara perplexa.
— Calma, tá tudo bem... — Puxo ela pros meus braços, que novamente não resiste. — Você quer que eu faça um curativo no seu braço? — Pergunto depois de um tempo em silêncio. Eu sei que ela não voltou a dormir.Valentina assente e eu a encaro. Ela desvia o olhar, seu rosto está vermelho.
— Eu vou pegar a caixa de primeiros socorros. — Digo e saio em busca da caixa. Encontro-a no armário da cozinha e volto pro quarto.Valentina encara seu braço, que já não sangra mais. Me aproximo e sento ao seu lado. Ela estende o braço e eu começo a limpar os ferimentos.— Eu não costumo fazer isso. — Ela sussurra. — Não costumo... me machucar pra descontar a raiva. Eu só... precisava desabafar um pouco. Essa deve ser a segunda vez que faço, não sei ao certo.— Não precisa explicar. — Olho no fundo dos seus olhos azuis. — O que você fez não foi certo, mas quem sou eu pra te julgar? Todos nós cometemos erros. E de agora em diante, quando você estiver precisando desabafar... me procura. Não importa a hora, eu vou sempre estar disponível pra te ouvir e tentar te ajudar.Ela sorri contrariada.— Nossa, cadê o Helinor que vive pra me irritar? Você com certeza não é ele.Rio um pouco.— Não prometo te dar o melhor conselho, eu não sei nem o que tô fazendo da minha vida, mas... eu sempre estarei aqui pra te ouvir.— Você não precisa ser legal comigo só porque está sentindo pena de mim. — Ela fala de uma forma dura, deixando o clima leve ir pelos ares.Me sinto magoado, eu não estou com pena dela. Eu só quero mostrar que ela pode confiar em mim.— Eu não estou com pena de você. — Digo assim que termino de fazer o curativo no braço dela. — Eu gosto de você, Valentina, apesar das nossas brigas... eu gosto muito de você. E jamais deixaria você passar por isso sozinha sabendo que posso fazer algo.— Gosta? Gosta como? — Ela me encara diretamente.Meu coração acelera com essa pergunta. Não consigo responder, nem eu sei direito o que sinto por ela. Só sei que é forte.— E-eu... eu gosto...— Esquece. — Ela revira os olhos. — Não vai perguntar nada?Olho pra ela confuso.
— Sei lá, você... não quer saber por que eu fiz o que fiz?— Só se você quiser...
— O meu namorado morreu há seis meses. — Ela fala de uma vez, me deixando completamente sem chão.Tento falar alguma coisa, mas novamente estou sem voz. Por essa eu não esperava.— Eu... eu sinto muito. — Falo depois de um tempo.
Ela assente e sorri fraco.— Foi em um acidente de carro, ele estava dirigindo bêbado. Nós tínhamos acabado de brigar. — Ela limpa uma lágrima silenciosa. — Foi um choque pra mim e... eu me culpo pela morte dele.Dessa vez sua voz falha, e as lágrimas vêm com mais força. Quero abraçá-la, mas tenho medo que ela me afaste.— Será que você pode ir embora? Não quero que me veja chorando.Nego com a cabeça.— Não vou à lugar nenhum, ruivinha.Não conseguindo mais me conter, volto a abraçá-la, mas dessa vez ela resiste.— Eu não quero que você sinta pena de mim! — Ela cobre o rosto com as mãos.Suspiro, e toco suas mãos.
— Eu já disse que não sinto pena de você. Ao contrário. Acho que nunca te vi tão forte. Você é tão forte.Ela tira as mãos do rosto e me encara em silêncio. Tenho vontade de nunca mais parar de admirá-la.— Você jura que não está falando isso só pra eu me sentir melhor?— Eu juro pela minha beleza. — Sorrio nervoso.Ela ri, e sua expressão melhora.— Por favor, não fala nada pro meu pai. Ele não merece mais um problema.— Você não é um problema, você é a maior alegria da vida do Leonardo. E não se preocupe, eu não vou falar nada.— Nossa, você deve me achar tão problemática.— As melhores pessoas são.Ficamos em silêncio por um tempo. Ela ainda parece tão triste.— O que acha de irmos lá embaixo e eu preparar um chocolate quente pra gente? Posso te contar um pouco dos meus problemas.Ela ri.— Você? Problemas? Acho difícil. — Ela ironiza.— Vamos chamar de problemas com o papai. ...— Meu pai nos deixou quando eu tinha 3 anos. Ele simplesmente decidiu que não dava conta de ter uma família e vazou.— Isso é horrível. — Ela lamenta enquanto serve nosso chocolate quente em duas xícaras.— É, digamos que não foi o melhor exemplo paterno que eu tive. Mas nós nos viramos, minha mãe sempre batalhou muito, temos uma vida boa.— Ótima, eu diria.— É. — Sorrio. — Mas nem tudo pode ser perfeito. Ele deixou um buraco. Um espaço vazio. Principalmente na minha infância. Apesar de sempre ter sido tudo o que eu precisava, minha mãe não pôde ser ele também. Eu senti falta de uma figura masculina na minha criação. De conversar sobre coisas de homem, sair pra pescar, preparar apresentações de dia dos pais... — Respiro fundo, sentindo um nó se formar em minha garganta. Eu nunca falo sobre isso. — Eu sofro com pesadelos.— De que tipo? — Ela me encara apreensiva.— Com ele. De memórias dolorosas, quando eu era uma criança e não sabia onde estava meu pai. Às vezes são imagens distorcidas, que servem apenas pra me assombrar. — Sorrio triste. — É bem idiota, não acha?— O que? — Ela franze o cenho.— Sentir falta de alguém que nunca ligou pra você.— Não. Não é nada idiota. Só acho que você de alguma forma ainda sente falta dele. — Ela suspira. — E isso acaba te assombrando.Bebo meu chocolate quente em silêncio, sem saber o que responder. Não sei o que deu em mim pra falar sobre isso, eu apenas senti vontade de me abrir com ela. Talvez pra mostrar que ela não é a única com problemas. Ou talvez porque ela me deixa tranquilo pra falar sobre qualquer coisa.— Eu não sabia que você é assim. — Ela comenta um tempo depois.— Assim como?— Gentil.— Claro. Você só vive gritando comigo, nunca me deu a oportunidade de mostrar quem eu sou.— Mas eu conheço a sua reputação. É bem clichê, na verdade. Toda semana com uma garota diferente, tá sempre em todas as festas, odeia estudar...— Mas eu sempre te ajudo com os trabalhos. — Me defendo. — Aliás, foi pra isso que eu vim hoje.— É, não posso negar que copiar as respostas pra mim é uma grande ajuda. — Ela ri genuinamente.— Muito engraçadinha. Eu posso muito bem resolver os cálculos sem sua ajuda.— Eu duvido muito. — Ela me lança um olhar desafiador. Apenas suspiro.Uma hora depois, ela está rindo descontroladamente da minha expressão emburrada.— Não fica triste, pelo menos você tentou.— E falhei. — Retruco. — Cansei dessa vida, vou virar stripper.
— E me deixar sem dupla? — Ela me olha irritada. — Nem pensar. A partir de agora, você vai prestar atenção quando eu estiver resolvendo os cálculos ao invés de trocar mensagens com sua peguete.— Minha peguete? Então, você fica me espionando? Que pervertida!Ela joga uma almofada em mim.— Eu presto atenção. E não acho legal o jeito que você trata a Camila.— Não devo nada a ela.— Não é o que ela pensa.— Podemos nos concentrar no trabalho? Estou perdendo o interesse.— Como quiser, Helinor. — Ela pisca.— Você sabe que meu nome não é esse.— Pra mim, é. — Ela sorri ainda mais. Um simples sorriso que me desconcerta.Algo está diferente agora. Por mais que eu tente lutar contra, estou baixando a guarda com ela. E definitivamente não posso deixar que isso continue.Era o começo de mais um dia e isso já não estava me agradando. Me levanto ainda meio sonolento, e me arrasto até o banheiro. A água do chuveiro está mais fria que de costume. Já vi que vou ter um péssimo dia. Como de costume, tomo café com a minha mãe, que ultimamente eu quase não vejo devido ao seu trabalho no Banco, que faz com que ela não pare em casa. Assim que termino, pego as chaves da moto, os capacetes e saio de casa. Posso ter acordado de mal humor, mas tenho certeza que no momento em que ver Valentina, vou ser o cara mais feliz do universo. E é exatamente isso que acontece no momento em que ela sai de casa. Ela usa uma calça preta rasgada, uma blusa de mangas longas, que eu tenho quase certeza que é pra esconder o braço enfaixado e uma jaqueta jeans por cima. Não consigo conter o sorriso que quer rasgar meu rosto. — Por que você tá sorrindo assim, aconteceu alguma coisa? — Ela pergunta assim que se aproxima. — Eu vi você, e i
— Chegamos! — Valentina comemora assim que paramos em frente à uma bela casa, com música alta. — Eu pensei que era uma festa só pros amigos mais próximos. — Alex comenta receoso. — E você acreditou? — Miranda comentou rindo. — Vamos, ainda temos que encontrar o Simon no meio de toda essa gente. — Alex segurou a mão de Miranda e os dois foram à nossa frente. A casa é bonita, tirando os copos de bebida espalhados por todos os lados e o cheiro forte de cigarro. Comecei a me sentir meio deslocado e me arrependi de ter vindo. — Essa não foi uma boa ideia, acho melhor eu ir... eu nem conheço ninguém e... Tento dar meia volta, mas Valentina segura firme o meu braço, impedindo que eu ande. — Relaxa, Helinor, é só uma festa. Tirando os quatro, eu também não conheço ninguém aqui e o Simon é legal. Suspiro pesado. Talvez eu acabe me divertindo. Valentina segura minha mão e começa a me puxar pelo meio de todas as
— Valentina! — A garrafa de cerveja em minha mão caiu, e o líquido que tinha dentro molhou meus pés. Solto Valentina o mais rápido que posso, ainda a tempo de ver Miranda entrar pela porta. Respiro aliviado.— Amiga, funcionou... ele disse que quer falar comigo depois! — Miranda não esconde a felicidade. Seus olhos brilham. — Amiga, ele tá tão na sua! — Elas comemoram feito loucas e eu fico mais confuso ainda. — Eu vou lá, me deseja sorte! — Miranda volta pra dentro da casa, novamente me deixando sozinho com a ruiva.Que situação estranha. — Do que ela estava falando? — Me aproximo dela, mas não tanto. — Parece que ela acabou de conquistar o carinha que tava de olho. — Ela responde sem olhar pra mim. Sorrio levemente, tentando me sentir confort&a
— Acho melhor você dar meia volta e cair fora, ela não quer te ver nem pintado de ouro. — Me assusto com o quão direto Leonardo é. — Eu realmente preciso falar com ela. — A Valentina chegou em casa soltando fumaça, eu não sei o que aconteceu... Mas acho que foi sério, né? — É complicado. — Digo baixo. — Onde ela está agora? — Se trancou no quarto de caixas... ela já está lá há um bom tempo. Arregalo os olhos assustado. Não penso, apenas empurro Leonardo da minha frente e subo as escadas correndo, ignorando completamente os gritos de protesto dele. — VALENTINA! VALENTINA, ABRE ESSA PORTA! — Grito desesperado. Bato na porta incontáveis vezes, chamando o nome dela, mas não obtenho resposta nenhuma. — VALENTINA, EU SEI O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO, ABRE ESSA PORTA, POR FAVOR! — Ei... o que está acontecendo, por que você tá gritando como um louco? — Leonardo se aproxima, preocupado. — Ela... eu não posso...
Abro meus olhos com dificuldade. Meu corpo dói pelo cansaço excessivo. Encaro a janela aberta e o vento fresco que entra no quarto, fazendo as cortinas se moverem. Já está quase amanhecendo e eu não dormi mais que duas horas. Passei a noite me remexendo na cama, sem conseguir esvaziar a mente. Meus pensamentos insistiam em ir pra uma única pessoa. Valentina. Me arrependo de ter sido tão duro com ela. Mas não vou pedir desculpas se ela também não se desculpar. Nós dois estamos magoados e, no momento, precisamos ficar o mais longe possível um do outro. A imagem dela me encarando com os olhos vidrados e a expressão magoada assombram minha mente toda vez que fecho os olhos. Não sei o que está acontecendo comigo.....Acordo de um pesadelo. Minhas mãos tremem descontroladas e meu corpo sua frio. Olho o re
— Esse foi o último. — Fecho o caderno e encaro a ruiva á minha frente.— Finalmente. Eu já estava com vontade de ir embora, achando que você tava só me enrolando. — Valentina se desencosta da porta e senta ao meu lado.— Você ficou aí me olhando enquanto eu fazia meus trabalhos atrasados por quase duas horas. — Arqueio a sobrancelha. — Fala logo o que você quer, ruivinha.Ela abre um sorriso travesso e seus olhos brilham de expectativa.— Eu sei que você ainda está meio deprimido... e não tiro sua razão, eu entendo. — Ela se explica rapidamente e eu assinto. — Mas é que vai ter uma festa na casa da Miranda hoje, é aniversário dela... e eu queria muito que você fosse comigo.— Você está me chamando pr
Não sei bem como me dei conta disso, eu apenas soube. Senti.Ela é tão doce. Tão gentil.E ao mesmo tempo tão irritante.Ela me enloquece como ninguém e me faz feliz com um simples sorriso.Quero estar perto dela o tempo todo, quero ser o seu porto seguro. Quero ser o melhor amigo dela, mas mais do que isso.Me sinto tonto com todos esses pensamentos de uma vez. E quando ela sorri pra mim no meio da música, eu entro em combustão.Solto a ruiva e começo a empurrar algumas pessoas á minha frente, saindo dali praticamente correndo.Respiro fundo quando chego ao que deduzo ser a parte de trás da casa. Não havia ninguém aqui, então eu me sentei na grama verdinha e bem aparada, tentando assimilar tudo o que aconteceu nos últimos minutos.— Achei você! — Ouço a voz dela atrás de mim. — O que aconteceu, você está bem? —
Encaro o computador á minha frente. O cursor pisca sem parar, esperando que eu comece a digitar. Mas nada sai.Suspiro, me dando por vencido. Não sei fazer um trabalho tão bom quanto a ruiva. Valentina se ofereceu pra fazer o trabalho, mas eu com o meu super ego, garanti que dava conta de fazer tudo sozinho. Agora estou aqui, numa tarde de Domingo, sem conseguir digitar uma palavra, quase desistindo.E é o que eu faço.Levanto da cadeira giratória e vou até a casa ao lado. Toco a campainha, nervoso pela ansiedade de ver a ruivinha.Não demora muito e a porta se abre, revelando uma Valentina de vestido de alcinhas florido. Ela sempre deixa uma mecha de cabelo fora do coque pra ficar enrolando o dedo, é uma mania que acredito que ela nem sabe que tem.— Ah... oi, Heitor. — Ela diz num tom seco, como se estivesse incomodada com a minha presença.— Oi... é que eu..