Era o começo de mais um dia e isso já não estava me agradando. Me levanto ainda meio sonolento, e me arrasto até o banheiro. A água do chuveiro está mais fria que de costume. Já vi que vou ter um péssimo dia.
Como de costume, tomo café com a minha mãe, que ultimamente eu quase não vejo devido ao seu trabalho no Banco, que faz com que ela não pare em casa.Assim que termino, pego as chaves da moto, os capacetes e saio de casa. Posso ter acordado de mal humor, mas tenho certeza que no momento em que ver Valentina, vou ser o cara mais feliz do universo.E é exatamente isso que acontece no momento em que ela sai de casa. Ela usa uma calça preta rasgada, uma blusa de mangas longas, que eu tenho quase certeza que é pra esconder o braço enfaixado e uma jaqueta jeans por cima.Não consigo conter o sorriso que quer rasgar meu rosto.— Por que você tá sorrindo assim, aconteceu alguma coisa? — Ela pergunta assim que se aproxima.— Eu vi você, e isso já é o suficiente pra me deixar sorridente o dia inteiro. — Digo sem pensar. O que???Valentina me encara supresa, e começa a ficar vermelha.— Essa é uma nova estratégia pra me fazer gostar de você? — Ela brinca. — Não vai dar certo.Abro um sorriso travesso como resposta.— Então... vamos? — Ela pergunta, desviando o olhar e pegando o capacete da minha mão.— Como quiser, ruivinha.....Valentina está diferente hoje. Um diferente bom. Por incrível que pareça, nós não brigamos nenhuma vez, ao contrário, não paramos de rir durante as aulas. Posso dizer que realmente estamos nos dando bem, e isso é um bom sinal... eu espero.Agora ela está me contando da sua antiga escola em Seattle, onde morava antes. Parece que ela tem muitos amigos espalhados por lá, muitas lembranças marcantes e eu confesso que me sinto meio inútil; não tenho nenhuma história tão emocionante pra contar assim, então apenas ouço enquanto ela fala sem parar.Bernardo me encara confuso, eu mal dei atenção pra ele hoje. Apenas lanço um olhar de "conversamos depois" e ele parece entender. Já Camila não parece nada feliz, pelas poucas vezes que olhei pra ela, seu olhar parecia que ia criar um buraco na minha testa. Ignorei.O sinal do intervalo tocou, e nós dois saímos juntos da sala. Sentamos em uma mesa afastada de todo o barulho e começamos a almoçar com tranquilidade.— Nem acredito que não brigamos pela última fatia de pizza hoje. — Valentina comenta. — É um avanço.
— Estamos progredindo, se dê um pouco mais de crédito.— O que é isso, o jardim infantil? Vamos ganhar estrelinha por bom comportamento?Nos encaramos por meio segundo e começamos a rir como se aquilo fosse a coisa mais engraçada do mundo.— Hey... — Levantei os olhos pra ver de onde vinha a voz familiar.Camila estava em frente à nossa mesa, com uma bandeja cheia de salada. Eca.— Acho que eu seria uma companhia muito boa pra você naquela mesa, não acha? — Ela aponta o lugar, olhando fixamente pra mim, ignorando totalmente a presença de Valentina.— Ele agradece imensamente a sua oferta, mas nós já terminamos o almoço, e Helinor, você não ia me pagar um café? — Valentina virou pra mim, com os olhos fixos nos meus. Franzo o cenho, completamente confuso, mas na nossa conversa visual ela acaba vencendo.— É... eu vou sim. — Olho pra Camila, que está visivelmente enciumada e com a raiva estampada em seus olhos. Contenho um sorriso.— Então vamos! — Ela pega em minha mão, me arrastando pra fora da mesa, deixando pra trás uma loira cheia de ódio.Fico boquiaberto com a naturalidade da ruiva de irritar os outros. Ela continua me puxando pra fora do refeitório, sem me dar chances de ter reação alguma.— Ei, espera um pouco. — Faço ela parar. — Pra onde estamos indo?— Ué. Você tem que me pagar um café, lembra? — Ela revira os olhos, impaciente. — Vamos logo.— O quê!? Foi você quem inventou isso... eu não sei de nada.— Eu te livrei da Camila e é assim que você me agradece? Para de reclamar e vem logo, antes que o sinal bata. — Ela continua me puxando pelo corredor, como se eu fosse uma criança. Acabo cedendo e a sigo até a cafeteria que tinha ali perto.Valentina é uma teimosa que enquanto não consegue o que quer, não desiste. Ela me fez comprar um café enorme com várias coberturas e agora está tomando igual uma criança feliz. Sorrio com a cena. Ver ela feliz me deixa feliz.Pouco tempo depois decidimos voltar pra escola. Caminhamos em silêncio, algumas pessoas passam por nós apressadas pra ir até as suas respectivas salas, quase derrubando todos pela frente. Entramos na classe, ainda sem o professor, com todos os olhares em nossa direção. Não me importei, mas senti Valentina ficar nervosa.— Por que tá todo mundo olhando pra gente? — Ela sussurra.— Eu não sei. — Sussurro de volta. — Deve ser a minha beleza chamando atenção como sempre.Ela apenas revira os olhos.Sentamos em nossas respectivas mesas, lado a lado e voltamos a jogar conversa fora. Não demorou muito pra eu sentir o perfume doce tão conhecido.— Heitor, nós podemos conversar? — Camila pergunta se debruçando sobre minha mesa. Fico desconfortável.— Agora não, Cami.— Não vai demorar. — Ela insiste. — Tenho certeza que sua amiguinha não vai se importar de dar uma passeada pelo corredor, né fofa? — Agora ela encara Valentina.— Eu não me importo. — Ela diz calma. — Mas ele sim.Sorrio, concordando.Antes que ela possa continuar com o show, o professor chega, encerrando qualquer conversa. Respiro aliviado, mas Valentina me dá um chute na canela, me fazendo dar um sobressalto.— Se você não conversar com ela e acabar com isso, eu te dou uma surra. — Ela esbraveja.— Com ciúmes, ruivinha?— Só nos seus sonhos.....No fim das aulas, quando Valentina me larga pra atender o telefone, Bernardo corre até mim com os olhos brilhando.— Me conta tudo. — Ele sentencia.Franzo o cenho.— Você venceu a aposta!— Que aposta, cara? Isso ficou no passado.— Ah, então tá só se divertindo? — Ele abre um sorrisinho.— Não, não é nada disso. — Olho na direção da ruiva, que conversa animada com alguém ao telefone. — Nós somos amigos.— Amigos? Você não é amigo de nenhuma garota.— É, mas isso mudou. — Respiro lentamente. — Ela é diferente.Bernardo me encara boquiaberto, como se não acreditasse no que ouviu.— Ei, Helinor... — Ela vem em nossa direção com um largo sorriso, mas franze o cenho ao ver a expressão do meu amigo. — Você está bem?— Ótimo. — Bernardo sussurra. — Deixa eu ir embora.E ele vai, sumindo em meio aos vários outros estudantes.— Ele é assim mesmo. — Explico. — O que você ia me dizer?Ela sorri de novo.— Tem planos pra hoje á noite?Finjo pensar.— Deixa eu ver, acho que vou... isso mesmo, dormir como um bebê.— Mudança de planos. Vamos à um lugar. — Ela diz com uma animação contagiante, me arrastando pra frente da escola.— E pra onde nós vamos? — Pergunto, começando a me interessar.— Vem comigo e você vai descobrir. — Ela dá um sorriso misterioso.— Então...? — Pergunto quando chegamos na entrada da escola.Ela ia falar, mas um carro preto parou na nossa frente. Me assusto, mas Valentina abre um sorriso de orelha a orelha. Um casal sai do carro, provavelmente possuem a nossa idade.— MIRANDA! — Valentina corre em direção à garota.— Minha garota! — As duas se abraçam e eu viro uma planta.— Não acredito que você veio. — Valentina se solta do abraço pra abraçar o garoto que com um sorriso amigável nos lábios.— Vim ver a minha ruivinha preferida. — Ele afirma, abraçando ela com força.— Helinor, deixa eu te apresentar meus melhores amigos. — Ela finalmente parece lembrar da minha existência.— Miranda, Alex..esse é o Heitor, o maior playboyzinho daqui. — Ela ri da cara indignada que eu faço.— Eu não sou...— Então, você é o namorado da minha amiga... — A garota se aproxima de mim, me analisando.— Miranda?! — As bochechas de Valentina coram furiosamente.— Então você é o namorado da minha ruivinha! — O garoto moreno se aproxima de mim e meus músculos ficam tensos com o olhar ameaçador que ele me lança.— Eu... eu não... eu não sou namorado... dela. — Engulo em seco.— Vocês podem parar com isso? Quem foi que disse que eu namoro com o Helinor?... Meu pai! Foi ele, não foi? — Valentina deduz e os dois apenas riem.— Prazer em conhecê-lo, Heitor, por mais que você não seja namorado dela... Ainda. — Miranda fala de forma tranquila.— Obrigado... eu acho. — Sorrio desajeitado e Alex aperta a minha mão. Se eu fosse paranóico, diria que ele estava tentando quebrá-la.— Tudo bem, já chega de apresentações. Vamos logo, que o Simon tá esperando a gente. — Valentina diz impaciente.— Aonde vamos? — Pergunto confuso.— Vamos à uma festa! — Ela anuncia, comemorando.— O tio Léo nos mata se descobrir. — Alex fala em um tom preocupado, mas as duas nem ligam.— Nós dois vamos na sua moto, pode ser? — Ela pergunta.— Pode sim. — Respondo automaticamente.Com esse olhar doce, eu já não consigo negar nada a ela.— Chegamos! — Valentina comemora assim que paramos em frente à uma bela casa, com música alta. — Eu pensei que era uma festa só pros amigos mais próximos. — Alex comenta receoso. — E você acreditou? — Miranda comentou rindo. — Vamos, ainda temos que encontrar o Simon no meio de toda essa gente. — Alex segurou a mão de Miranda e os dois foram à nossa frente. A casa é bonita, tirando os copos de bebida espalhados por todos os lados e o cheiro forte de cigarro. Comecei a me sentir meio deslocado e me arrependi de ter vindo. — Essa não foi uma boa ideia, acho melhor eu ir... eu nem conheço ninguém e... Tento dar meia volta, mas Valentina segura firme o meu braço, impedindo que eu ande. — Relaxa, Helinor, é só uma festa. Tirando os quatro, eu também não conheço ninguém aqui e o Simon é legal. Suspiro pesado. Talvez eu acabe me divertindo. Valentina segura minha mão e começa a me puxar pelo meio de todas as
— Valentina! — A garrafa de cerveja em minha mão caiu, e o líquido que tinha dentro molhou meus pés. Solto Valentina o mais rápido que posso, ainda a tempo de ver Miranda entrar pela porta. Respiro aliviado.— Amiga, funcionou... ele disse que quer falar comigo depois! — Miranda não esconde a felicidade. Seus olhos brilham. — Amiga, ele tá tão na sua! — Elas comemoram feito loucas e eu fico mais confuso ainda. — Eu vou lá, me deseja sorte! — Miranda volta pra dentro da casa, novamente me deixando sozinho com a ruiva.Que situação estranha. — Do que ela estava falando? — Me aproximo dela, mas não tanto. — Parece que ela acabou de conquistar o carinha que tava de olho. — Ela responde sem olhar pra mim. Sorrio levemente, tentando me sentir confort&a
— Acho melhor você dar meia volta e cair fora, ela não quer te ver nem pintado de ouro. — Me assusto com o quão direto Leonardo é. — Eu realmente preciso falar com ela. — A Valentina chegou em casa soltando fumaça, eu não sei o que aconteceu... Mas acho que foi sério, né? — É complicado. — Digo baixo. — Onde ela está agora? — Se trancou no quarto de caixas... ela já está lá há um bom tempo. Arregalo os olhos assustado. Não penso, apenas empurro Leonardo da minha frente e subo as escadas correndo, ignorando completamente os gritos de protesto dele. — VALENTINA! VALENTINA, ABRE ESSA PORTA! — Grito desesperado. Bato na porta incontáveis vezes, chamando o nome dela, mas não obtenho resposta nenhuma. — VALENTINA, EU SEI O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO, ABRE ESSA PORTA, POR FAVOR! — Ei... o que está acontecendo, por que você tá gritando como um louco? — Leonardo se aproxima, preocupado. — Ela... eu não posso...
Abro meus olhos com dificuldade. Meu corpo dói pelo cansaço excessivo. Encaro a janela aberta e o vento fresco que entra no quarto, fazendo as cortinas se moverem. Já está quase amanhecendo e eu não dormi mais que duas horas. Passei a noite me remexendo na cama, sem conseguir esvaziar a mente. Meus pensamentos insistiam em ir pra uma única pessoa. Valentina. Me arrependo de ter sido tão duro com ela. Mas não vou pedir desculpas se ela também não se desculpar. Nós dois estamos magoados e, no momento, precisamos ficar o mais longe possível um do outro. A imagem dela me encarando com os olhos vidrados e a expressão magoada assombram minha mente toda vez que fecho os olhos. Não sei o que está acontecendo comigo.....Acordo de um pesadelo. Minhas mãos tremem descontroladas e meu corpo sua frio. Olho o re
— Esse foi o último. — Fecho o caderno e encaro a ruiva á minha frente.— Finalmente. Eu já estava com vontade de ir embora, achando que você tava só me enrolando. — Valentina se desencosta da porta e senta ao meu lado.— Você ficou aí me olhando enquanto eu fazia meus trabalhos atrasados por quase duas horas. — Arqueio a sobrancelha. — Fala logo o que você quer, ruivinha.Ela abre um sorriso travesso e seus olhos brilham de expectativa.— Eu sei que você ainda está meio deprimido... e não tiro sua razão, eu entendo. — Ela se explica rapidamente e eu assinto. — Mas é que vai ter uma festa na casa da Miranda hoje, é aniversário dela... e eu queria muito que você fosse comigo.— Você está me chamando pr
Não sei bem como me dei conta disso, eu apenas soube. Senti.Ela é tão doce. Tão gentil.E ao mesmo tempo tão irritante.Ela me enloquece como ninguém e me faz feliz com um simples sorriso.Quero estar perto dela o tempo todo, quero ser o seu porto seguro. Quero ser o melhor amigo dela, mas mais do que isso.Me sinto tonto com todos esses pensamentos de uma vez. E quando ela sorri pra mim no meio da música, eu entro em combustão.Solto a ruiva e começo a empurrar algumas pessoas á minha frente, saindo dali praticamente correndo.Respiro fundo quando chego ao que deduzo ser a parte de trás da casa. Não havia ninguém aqui, então eu me sentei na grama verdinha e bem aparada, tentando assimilar tudo o que aconteceu nos últimos minutos.— Achei você! — Ouço a voz dela atrás de mim. — O que aconteceu, você está bem? —
Encaro o computador á minha frente. O cursor pisca sem parar, esperando que eu comece a digitar. Mas nada sai.Suspiro, me dando por vencido. Não sei fazer um trabalho tão bom quanto a ruiva. Valentina se ofereceu pra fazer o trabalho, mas eu com o meu super ego, garanti que dava conta de fazer tudo sozinho. Agora estou aqui, numa tarde de Domingo, sem conseguir digitar uma palavra, quase desistindo.E é o que eu faço.Levanto da cadeira giratória e vou até a casa ao lado. Toco a campainha, nervoso pela ansiedade de ver a ruivinha.Não demora muito e a porta se abre, revelando uma Valentina de vestido de alcinhas florido. Ela sempre deixa uma mecha de cabelo fora do coque pra ficar enrolando o dedo, é uma mania que acredito que ela nem sabe que tem.— Ah... oi, Heitor. — Ela diz num tom seco, como se estivesse incomodada com a minha presença.— Oi... é que eu..
Não durmo bem naquela noite. Não consigo limpar a mente, meus pensamentos insistem em voltar pra ruiva. Por mais que me esforce, não consigo entender porque ela ficou tão indiferente em relação a mim de uma hora pra outra.Talvez ela só esteja com medo. Nossa conversa na outra noite pode ter deixado implícito o que eu sinto por ela. E há uma mínima chance dela sentir o mesmo. Valentina está fugindo dos seus sentimentos. Por isso ela estava tão tensa. Quando ela fica com medo, esconde suas reais emoções e age com indiferença.E eu preciso descobrir se é isso o que está acontecendo. Vou voltar a ser o playboyzinho pegador que a ruiva tanto critica.Valentina vai provar do próprio veneno.....Caminho calmamen