Capítulo 4

Eu definitivamente não entendo as mulheres. Como é possível elas mudarem de humor em uma fração de segundo? Me pergunto se isso não é só mais um traço da personalidade explosiva de Valentina.

Desde o dia da carona, duas semanas atrás, nós nos aproximamos. De vez em quando ela me dá uma resposta afiada, então eu apenas respiro fundo e rio.

Amigos, talvez seja o que nós somos.

Não daqueles que se abraçam toda as vezes que se vêem, ou que passam horas conversando sobre assuntos variados. Não. Nós apenas estamos nos tratando melhor, o que já é um grande avanço.

Mas hoje ela simplesmente surtou e mandou eu ir pro inferno quando eu disse bom dia. Não consigo parar de encará-la durante a aula de Economia, ela parece tão brava, prestes a explodir.

Penso que é algo comigo, mas no fim do dia, quando estou matando tempo na frente da escola com Bernardo e Camila e ela passa como um furacão, percebo que, o que ela tem não é raiva; é tristeza.

...

Toco a campainha e espero alguém abrir. Não sei porque, mas minhas mãos estão suando descontroladas. Tão perdido nos meus pensamentos, nem percebi quando Leonardo abriu a porta.

— Fala, Heitor. — Ele sorriu.

— Oi, Léo. — Me senti um pouco constrangido por não ter notado a presença dele antes.

— Você parece perdido. — Ele comenta.

— N-não... — Tento sorrir. — A Valentina tá aí? Nós temos um trabalho da escola... pra fazer.

Ele sorri e concorda.

— Eu estou indo pro hospital, tenho um plantão pra cumprir. — Ele me dá passagem e eu entro. — Ela está no quarto, pode ir lá.

Apenas concordo.

— Eu sei que o máximo que pode acontecer é vocês se matarem, então... cuidado. A Valentina não está de bom humor. — Ele faz uma careta e eu me assusto.

— Não se preocupa, eu já tô acostumado com o mal humor dela. — Sorrio nervoso.

Ele solta uma longa respiração.

— Tenta não provocar ela. A Valentina... está passando por um momento difícil. Acho que ela só precisa de alguém da idade dela pra desabafar, sabe?

Sou pego de surpresa pelas palavras dele. Assinto em silêncio e ele vai embora. Respiro fundo e subo as escadas que levam ao quarto da ruiva.

— Valentina? — Bato na porta, mas não obtenho resposta. Está tudo muito silencioso.

Abro a porta do quarto, que estava destrancada e varro o local com o olhar. Ela não está aqui.

Decido procurá-la no escritório de seu pai. Não haviam muitos lugares pra ela estar. Fecho a porta do quarto dela e começo a atravessar o corredor. Tudo estava muito silencioso. Um barulho no quarto ao lado chama a minha atenção. Vejo a claridade por baixo daquela porta e fico curioso.

Aquele quarto estava desocupado, só haviam algumas caixas lá, eu já tinha visto. O barulho forte, como se algo tivesse caído no chão, acaba me assustando. A luz estava acesa, então com certeza Valentina estava ali.

Ando na direção da porta e toco na maçaneta. Está destrancada. Empurro a porta, com receio do que encontraria.

Analiso o quarto pouco iluminado. Tudo parecia igual a última vez que estive aqui.

Exceto pela presença de Valentina. Ela está sentada no chão, encostada na cama, segurando uma lâmina. Seu pulso está cheio de cortes, sangrando. Ela encara o chão. Não parece ter notado minha presença ainda.

Sinto meu mundo desabar, mas me seguro. Olho ao redor dela e vejo várias caixas abertas e objetos espalhados pelo chão. Seus olhos estão muito vermelhos. Ela com certeza chorou. Estou completamente sem ação, não consigo me mover.

Valentina ergue seu olhar pra mim. Seus olhos vermelhos agora me encaram. Ela está paralisada. Abro minha boca pra dizer algo, mas nada sai.

O que posso dizer em um momento desses?

— O que você está fazendo aqui? — Ela pergunta depois de longos segundos. Sua voz carregada de mágoa e sofrimento.

Não consigo dizer nada, apenas entro completamente no quarto e me abaixo, tocando seu rosto molhado. Ela franze o cenho, mas não me afasta. Abaixo o olhar pra suas mãos e lentamente pego a lâmina, jogando-a pra longe. Volto a encará-la, notando pela primeira vez o quanto os olhos dela estão com o brilho apagado. O quanto ela parece machucada.

— Você não está sozinha. — Minha voz sai carregada pela emoção.

Me sento ao lado dela e a puxo pros meus braços. Ela está tão abalada que não tem reação nenhuma, apenas se aconchega melhor e chora em silêncio. Meu coração se aperta. Não faço ideia do motivo dela estar assim e nem me importo.

Pela primeira vez em minha vida, tudo o que quero fazer é ajudá-la; sem segundas intenções, sem razões ocultas.

E isso me apavora.

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