O casamento.

Aram levou Lucine até a frente da casa e ali já havia uma pequena multidão. Uma mulher entregou a xícara de café a ele e o sal a Lucine, que foi instruída a temperar a bebida. Ela já havia ouvido falar desse costume antigo mas nunca havia presenciado, ficou surpresa em como o noivo conseguiu beber o café tão rapidamente, visto a quantidade de sal que ela havia colocado.

Depois, foi preparado um grande banquete, cada membro do clã doava o que tinha disponível para a festa, que era sempre grandiosa. A sacerdotisa reuniu os noivos bem no centro do círculo de mesas, em que estavam a comida e os convidados, os fez ficar bem na frente dela e deu início a cerimônia. Como de costume, ela os abençoou fazendo reverência e preces à Deusa Lua e outras deusas ancestrais, a Deusa do amor e a Deusa da fertilidade.  

Para Lucine, aquilo era um espetáculo muito exagerado, era estranho como os Lycans haviam parado no tempo, seguindo tradições e costumes que os Lobisomens haviam abandonado há muito. Toda aquela vila parecia pertencer a outra época, como as pessoas se tratavam diferia de tudo que ela já havia conhecido. Ela permaneceu calada o tempo todo, apenas observando tudo ao seu redor.

Chegava a ser engraçado como cada um dos convidados parecia não querer estar ali, realizavam tudo mecanicamente, não havia a alegria ou a empolgação que uma festa pedia.  Mesmo o noivo, ela notou parecer estar em um ritual funerário. Ela também percebeu diversos olhares de desprezo e reprovação em sua direção, pelo visto Aram havia falado muito sério sobre ela ser odiada por todos.

Ao final da festa eles receberam os comprimentos de todos e se retiraram para a segunda parte mais importante da cerimônia, a consumação da união.

Quando o casamento acabou, foram caminhando até a cabana. O local onde foram montadas as festividades era uma praça central localizada bem no meio da aldeia, ficava a poucas quadras da casa e o caminho foi percorrido em silêncio pelos noivos.

Aram abriu a porta da residência e gesticulou para que ela entrasse primeiro, ele entrou em seguida fechando a porta atrás de si. Fechou também as janelas e as cortinas para barrar qualquer visão que alguém do lado de fora pudesse ter. Nesse momento Lucine começou a ficar ainda mais pálida e a suar frio. 

A casa do Alfa era uma cabana como muitas outras que Lucine havia visto no povoado, não era grande mas parecia confortável para um macho sozinho. Tinha uma sala com um sofá grande e duas poltronas que pareciam muito convidativas, uma lareira, um móvel com uma televisão de Led em cima e a maior parte do assoalho era coberto com um enorme tapete. A cozinha era pequena mas tinha tudo que era necessário e o único quarto da casa era a suíte em que ela havia se arrumado para o casamento. 

Lucine precisava se agarrar à esperança que ele cumprisse a promessa de que não a forçaria a nada, mas a verdade é que ela estava em desvantagem de força e tamanho, naquele momento a vontade dele certamente prevaleceria. Aram terminou de se certificar de que estava tudo fechado e juntou-se a ela na sala. Lucine estava parada no meio do tapete, cravando as unhas na palma das mãos. Ele não pôde deixar de notar o seu aparente desconforto, então sorriu amargamente, como se ainda não estivesse conformado com a situação.

— Que parte de “não tenho a mínima intenção de te tocar” você não entendeu? Para mim você é deplorável! – Ele disse expirando forte, em seguida levantou uma das mãos e gesticulou como se estivesse se referindo a ela por inteiro. – Olhar para você me dá muita raiva, me desperta asco, e por último, me causa pena. Mesmo que você não fosse da matilha daqueles vermes, eu sou quatorze anos mais velho que você, e não me sinto atraído por garotinhas. Então não pense que eu sou um macho manipulável, suscetível a desejos e não ache que usando seu corpo vai ter alguma vantagem sobre mim, de você eu só quero distância! Eu fico no meu quarto e você dorme aqui no sofá, e nem pense em tentar fugir, a casa vai ficar vigiada até termos certeza de que você está ficando por vontade própria. Por isso certifiquei-me que está tudo bem fechado, assim ninguém a verá a dormir na sala.

Ele foi até o quarto e voltou com um travesseiro e roupas de cama, jogando-os bruscamente em cima do sofá enquanto ela seguia parada no mesmo lugar.

— Você vai ter que acordar bem cedo e desmontar a sua cama. Pode usar esse banheiro do corredor mas chuveiro só tem no meu quarto, se organize para usar enquanto eu não estiver lá. Não sei como eram as coisas na sua matilha mas aqui todos trabalham. Será seu dever cuidar da casa e cozinhar além de outras tarefas que podem surgir.

Lucine assentiu e levantou o olhar pela primeira vez.

— Eu posso cozinhar algumas coisas, mas nada muito elaborado. Apenas o básico para sobreviver.

Ele pareceu surpreso com o comentário dela. Não imaginava uma filha dos Alfas de uma matilha como aquela fazendo qualquer coisa além de aplicar golpes e levar uma vida boa.

— O básico já é melhor que nada. Procure não sair de casa se não for essencial, vamos evitar conflitos desnecessários. Nem sempre vou estar por perto para salvar o seu pescoço.

Ela concordou outra vez e ele retirou-se para o quarto sem dizer mais nada.

Aram entrou e fechou a porta atrás de si, o seu coração doeu quando olhou para a enorme cama que estava decorada para a primeira noite do casal. As mulheres colocavam flores da estação em cima dos lençóis e pelo chão do quarto e velas para serem acesas e deixar o ambiente à meia luz. Tudo aquilo o fez lembrar da sua união com Yasmina, o nervosismo, a antecipação  e a felicidade, que agora parecia muito distante.

Ele caminhou até a cama e sacudiu as cobertas fazendo as flores caírem ao chão. Tirou as pesadas roupas cerimoniais de casamento e colocou o seu costumeiro pijama, precisava que aquele dia terminasse o quanto antes, cada dia vencido seria um a menos em toda aquela loucura.

Lucine despiu-se de parte da roupa da cerimônia e deu-se conta que não tinha outra coisa para vestir. Resolveu ficar com a parte debaixo que parecia uma grande camisola ou vestido branco.

Foi ao banheiro, depois arrumou a cama no sofá e deitou-se. Não tinha certeza se conseguiria dormir, estava exausta, e aquele sofá era o que havia tido de mais próximo de uma cama em meses. Pôde ver no olhar dele que ele não mudaria de ideia sobre a consumação do casamento, não que ela confiasse na palavra de um macho, mas em seu olhar estava claro o desprezo que ele sentia por ela. 

O Alfa Aram era de uma estatura e porte físico imponente, mesmo através das roupas era possível distinguir músculos bem formados e sólidos. Os seus cabelos eram muito negros e os seus olhos também e a sua pele era morena, apesar daquele clima frio das montanhas, devia ter algo a ver com a sua descendência. Tudo isso a deixava assustada porém também sabia de seu potencial.

 Na noite em que o Alfa Lycan matou todos de seu clã, ela foi sequestrada por dois gamas e viveu como prisioneira até o dia em que ela conseguiu se libertar enquanto eles dormiam e teve a sorte de pegar uma faca e abatê-los sem que eles acordassem. Como seus pais eram o Alfa e a Luna da matilha, quando ela matou os dois últimos integrantes de seu clã, ela se transformou em uma loba Alfa suprema.

Decidiu que o importante era se manter forte e desenvolver as habilidades que havia adquirido ao matar seus captores, para conseguir escapar com uma chance real de sucesso.

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