Aram se sentiu observado, ergueu os olhos e a loba estava parada na porta da cozinha encarando-o. Ele podia sentir o cheiro do seu medo, e não entendia, já que ele nem mesmo a havia percebido ali. Quando a olhou mais tempo viu que ela havia trocado de roupa, vestia um conjunto de moletom que parecia ser 5 vezes maior que o seu tamanho. Que belo trabalho Szafir havia feito.
— O que foi? Tem algo a me dizer? — Eu, eu queria saber se você não tem nenhuma tarefa que eu possa realizar, não quero ficar sentada no sofá olhando para as paredes. Ele apoiou a lâmina do machado no chão antes de responder à ela. — Você pode, sei lá, assistir televisão. Aproveite para pôr em dia seu programa favorito. — Eu não tenho mais um programa favorito. Ela respondeu a ele em tom bastante sério. Aram deu um longo suspiro, sabendo que não seria tão fácil se livrar da companhia dela. — Então você pode ir pegando toda a lenha que eu rachar e levar para a pilha que tem no galpão. Ele disse, apontando a grande construção de madeira que ficava quase no limite do terreno. — Está bem. Lucine respondeu e começou a realizar a tarefa. Ele partia os troncos com bastante agilidade, mas ela aos poucos foi conseguindo acompanhar o ritmo dele. Ao meio-dia a pilha de lenha já estava com um bom tamanho. — Você tem que olhar lá dentro, pode ser necessário começar uma pilha nova. Aram foi verificar e viu que ela tinha razão. — Sim, depois do almoço podemos começar outra. Agora vamos entrar e esquentar a comida. Enquanto Lucine foi até o banheiro se lavar para o almoço, ele discou rapidamente o número de Szafir, que atendeu com dois toques o telefone. — Essas roupas foram o melhor que você conseguiu? Eu sei que são suas, se fosse para dar as minhas eu mesmo teria feito isso. — Bem, eu achei que você a odiasse demais, a ponto de nem cogitar emprestar suas próprias roupas. O outro homem respondeu sarcástico. — Além disso, eu não podia bater nas portas por aí pedindo roupas emprestadas para ela, você sabe que ninguém a quer realmente por perto. Szafir às vezes usava esse tom mais informal com ele, principalmente quando estavam a sós, pois eram amigos de longa data e deviam muito um ao outro, mas nem de longe era um tom adequado para se usar com um Alfa. — Então vá à cidade mais próxima amanhã e consiga alguma coisa mais adequada. — Você manda cara, ah, eu me dei conta que esqueci de colocar meias na sacola, ele deve estar com os pés congelados. Acho que você vai ter que conseguir algum par dos seus. — Ok. Ele disse desligando, pois ela já estava retornando para a cozinha. Ela não havia mencionado nada sobre não ter meias e, além de frio, depois de todo aquele trabalho pesado e movimentação, ela poderia estar com os pés cheios de bolhas. — Pode servir e esquentar. Ele ordenou e passou por ela, foi até o banheiro para se lavar e depois para o quarto pegar uma camiseta limpa. Olhou a gaveta das meias, hesitou por um momento, depois a abriu, pegou três pares e voltou para a cozinha. — Pode pegar essas para usar, amanhã o Szafir vai comprar algumas coisas que você precisa na cidade, seria bom você fazer uma lista. Ela largou o prato na mesa e pegou os pares de meias que ele lhe estendia. Olhou para as peças como se não soubesse o que fazer. — Não sei se coloco agora já que vou seguir trabalhando, vão ficar sujas. Ele parecia um pouco irritado com o comentário dela. — Você não está com frio? Coloca um par, depois troca. Se precisar tem mais na gaveta da cômoda. — Ok, obrigada. Ela foi até o sofá da sala, tirou os tênis e colocou as meias. Quando levantou a perna da calça para puxar as meias até em cima, Aram pôde ver as feridas que ela tinha nos tornozelos e que subiam até uma certa altura da perna. Ele se aproximou para conseguir ver melhor. — O que diabos é isso na sua perna, como se feriu assim? Foram os Lobisomens que entregaram você que a machucaram? Ela se surpreendeu um pouco quando ele se aproximou e tratou de abaixar a calça rapidamente, não sabia ao certo o que responder sobre seus ferimentos e então achou que o mais simples seria falar a verdade. — Eles me mantiveram amarrada em um porão, para eu não tentar fugir, mas só piorou os ferimentos que já existiam por causa dos Gamas. Não se preocupe, eles não me impedem de realizar as tarefas, logo vão se curar. — Para o inferno com as tarefas, isso daí está bem feio, você pode acabar perdendo a perna, deveria cuidar disso. — Eu lavei bem ontem, não parece que vai infeccionar. Contanto que eu não seja amarrada outra vez, vou ficar bem. Ela disse, levantando-se para voltar à cozinha. Ele cruzou os braços na altura do peito e deu um passo para bloquear a passagem dela, era um obstáculo bem intimidador. — Não estou te dando opções, cuide desses ferimentos. A última coisa que eu preciso é que você morra devido a alguma infecção ou tétano. Ela o encarou, mantendo seu olhar por um longo tempo. — Mas eu acreditava que a minha morte seria algo benéfico para você, te pouparia muitos problemas. Ele seguiu encarando-a antes de responder. — Sim, a sua morte trágica e acidental, não por algo que eu poderia ter evitado. Eu não sou esse tipo de homem que mata crianças. Já te poupei uma vez, você deveria saber disso. — Eu sei, mas eu não sou mais uma criança, porém, um problema para você eu continuo sendo. Ele deu um passo para o lado para liberar a passagem dela. — Vamos comer, depois do almoço cuidamos disso. Lucine achou melhor não testar a paciência dele, afinal, seu objetivo era sair dali viva. Quanto mais calma se mantivesse, mais chances tinha de ter sucesso.Eles comeram em silêncio e quando terminaram, Lucine foi recolher os pratos para limpá-los. Aram segurou seu pulso quando ela foi tirar o dele.— Depois de fazer isso, me espera no sofá da sala.Ela fez como ele pediu enquanto Aram se dirigia ao quarto. Ele voltou com uma caixa de suprimentos de primeiros socorros e se sentou no mesmo sofá que ela, porém mais afastado.— Agora tira o tênis e coloca a perna no sofá.Ela o obedeceu, colocou o pé já sem a meia para cima do sofá, próximo de onde ele estava. Ele pegou a perna dela, colocou em seu colo e começou a examinar atentamente os ferimentos. Deu-se conta que existiam diversas cicatrizes, umas por cima das outras, o que significava que ela passou bastante tempo amarrada com as cordas a ferindo. Os machucados se curavam e outros eram abertos. Naquele momento ele soube que aquela fêmea havia passado por algo verdadeiramente ruim. Achou melhor não fazer qualquer comentário, lavou a região com soro e aplicou uma pomada com antibiótico.—
— Comida de cachorro? Como eu iria imaginar? Você nem tem um cachorro!Lucine tentou se explicar, visivelmente confusa.— Você chegou aqui ontem, como pode saber se eu tenho ou não um cachorro?— Onde está esse cachorro então, e porque não estava escrito no pacote que era comida de cachorro?Aram secou a boca com um pano de prato que estava no fogão. Apesar de tudo, o cozido não havia ficado com gosto tão ruim, apenas a textura estava estranha. Quando Yasmina morreu, ele não conseguiu ficar com o cachorro deles, o Eros. Szafir então levou o animal para a sua casa, para que fosse cuidado decentemente. Nas raras vezes que ia fazer compras, ele comprava comida para o animal e entregava ao amigo. Com os últimos acontecimentos, havia esquecido de entregar a ração a Szafir.— O cachorro não mora mais aqui, mas eu ainda levo comida de vez em quando. Bem, mas não importa, não têm como comer isso, vou fazer uns sanduíches.Ela começou a esvaziar os pratos de volta na panela.— Eu sinto muito A
Quando todos já iam se dirigindo ao galpão de suprimentos, Lucine ainda esperava Aram, que conversava com alguns homens mais velhos. O fato daquele beta ter vindo falar com ela, diminuiu um pouco o desconforto de se sentir odiada por todos ali presentes. Não que ligasse para a opinião de quem quer que fosse, mas sentir olhares afiados em sua direção não era agradável.Szafir também havia dado um bom conselho, que ela precisava trazer sempre na mente. Ele disse que Aram era um bom Alfa, mas que sua paciência não era conhecida por ser infinita. Que ela teria mais a ganhar se não o ficasse testando em embates e, de preferência, não oferecesse mais comida de cachorro para ele. Ela sorriu ao lembrar de sua fala descontraída. Ele havia dado o conselho e se retirado, deixando-a pensativa, instantes depois ela percebeu que o Alfa estava vindo até onde ela o esperava. Tinha uma
O tempo passou de forma amena, com o Alfa reconquistando o respeito do povo. Trabalhava igual aos demais na indústria de madeira, e nos dias livres ajudava no reparo das casas que necessitavam algumas reformas. Lucine não desistiu de aprender a preparar uma refeição decente, e com comida de verdade, que não era para cachorros, não foi tão difícil. Nos dias em que não ia para a madeireira, Aram ajudava bastante, com a casa e com as refeições.Lucine começou a gravar o rosto das pessoas, pois os via quase diariamente quando ia levar o almoço para o marido na fábrica. Com o passar dos dias, começou a receber alguns acenos de cabeça e até um até logo ou outro. O fato de ela ir todos os dias, pelo visto, estava fazendo as pessoas acreditarem que ela cuidava bem do marido.O fato do Alfa sempre a receber com um modesto, mas sincero sorriso, e demonstrar b
Em uma tarde em que ele não estava trabalhando, eles foram até uma pequena cidade que ficava próxima à aldeia, para comprar mantimentos. O lugar ficava a apenas 20 minutos de carro da aldeia, e possuíam um armazém bem abastecido e algumas lojas pequenas de roupas.Os dois foram primeiro ao armazém, passaram por um corredor de doces e ele percebeu que ela ficou olhando para uns chocolates que estavam na prateleira, porém não disse coisa alguma. Ele então, pegou alguns e colocou no carrinho de compras.— Você não precisa de nenhum produto específico, sei lá shampoo, desodorante?Ele perguntou, quando percebeu que ela não escolheria nada para si.— Estou bem com o que você tem em casa!Aram parou de empurrar o carrinho e a encarou.— Lucine, o shampoo do meu banheiro deve estar vencido a alguns meses! E você realmente planej
Lucine resolveu aproveitar que Aram estava na madeireira para usar o chuveiro do quarto com tranquilidade e tomar um longo e relaxante banho. Desde que ela passou a viver na cabana, não perdia uma oportunidade de tomar um banho quente. Como de costume, ela colocou uma música em um volume bem alto na televisão e se dirigiu ao banheiro, deixando as portas abertas para escutar a "Playlist" que havia selecionado.A tarde não poderia ter começado melhor, ponderou Aram irritado. Havia sofrido um acidente com a serra e acabou cortando o braço. Ele foi atendido por um médico, levou alguns pontos no antebraço e foi informado que não poderia trabalhar por alguns dias. Sem ter outra alternativa, voltou para casa.Quando chegou na cabana estranhou ao constatar que na tv estava tocando uma música em um volume muito alto e Lucine não estava em parte alguma, certamente ela deveria estar fazendo alguma tarefa l&a
Aram foi tomar banho maldizendo até o mais longínquo de seus antepassados. Definitivamente ele não passava de um grande pedaço de merda. Enquanto a água quente escorria pelo seu corpo, ainda estava chocado por tê-la visto nua. A verdade é que ela já não parecia uma criança, mas sim uma mulher, uma fêmea por quem seria muito fácil um macho sentir desejo.Como ele podia estar pensando assim, o que Yasmina diria se o visse agora? Graças à Deusa Lua que seu psicológico ainda estava bastante abalado e ele não expressou de forma física o quanto ficou impactado. Se tivesse ficado de pau duro ele certamente teria dado um soco que terminaria com a funcionalidade daquela coisa, se é que ainda restava alguma.Talvez fosse o tempo de convivência tranquila, e até uma certa parceria, que tivesse embaralhando suas ideias. O melhor era seguir seu p
Lucine permaneceu sentada no sofá, envolta nas cobertas que momentos antes cobriam os dois. Mantinha a cabeça baixa enquanto ele se afastava em direção a lareira e encarava o fogo com expressão de quem estava com a mente em algum lugar distante e assustador.— Faz seis meses…seis meses que você está aqui. Como eu não percebi nada antes?Ela levantou o olhar ao respondê-lo.— Você não tinha como saber, eu fui desenvolvendo aos poucos as habilidades. Na noite em que os matei, me transformei mesmo não sendo lua cheia. Agora eu posso sentir uma energia enorme dentro de mim, mesmo na forma humana. Eu tenho uma visão de longo alcance, uma força muito além do normal e alguns outros bônus. Sem contar o meu faro, essa mistura de cheiros me deixa louca às vezes. Tudo foi aparecendo pouco a pouco depois daquele dia. Eu ainda tenho dificuldade em controlar, mas acho que estou indo bem.— Indo bem? É um milagre que você não tenha matado ninguém ou se matado.Disse Aram, visivelmente preocupado. Lu