Querido diário,
Hoje eu me peguei pensando novamente sobre o amor e o que isso realmente significa para mim. A forma como a minha irmã está se entregando a um relacionamento com alguém que nunca conheceu realmente me deixou intrigada. A ideia de abrir mão das minhas próprias escolhas, dos meus próprios desejos, para agradar outra pessoa, parece tão distante da minha realidade, Scarllet parece fazer isso com grande facilidade.
A verdade é que não consigo me ver vivendo assim, submissa a expectativas e ajustando minha vida para se encaixar na de outra pessoa. Sinto que meu futuro não é necessariamente ao lado de um homem, nem que eu precise abrir mão do que sou para estar com alguém. A ideia de ter que aprender todas as preferências de alguém, esquecendo das minhas, e sempre temer desagradar, é algo que não consigo aceitar, é como abrir mão da minha vida, em prol de outro.
Além disso, vejo como a admiração por esse Giovani, que nem se quer conheçemos, é quase como um culto à aparência ou função. Ele pode ser bonito, mas será que isso realmente faz dele alguém que merece tanto sacrifício? A foto dele, que Scarllet carrega consigo em seu pingente, é de anos atrás; será que ele é realmente assim ainda? Será que beleza e poder é motivo suficiente para abrir mão da nossa própria identidade?
Acho que, no fim das contas, o que eu desejo é encontrar um equilíbrio onde eu possa ser eu mesma, onde possa manter meus desejos e valores intactos. Talvez o amor seja algo diferente do que eu vejo ao meu redor, algo mais alinhado com o respeito e a parceria verdadeira, e não com sacrifícios e expectativas infundadas.
Por enquanto, vou continuar me conhecendo e buscando o que realmente faz sentido para mim, sem me deixar levar pelos padrões que os outros tentam impor.
Até mais,
Antonella Bellini
Dois anos depois
Já se passava da metade da manhã, o som dos saltos de Scarllet ecoava pelo corredor, enquanto ela corria apressada, cheia de energia pela casa. — Ele está vindo! — Sua voz, transbordando de puro entusiasmo, fez-me aguçar os meus ouvidos, dando uma certa atenção. Ela parecia quase tropeçar em suas próprias pernas, levada pela agitação, mas a alegria de Scarllet era inconfundível.
Com seus cabelos loiros claros e olhos azuis oceânicos brilhando, Scarllet estava mais animada do que nunca. Seu celular estava na mão, e ela mal conseguia esconder a felicidade ao anunciar a notícia. Eu estava deitada no chão da sala, absorta no meu livro *Como Convencer Alguém em Noventa Segundos, e apesar de ser a mais velha, Scarllet tinha o poder de transformar qualquer evento em algo grandioso.
— Ele está voltando! — ela repetiu, como se não pudesse acreditar na própria sorte. A minha questão era saber exatamente quem, ou quê? Se tratando de Scarllet, qualquer chegada poderia ser plausível.
Levantei um olhar breve, tentando manter o foco no livro, mas a euforia dela era contagiante. Sabia que Scarllet estava falando de algo relacionado ao Geovani, seu amado, que aparentemente era uma presença constante em seus pensamentos e conversas, mas a sua presença, nunca fora existente. O entusiasmo dela sempre indicava algo grande, mas eu estava imersa em técnicas de persuasão, e a empolgação dela me fazia reconsiderar a importância do evento.
— Scarllet, calma — Lhe disse, tentando desviar minha atenção do livro, para contér a sua euforia. — Quem é esse “ele” que está voltando? — fiz um gesto com as mãos para marcar a importância da pergunta.
Scarllet me olhou com o brilho ainda mais intenso em seus olhos, seus saltos fazendo um ritmo impaciente no chão. Nossa mãe entrou apressada, secando as mãos em um pano de prato.
— O Geovani! O Geovani, irmã, mamãe, o Geovani está de volta! — A notícia me parecia apenas um blefe, como se estivéssemos em um ciclo repetitivo. A cada novo semestre, Geovani parecia voltar, mas os encontros sempre se desvaneciam. Era uma história antiga de amor não correspondido.
Segurei o livro com mais firmeza, observando minha mãe sorrir amplamente, afim de acalmar a sonhadora Scarllet. A agitação tomava conta da casa, quase como se fosse uma celebração. Eu, por outro lado, me deitei no tapete, distante da euforia, novamente. — Flha calma! — Mamãe falou com certa paciência.
— Ella? Você não está feliz? — Scarllet me perguntou, com um tom animado, como se exigisse uma animação de mim também.
— Eu vejo que é realmente algo importante para você — respondi, tentando não deixar a falta de entusiasmo transparecer. — Espero que tudo ocorra bem desta vez. — Lhe disse folheado o meu livro para a próxima página. — Claro que vai correr tudo bem, ele está vindo, mãe, ele esta vindo! — Disse com certa urgência, tudo bem, eu compreendia a sua necessidade de casar, ter uma penca de filhos e se tornar de uma vez, a senhora Ferreti.
— Vai sim, meu amor, claro que vai! — Mamãe cogitou, sorrindo para Scarllet, por outra via, encarando-me, como se pudesse me persuadir. — óbvio que vai! — Lhe disse, ignorando-a.
Scarllet sorriu ainda mais, radiante, e se preparou para sair, com seu entusiasmo quase inabalável. Enquanto ela saía da sala, suspirei levemente e olhei para a minha mãe, que estava parada.
— Você não acredita mais que ele venha, não é? — perguntou-me mamãe, com uma pontada de preocupação. Dois anos de noivado e Geovani nunca havia vindo vê-la, nem mesmo para o sepultamento do próprio pai, compareceu . O que poderia esperar do meu futuro cunhado? Se ele aparecesse no exato momento seguite, para mim, estaria em atraso.
— É um pouco difícil — afirmei, buscando me concentrar no meu livro novamente, por mais que eu ame a minha irmã, no momento, persuadir, me parece mais interessante.
Minha mãe me olhou com um misto de tristeza e resignação. Eu entendia a necessidade de Scarllet acreditar no retorno de Geovani, mas para mim, a falta de presença dele era uma constante lembrança de que talvez as promessas e expectativas fossem apenas palavras vazias.
Enquanto voltava ao meu livro, pensei sobre o que realmente importava para mim e para Scarllet. Eu desejava que ela encontrasse a felicidade, mesmo que a realidade parecesse mais complexa do que as promessas de um futuro perfeito.
Alguns anos atrásO cheiro de metal enferrujado e frio que penetrava os meus ossos. Minhas mãos estavam atadas, os pulsos cercados por ferros duros que pareciam se aprofundar a cada movimento. A dor pulsava, um lembrete constante da minha prisão. O ambiente ao meu redor era sombrio e claustrofóbico, as paredes impregnadas de um silêncio opressivo, quebrado apenas pelo eco distante de passos. Eu sentia cada ferimento, cada contusão, como se meu corpo estivesse gritando por liberdade. O atrito do metal contra minha pele era agonizante, e a pressão incessante me deixava à beira da loucura.Minhas lembranças eram turvas, mas algumas imagens persistiam: rostos conhecidos, risadas, um mundo além dessas paredes. A cada instante, a dor se tornava mais insuportável, como se tentasse arrancar algo de mim. Eu me sentia fragmentado, uma sombra do que sou, lutando contra o desespero que tentava me consumir.A luz que filtrava pelas frestas era um lembrete cruel de quem eu sou, e o futuro que me e
— Senhorita...— Desperta pela voz baixa, quase como um sussurro, do garçom a me chamar, tirando-me da leitura, olhei para o lado, odiando a interrupção, a maneira brusca como o jovem rapaz afastou-se, fora o suficiente para demonstrar o incomodo. O garçom hesitou, a voz um pouco trêmula. — A conta, senhorita? — perguntou, tentando não parecer nervoso. Eu ainda estava imersa nas páginas, a narrativa se desenrolando na minha mente, mas a realidade ao meu redor me puxava de volta. O café já estava vazio, as luzes acesas, e lá fora a escuridão dominava. Olhei para o relógio na parede, os ponteiros se movendo lentamente, como se quisessem me dizer que eu deveria sair dali, mas a ideia de deixar o livro incompleto me incomodava. — Sim, por favor — respondi, tentando esconder a frustração. Enquanto ele se afastava, voltei a olhar para as últimas páginas. As palavras dançavam diante dos meus olhos, mas agora, com o espaço vazio e a escuridão crescendo, eu sabia que tinha que enfrentar a pau
A dúvida se tornava cada vez mais aguda, como uma lâmina afiada cortando minha mente. Meu pai, uma figura que sempre admirei, agora tornava-se mais distante do que nunca. Sua morte me impediu de obter as respostas que tanto ansiava. Sentia um ar de rejeição em suas atitudes, como se ele estivesse disposto a entregar a cidade aos inimigos antes de fazer qualquer esforço para proteger seu próprio filho. Essa rejeição era perplexa e dolorosa, um labirinto emocional do qual eu não conseguia encontrar a saída.Por que essa entrega? O que havia mudado nele? Lembro-me dos dias em que ele falava sobre honra e lealdade, sobre a força da família e o peso do legado. Agora, suas ações pareciam sugerir uma fraqueza que eu não conseguia entender. Era como se ele tivesse desistido de lutar, como se o peso da responsabilidade fosse tão esmagador que preferisse ver tudo desmoronar do que passar para mim.A culpa que ele sentia em relação a um homem por causa dos erros de um garoto me incomodava. Ele i
Cheguei em casa tropeçando nas próprias pernas, com o coração ainda acelerado, como se a adrenalina não tivesse me deixado em paz. Ao esbarrar no portão de zinco preto, adornado com arebescos, avistei Domenico me observar com uma feição carrancuda ao abri-lo. — Não deveria... — começou ele, mas não esperei para ouvir o restante, assim que abriu o portão. Apressada, segui pelo caminho de pedras em direção à porta de madeira. A inquietação que sentia era muito mais intensa do que o medo que aqueles homens haviam me causado.As luzes das salas estavam acesas, enquanto as de cima estavam apagadas, o que aumentou meu desconforto. Ao abrir a porta, adentrei a sala, controlando os passos, ciente de que ouviria queixas e reclamações dos meus pais.— Ella! — Porém, foi Scarllet que saltou do sofá, abandonando uma caixa dourada que estava em suas mãos. Usando uma camisola de renda que realça seu cabelo loiro, eu sorri fraco, tentando encontrar forças em meio à confusão e o alívio de vê-la e nã