Cheguei em casa tropeçando nas próprias pernas, com o coração ainda acelerado, como se a adrenalina não tivesse me deixado em paz. Ao esbarrar no portão de zinco preto, adornado com arebescos, avistei Domenico me observar com uma feição carrancuda ao abri-lo. — Não deveria... — começou ele, mas não esperei para ouvir o restante, assim que abriu o portão.
Apressada, segui pelo caminho de pedras em direção à porta de madeira. A inquietação que sentia era muito mais intensa do que o medo que aqueles homens haviam me causado.
As luzes das salas estavam acesas, enquanto as de cima estavam apagadas, o que aumentou meu desconforto. Ao abrir a porta, adentrei a sala, controlando os passos, ciente de que ouviria queixas e reclamações dos meus pais.
— Ella! — Porém, foi Scarllet que saltou do sofá, abandonando uma caixa dourada que estava em suas mãos. Usando uma camisola de renda que realça seu cabelo loiro, eu sorri fraco, tentando encontrar forças em meio à confusão e o alívio de vê-la e não os nossos pais exasperados.
— Onde esteve? — ela me perguntou, vindo em minha direção. — O que houve, está pálida! — Sua mão se estendeu, tentando tocar meu rosto, que desviei. O contato me parecia gelado, e eu não estava pronta para isso.
— O que houve? Onde estava até agora? — A insistência dela era compreensível, mas eu não sabia por onde começar. Em vez disso, desvie os olhos pela sala, até parar na caixinha sobre a mesa de centro. — O que é isso? — perguntei, apontando com o queixo.
Um sorriso discreto surgiu em seu rosto, e isso me deu a certeza de que, por um momento, as perguntas sobre meu paradeiro seriam deixadas de lado.
— Ah, é um par de brincos que a minha futura sogra me entregou. Foi o Giovanni que enviou. — Enquanto ela falava, seu entusiasmo se tornava evidente. Respirei fundo, pensando que ouvir sobre esse noivado não me irritava tanto assim neste momento.
— Ah, jura? E são bonitos? — perguntei, um pouco mais interessada do que realmente pretendia.
Scarllet caminhou novamente até o centro da sala, pegando um dos brincos em seguida, em formato de gota, com uma pedra azul, o erguendo para me mostrar. Os detalhes em pedrinhas brilhantes não passaram despercebidos. Curvando-me, observei melhor, sentindo a beleza do objeto.
— Oh, é lindo! Irá combinar com os seus olhos. — Lhe disse, sorrindo, vendo minha irmã animada sorrir amplamente ao levar o brinco até a altura da orelha. — Você acha? — Assenti a sua pergunta numa confirmação.
— Incrível como ele pensa em tudo, não é? — Scarllet continuou, a animação em sua voz contrastando com o peso que eu carregava. Desconfiei que, na verdade, poderia ser a própria senhora Ferreti a escolher e comprar aquele par de brincos, mas não me atrevi a mencionar.
Enquanto ela falava, eu lutava para manter a compostura. Por fora, tentava parecer tranquila, mas por dentro, as memórias de tempos atrás se entrelaçavam com os sentimentos complicados que me assolavam.
— Então, e você? — perguntei, mudando de assunto, mas minha voz saiu um pouco mais trêmula do que eu gostaria. — Como está lidando com tudo isso?
— Estou tão animada! Giovanni é maravilhoso! — disse ela, com os olhos brilhando. Abri os olhos diante as palavras, uma sensação de felicidade me inundava. — Ah que maravilha, então conseguiu falar com ele? E não me contou? — Perguntei sem conseguir esconder o sorriso em meus lábios, eu temia que eles não se entendesse, que este maldito homem a fizesse sofrer, afinal por um casamento arranjado.
Mas Scarllet murchou, como uma rosa murcha a dias no mesmo vaso, atirando-se ao sofá. — Não! — Proferiu tristemente tal palavra que me deixou confusa.
— O que? Como não? Como ele pode ser maravilhoso se não se falam? — Explodir, vendo a minha irmã deitada no sofá branco da sala de estar fitando o teto, Scarllet poderia não entender a minha agonia, evidente que sendo "manipulada" por sua futura sogra, no fundo desconfio que seja medo, afinal, quem iria confrontar a senhora Irina Ferreti, a viúva da máfia?
— Hum, ele é. — Scarllet suspirou em meio aos seus devaneios, não haveria jeito, ela jamais confrontaria a futura sogra, sem compreendê-la, caminhei em direção a escada, não adiantaria falar, reclamar, ou abrir a cabeça da minha irmã para colocar dentro dela que este casamento tem tudo para dar errado, como poderia em pleno século XXI, na era da tecnologia, um noivado, em que ambos os noivos não se falam? Não se comunicam?
Subi os degraus apressada, reclamando comigo mesmo pela estupidez da minha irmã mais velha. Mas ao aproximar da suíte dos nossos pais diminui os passos, indo em direção ao meu quarto, já não sabia qual era a razão da minha insônia afinal, o noivado ultrapassado de Scarllet ou ser salva por estranho peculiar na cidade.
" Quem seria ele?" Levantei da cama, em alta madrugada, indo em direção a janela, abrir as cortinas, e em seguida a janela, apoiando-me ao parapeito dela. " Seria um turista? Porque eles correram dele?" O dia raiou e por mais que eu quisesse pular esta página, tanto a minha curiosidade sobre o turista e sua energia mascula, quanto a estupidez da minha irmã mexiam comigo.
— Bom dia família...— Desci os degraus de rosto lavado, usando um vestido florido folgado, cabelo preso num coque qualquer, até perceber que naquela manhã, sentados à nossa mesa, não haviam apenas meu pai e minha mãe, nela também estavam presente a minha irmã, o que já era de grande questionamento, mas ao seu lado, segurando a nossa melhor xícara de porcelana, com flores azuis, desenhadas a mão, a imperiosa, e quase majestosa senhora Irina Ferreti.
A mulher de cabelos loiros quase acobreados soltos, trajando um vestido preto, que cobre os seus ombros, o seu colo, usando joias também escuras, se destacando na mesa, quase me fez voltar alguns passos, mas era tarde demais. — Bom dia filha! — Minha mãe, doce, desde que a conheci, disse exibindo um sorriso meigo me olhando.
— Bom dia Ella! — Scarllet cumprimentou-me tão radiante quanto a luz do dia lá fora, quanto a meu pai, olhando-me, com uma cobrança no olhar, fez-me perceber o desacerto. — Bom dia senhora Ferreti. — A saudei, como se a viúva, se importasse com a minha presença. — Bom dia filha! — Papai cumprimentou-me, o seu olhar denunciava mais que cobrança, pude sentir uma clara apreensão.
— Bom dia jovem. — A senhora Irina cumprimentou-me deixando a xícara sobre o pires, enquanto puxando a minha cadeira, sentei-me deligentemente, fitando os itens postos na mesa, certamente pegando uma torrada do cesto. — Ella, eu vou com a senhora Ferreti a joalheria, nos acompanha?
Scarllet perguntou-me, fazendo-me desviar os olhos da geleia a certa distância para ela, evidente que não, mas que diabos, elas irão fazer no joalheiro? — Eu e sua irmã temos algum muito sério a conversar, Let, é melhor ir com a sua mãe. — Nosso pai informou da ponta da mesa, e pelo seu olhar em minha direção, previ que viria alguma reclamação.
— Eu não poderei querido, tenho algumas tarefas domesticas a fazer, perdoe-me filha! — Nossa mãe estendeu a mão para Scarllet sobre a mesa, apertando, o que fez a viúva mastigando elegantemente revirar os olhos disfarçadamente. — É apenas a escolha das alianças, nada demais, não é necessário convocar toda a sua família. — Rosronou sentada a mesa.
O silêncio dominou o ambiente, nossos pais deveriam saber que esta prática é ultrapassada, eu nunca entendi o porque eles nunca se oposeram a este noivado. — Quem deveria escolher as alianças, não deveria ser o seu filho? — Indaguei, recebendo um olhar da minha mãe.
— Cof cof cof— O meu pai iniciou uma crise de tosse, enquanto a mulher ao lado de Scarllet, mantendo uma postura imperiosa encarou-me duramente em silêncio, seus olhos fitavam-me com um toque de menosprezo, e talvez raiva, o que não me foi compreendido, o que havia demais em perguntar? Encaramos seriamente, eu não tinha medo de olhos, tampouco os seus.
— Ai! — Gemi ao beslicão em minha coxa que veio da minha mãe, olhei para ela sem entender, alguém deveria perguntar, isso não me parecia ser nada demais. — O meu Giovanni é um homem ocupado, jovem, ao chegar não terá tempo para essas futilidades. — Arregalei os olhos ao ouvir, em seguida olhando para Scarllet que conformada, mantia-se em silêncio ao seu lado.
— Futi...— Mas o segundo beslicão, não me deixou terminar, se a escolha de alianças, que são simbolos de união, eram futilidades, eu sequer me atreveria a saber o resto.
Tudo me parecia ir contra ao que a romântica da minha irmã sonhava, oferecer um noivado romantico, deveria ser o mínino a ser feito, Scarllet é a jovem mais bela da nossa cidade, mantem-se casta, vive para este noivado, com um noivo fantasma.
Querido diário,Hoje eu me peguei pensando novamente sobre o amor e o que isso realmente significa para mim. A forma como a minha irmã está se entregando a um relacionamento com alguém que nunca conheceu realmente me deixou intrigada. A ideia de abrir mão das minhas próprias escolhas, dos meus próprios desejos, para agradar outra pessoa, parece tão distante da minha realidade, Scarllet parece fazer isso com grande facilidade. A verdade é que não consigo me ver vivendo assim, submissa a expectativas e ajustando minha vida para se encaixar na de outra pessoa. Sinto que meu futuro não é necessariamente ao lado de um homem, nem que eu precise abrir mão do que sou para estar com alguém. A ideia de ter que aprender todas as preferências de alguém, esquecendo das minhas, e sempre temer desagradar, é algo que não consigo aceitar, é como abrir mão da minha vida, em prol de outro.Além disso, vejo como a admiração por esse Giovani, que nem se quer conheçemos, é quase como um culto à aparência
Alguns anos atrásO cheiro de metal enferrujado e frio que penetrava os meus ossos. Minhas mãos estavam atadas, os pulsos cercados por ferros duros que pareciam se aprofundar a cada movimento. A dor pulsava, um lembrete constante da minha prisão. O ambiente ao meu redor era sombrio e claustrofóbico, as paredes impregnadas de um silêncio opressivo, quebrado apenas pelo eco distante de passos. Eu sentia cada ferimento, cada contusão, como se meu corpo estivesse gritando por liberdade. O atrito do metal contra minha pele era agonizante, e a pressão incessante me deixava à beira da loucura.Minhas lembranças eram turvas, mas algumas imagens persistiam: rostos conhecidos, risadas, um mundo além dessas paredes. A cada instante, a dor se tornava mais insuportável, como se tentasse arrancar algo de mim. Eu me sentia fragmentado, uma sombra do que sou, lutando contra o desespero que tentava me consumir.A luz que filtrava pelas frestas era um lembrete cruel de quem eu sou, e o futuro que me e
— Senhorita...— Desperta pela voz baixa, quase como um sussurro, do garçom a me chamar, tirando-me da leitura, olhei para o lado, odiando a interrupção, a maneira brusca como o jovem rapaz afastou-se, fora o suficiente para demonstrar o incomodo. O garçom hesitou, a voz um pouco trêmula. — A conta, senhorita? — perguntou, tentando não parecer nervoso. Eu ainda estava imersa nas páginas, a narrativa se desenrolando na minha mente, mas a realidade ao meu redor me puxava de volta. O café já estava vazio, as luzes acesas, e lá fora a escuridão dominava. Olhei para o relógio na parede, os ponteiros se movendo lentamente, como se quisessem me dizer que eu deveria sair dali, mas a ideia de deixar o livro incompleto me incomodava. — Sim, por favor — respondi, tentando esconder a frustração. Enquanto ele se afastava, voltei a olhar para as últimas páginas. As palavras dançavam diante dos meus olhos, mas agora, com o espaço vazio e a escuridão crescendo, eu sabia que tinha que enfrentar a pau
A dúvida se tornava cada vez mais aguda, como uma lâmina afiada cortando minha mente. Meu pai, uma figura que sempre admirei, agora tornava-se mais distante do que nunca. Sua morte me impediu de obter as respostas que tanto ansiava. Sentia um ar de rejeição em suas atitudes, como se ele estivesse disposto a entregar a cidade aos inimigos antes de fazer qualquer esforço para proteger seu próprio filho. Essa rejeição era perplexa e dolorosa, um labirinto emocional do qual eu não conseguia encontrar a saída.Por que essa entrega? O que havia mudado nele? Lembro-me dos dias em que ele falava sobre honra e lealdade, sobre a força da família e o peso do legado. Agora, suas ações pareciam sugerir uma fraqueza que eu não conseguia entender. Era como se ele tivesse desistido de lutar, como se o peso da responsabilidade fosse tão esmagador que preferisse ver tudo desmoronar do que passar para mim.A culpa que ele sentia em relação a um homem por causa dos erros de um garoto me incomodava. Ele i