Giovani Ferreti

A dúvida se tornava cada vez mais aguda, como uma lâmina afiada cortando minha mente. Meu pai, uma figura que sempre admirei, agora tornava-se mais distante do que nunca. Sua morte me impediu de obter as respostas que tanto ansiava. Sentia um ar de rejeição em suas atitudes, como se ele estivesse disposto a entregar a cidade aos inimigos antes de fazer qualquer esforço para proteger seu próprio filho. Essa rejeição era perplexa e dolorosa, um labirinto emocional do qual eu não conseguia encontrar a saída.

Por que essa entrega? O que havia mudado nele? Lembro-me dos dias em que ele falava sobre honra e lealdade, sobre a força da família e o peso do legado. Agora, suas ações pareciam sugerir uma fraqueza que eu não conseguia entender. Era como se ele tivesse desistido de lutar, como se o peso da responsabilidade fosse tão esmagador que preferisse ver tudo desmoronar do que passar para mim.

A culpa que ele sentia em relação a um homem por causa dos erros de um garoto me incomodava. Ele ignorava as inúmeras vezes em que provei ser diferente, enfrentando e eliminando inimigos da nossa família, lutando ao lado de amigos e aliados. A frustração borbulhava dentro de mim, misturada com dúvidas que pareciam intermináveis.

Havia tantas perguntas sem respostas. O que ele realmente sentia? Havia algum motivo oculto por trás de suas decisões? Ou seria apenas um cansaço desgastante que o levara a essa rendição?

Essas questões martelavam em minha mente, tornando-se um eco constante. Eu precisava descobrir a verdade, não apenas sobre meu pai, mas sobre o que significava ser parte dessa família, nesse mundo de lealdades e traições. A luta pela cidade não era apenas uma batalha externa; era uma guerra interna, e eu estava determinado a conquistar meu lugar por direito.

O meu retorno para casa, após anos de exílio, era inevitável. A decisão pesava em meu peito, mas eu havia respeitado os desejos do meu pai até o último momento, agindo como um covarde, escondendo-me nas sombras enquanto o mundo ao meu redor seguia em frente. Para muitos amigos e conhecidos, minha ausência se tornara uma estranheza, um enigma que eles não conseguiam decifrar.

Meses se passaram desde sua morte, e com isso, as ligações incessantes do consigliere Pablo Bellini começaram a se intensificar. Suas indagações sobre minhas intenções e conselhos para que eu retornasse eram um lembrete constante de que o legado da minha família não poderia ser ignorado. Ele falava com a urgência de quem sabia que a situação na cidade estava se deteriorando e que eu era parte fundamental do que estava por vir.

Além disso, as chamadas da minha mãe eram um eco no meu coração. A senhora Irina não era uma mulher fácil, sempre firme em suas convicções, mas sua saudade transparecia em cada palavra. Ela respeitava as decisões do meu pai, mesmo que, por trás de sua fachada forte, houvesse uma vulnerabilidade que a tornava ainda mais admirável. O peso da expectativa e do desejo dela de me ter de volta tornava-se quase insuportável.

Enquanto ponderava sobre o que fazer, percebia que o exílio me moldara de maneiras que eu não podia ignorar. Os anos longe de casa me ensinaram sobre o mundo, sobre os perigos e as alianças que se formavam nas sombras. Mas a verdade era que, apesar do medo e da relutância, eu sentia que era hora de enfrentar o que estava por vir. Era hora de retomar meu lugar na família, de honrar o legado dos Ferreti e enfrentar os desafios que aguardavam por mim na cidade que um dia chamei de lar.

Não era o planejado retornar à cidade em meio a mistérios, conhecendo-a, respirando-a, descobrindo quem eram meus inimigos e o que deveria fazer.

Era uma noite de sexta-feira, e enquanto olhei para o relógio dourado em meu pulso, as lembranças de quando era garoto corriam por aquelas ruas, guiado por seguranças que, apesar de seus esforços, pouco podiam fazer. Oito sequestros ocorreram ao longo dos anos, e as torturas e mutilações que testemunhei me transformaram em um sobrevivente; para meu pai, eu era um covarde.

— Não deveria visitar sua mãe antes de sair para a noite? — perguntou Antonni, puxando-me de volta à realidade. Fitei o horário marcado no meu relógio.

— Quem lhe disse que estou buscando diversão a esta hora? — retruquei, mas seu sorriso vago me fez duvidar da própria certeza.

Ele se afastou em direção ao carro. — Vou estacionar. Vá andando, já sigo.

Respirei profundamente. Eu não queria ir diretamente para o casarão dos Ferreti; adoraria passar alguns dias absorvendo a atmosfera local. Segundo Pablo, a cidade estava entregue à baderna, e os inimigos faziam o que queriam.

Caminhei pensativo e lentamente, ponderando se talvez fosse o melhor a se fazer: observar as ações dos inimigos. "Mais uma vez esgueirando-se como um covarde?" Uma voz interna questionou, soando como se fosse meu pai. Respirei fundo. Talvez agir como um covarde fosse, de fato, o melhor caminho.

Até que ouvi risos e vozes baixas. A viela à minha frente era escura. Ergui os olhos, notando que um grupo se aproximava. As vozes se tornavam cada vez mais audíveis, e as risadas, mais altas.

— Espera, docinho, por que não podemos levá-la para casa? — uma das vozes soou com mais força.

Continuei olhando para frente, até que, ao chegar ao final da curva da viela, uma mulher trombou contra meu peito. Seu corpo frágil e trêmulo esbarrou no meu, e, sem pensar, a segurei, percebendo que ela cambaleava para trás. Olhei fixamente para os homens que a perseguiam, agora em fuga.

Esses eram os baderneiros de quem Pablo havia falado? Eu esperava mais da equipe do meu pai. A raiva crescia em meu interior ao ver os homens se dispersando, e, quando olhei novamente para a mulher abaixo de mim, percebi que ainda estava próxima.

Desci os olhos, sentindo o cheiro adocicado e cítrico que emanava dela. Seus olhos azuis me encararam amplamente, o nariz fino e arrebitado, a boca ligeiramente trêmula. Ela tentou se afastar, mas eu a segurei com leveza, mantendo-a perto de mim.

— Você está bem? — perguntei, observando sua paralisia enquanto me olhava. Era raro alguém manter o olhar fixo em mim; geralmente, as pessoas desviavam o olhar. Poucas palavras sairam da sua boca, com pouca agilidade, a acompanhei correr pela viela sem olhar para trás. — Tem certeza que não está a procura de diversão noturna?

A pergunta do meu amigo ecoou, me fazendo deixar de olha-la, a mulher de estatura baixa, magra parecia bastante fugaz. — Não deveria brincar com as mulheres por aqui, lembre-se que...

Antonni recitava um dos seus absoletos conselhos. — Não estava brincando, aliás, acredito que eu a salvei. — Indiquei ao olhar para a direção em que os fujões correram, e com a sabedoria que possui, Antonni olhou também, seguimos para um bar com uma placa um pouco luxuosa. 

Lembrava-me de ver meu pai entrando nele algumas vezes, mas ao caminhar na direção da porta, a musica alta que vinha de dentro, denunciava que houve mudanças no local. As portas de madeira foram abertas, revelando duas mulheres de pé, uma mulher de cabelo escuro, como uma indiana, traços finos, usando uma lingerie vermelha com cinta liga, a saia redonda ao redor do seu quadril, apenas um adorno, já que nada cobriam. 

Seus lábios vermelhos, convidativos,  como o seu par de seios. — Boa noite cavalheiros. — Ainda olhava para a morena, quando a ruiva pôs a mão em meu peito surgindo a minha frente, sua vestimenta mudava pouca coisa da outra. — Boa noite belas damas. 

— Parece que nada muda por aqui! — Antonni rugiu ao meu lado, enquanto os olhos esverdeados da bella dama cruzaram-se aos meus, a sua mão passeando em meu terno, a explorar o meu corpo, a medida que desce, sorri vago. — O que vão querer? 

Fomos questionado logo na recepção, enquanto a mão lisogeira vasculhou-me sorrateiramente a procura de arma, a maneira que a palma percorre o meu abdomem, a encaro diretamente. O bar havia se tornado um ponto de máfia, mas qual dela?

Observei o bar em todos os ângulos, enquanto Antonni simplesmente passou por ambas, aos poucos fui lhe seguindo, ainda sendo esbarrado por mulheres. 

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