Alguns anos atrás
O cheiro de metal enferrujado e frio que penetrava os meus ossos. Minhas mãos estavam atadas, os pulsos cercados por ferros duros que pareciam se aprofundar a cada movimento. A dor pulsava, um lembrete constante da minha prisão.
O ambiente ao meu redor era sombrio e claustrofóbico, as paredes impregnadas de um silêncio opressivo, quebrado apenas pelo eco distante de passos. Eu sentia cada ferimento, cada contusão, como se meu corpo estivesse gritando por liberdade. O atrito do metal contra minha pele era agonizante, e a pressão incessante me deixava à beira da loucura.
Minhas lembranças eram turvas, mas algumas imagens persistiam: rostos conhecidos, risadas, um mundo além dessas paredes. A cada instante, a dor se tornava mais insuportável, como se tentasse arrancar algo de mim. Eu me sentia fragmentado, uma sombra do que sou, lutando contra o desespero que tentava me consumir.
A luz que filtrava pelas frestas era um lembrete cruel de quem eu sou, e o futuro que me espera. Sussurros de esperança pareciam tão distantes quanto o sol. Eu sabia que precisava resistir, que não posso deixar que a escuridão me definisse. Com cada batida do meu coração, eu jurei que lutaria, mesmo que cada segundo parecesse um século.
Fechei os olhos e mergulhei na escuridão do porão, um espaço que se tornara a minha prisão por trinta e seis dias. Cada dia se arrastava como uma eternidade, e as sombras me envolviam, quase como se fossem uma extensão de mim. Os rostos familiares vinham à mente, imagens vívidas que, embora reconfortantes, carregavam também uma tristeza profunda.
Lembranças de risos e brincadeiras surgiam, mas logo se dissolviam em uma névoa de dor. O olhar distante do meu pai, a falta de atenção, os momentos em que eu ansiava por sua aprovação, tudo isso se transformava em uma faca afiada, cortando mais fundo a cada recordação. Era um paradoxo cruel: os bons momentos eram ofuscados pelo desleixo e pelo vazio que ele deixava.
Na solidão do porão, a raiva e a saudade se entrelaçavam. Eu me perguntava se ele sabia do que eu estava passando, se tinha alguma ideia do peso que suas indiferenças carregavam. A cada estalo das correntes, a cada suspiro cansado, eu lutava contra a ideia de que aquela escuridão era tudo o que eu tinha agora.
Mas mesmo na dor, havia uma faísca de resistência. Essas memórias, embora pesadas, eram também um lembrete do que eu desejava recuperar. O amor que eu buscava, a conexão que parecia tão distante, se tornavam meu combustível. Enquanto o tempo continuava a se arrastar, eu prometia a mim mesmo que, quando a luz finalmente retornasse, eu não deixaria que a escuridão definisse quem eu sou.
E embora tudo parecesse indicar que estava no fim, dentro de mim havia uma certeza inquietante: meu pai preferiria mil vezes que seu herdeiro morresse corajosamente nas mãos do inimigo do que ser resgatado como um covarde. Aquela ideia se aninhava em minha alma, pesada e cruel. Era um fardo que eu carregava, a certeza de que a minha valia, aos olhos dele, estava atrelada à bravura e ao sacrifício.
Aquelas paredes frias do porão, a opressão da escuridão, tudo me lembrava que a minha saída dependeria de mim, e apenas de mim. Seria um caminho tortuoso, repleto de dor e incertezas, eu sabia que não havia outra alternativa. Era viver ou morrer, e eu escolheria a vida, mesmo que isso significasse enfrentar a desaprovação de um pai que mostrou o que é amar.
Com cada batida do meu coração, a determinação crescia. Se a coragem era o que ele esperava de mim, então eu me tornaria isso. As memórias de sua indiferença se tornariam um combustível, um impulso para desafiar essa prisão e todos os demônios que ela trazia. A saída não seria fácil, mas eu não me permitiria ser lembrado como um covarde.
Assim, em meio à escuridão, uma luz tênue começou a brilhar. Era a chama da esperança, alimentada pela vontade de viver e pela certeza de que, ao final, eu teria de escrever minha própria história, e não deixar que a sombra do meu pai a definisse. A luta começaria agora, e eu estava pronto para enfrentar o que viesse.
O silêncio do porão era ensurdecedor, mas dentro de mim havia um tumulto de determinação. Com as mãos ainda atadas, comecei a explorar as correntes que me prendiam. Cada movimento era um desafio contra a dor que pulsava em meus pulsos, mas eu não podia me render. A necessidade de escapar queimava em meu interior.
Concentrei-me na corrente que prendia minhas mãos. Através do atrito constante, comecei a sentir a fricção das algemas contra a pele. Cada esforço fazia o metal deslizar um pouco mais, e a esperança crescia a cada centímetro conquistado. Finalmente, depois de um esforço interminável, a corrente se soltou. Uma onda de alívio percorreu meu corpo, mas não havia tempo para comemorar.
Com um movimento rápido, desci ao chão e me arrastei, buscando qualquer sombra que me protegesse da luz que poderia me denunciar. O cheiro de umidade e poeira preenchia o ar enquanto eu me esgueirava pelas frestas do porão. Cada passo era meticulosamente calculado, os ecos de passos distantes reverberando como um alerta em minha mente.
Finalmente, encontrei uma pequena abertura que levava ao corredor escuro. A luz da entrada parecia uma promessa, mas eu sabia que a liberdade ainda estava longe. Com cuidado, avancei pelo corredor, mantendo-me próximo às paredes frias, os batimentos do meu coração ressoando como um tambor na quietude.
Ouvindo vozes ao longe, escondi-me atrás de um barril, a respiração pesada, cada músculo tenso. Eles passaram, alheios à minha presença, e quando o silêncio retornou, tomei coragem para continuar. A sensação de liberdade estava quase ao meu alcance, mas o medo me acompanhava como uma sombra.
Finalmente, cheguei à porta que levava ao mundo exterior. A luz ofuscante iluminou meu rosto, e a brisa fresca pareceu me reanimar. Com as mãos agora livres, empurrei a porta com toda a força que consegui reunir. Ela cedeu, e eu me vi diante da liberdade, pulsando com a promessa de uma nova vida.
Corri, abandonando as correntes do passado. Cada passo longe do porão era um passo mais próximo de ser quem eu realmente era. A noite envolveu-me, e com ela, uma determinação feroz de nunca mais voltar. A fuga não era apenas física; era a reafirmação de minha existência, uma luta pela liberdade que eu sempre almejei. Eu estava livre!
— Splah! — Ao menos foi o que eu pensei, antes de chegar em casa, recebendo um tapa ensurdecedor do meu pai ao pé da orelha. — Fugiu como um covarde! Você me envergonha Giovani! Não é digno de ser meu filho, meu herdeiro, meu substituto. — As palavras rancorosas do meu pai, ecoaram por todos os cantos da sala, fazendo todos os presentes olharem para nós.
Meu rosto queimava pela vergonha, eu deveria estar morto? Como um garoto de onze anos poderiam lutar contra inimigos? — Giuseppe! Não fale assim conostro filho, ele...— Nem mesmo as palavras de defesa da minha mãe serviram para acalma-lo, com um olhar severo, o meu pai a fez calar-se.
Outros sequestros vieram, varias tentativas de morte ao substituto do don, longe de casa, eu sequer sabia se eu era mesmo isso. Mas não havia como fugir, mesmo quando, seu pai ordena que você não esteja presente no seu funeral. Para ele, eu sempre serei um covarde, nunca mudará este fato.
— Senhorita...— Desperta pela voz baixa, quase como um sussurro, do garçom a me chamar, tirando-me da leitura, olhei para o lado, odiando a interrupção, a maneira brusca como o jovem rapaz afastou-se, fora o suficiente para demonstrar o incomodo. O garçom hesitou, a voz um pouco trêmula. — A conta, senhorita? — perguntou, tentando não parecer nervoso. Eu ainda estava imersa nas páginas, a narrativa se desenrolando na minha mente, mas a realidade ao meu redor me puxava de volta. O café já estava vazio, as luzes acesas, e lá fora a escuridão dominava. Olhei para o relógio na parede, os ponteiros se movendo lentamente, como se quisessem me dizer que eu deveria sair dali, mas a ideia de deixar o livro incompleto me incomodava. — Sim, por favor — respondi, tentando esconder a frustração. Enquanto ele se afastava, voltei a olhar para as últimas páginas. As palavras dançavam diante dos meus olhos, mas agora, com o espaço vazio e a escuridão crescendo, eu sabia que tinha que enfrentar a pau
A dúvida se tornava cada vez mais aguda, como uma lâmina afiada cortando minha mente. Meu pai, uma figura que sempre admirei, agora tornava-se mais distante do que nunca. Sua morte me impediu de obter as respostas que tanto ansiava. Sentia um ar de rejeição em suas atitudes, como se ele estivesse disposto a entregar a cidade aos inimigos antes de fazer qualquer esforço para proteger seu próprio filho. Essa rejeição era perplexa e dolorosa, um labirinto emocional do qual eu não conseguia encontrar a saída.Por que essa entrega? O que havia mudado nele? Lembro-me dos dias em que ele falava sobre honra e lealdade, sobre a força da família e o peso do legado. Agora, suas ações pareciam sugerir uma fraqueza que eu não conseguia entender. Era como se ele tivesse desistido de lutar, como se o peso da responsabilidade fosse tão esmagador que preferisse ver tudo desmoronar do que passar para mim.A culpa que ele sentia em relação a um homem por causa dos erros de um garoto me incomodava. Ele i
Cheguei em casa tropeçando nas próprias pernas, com o coração ainda acelerado, como se a adrenalina não tivesse me deixado em paz. Ao esbarrar no portão de zinco preto, adornado com arebescos, avistei Domenico me observar com uma feição carrancuda ao abri-lo. — Não deveria... — começou ele, mas não esperei para ouvir o restante, assim que abriu o portão. Apressada, segui pelo caminho de pedras em direção à porta de madeira. A inquietação que sentia era muito mais intensa do que o medo que aqueles homens haviam me causado.As luzes das salas estavam acesas, enquanto as de cima estavam apagadas, o que aumentou meu desconforto. Ao abrir a porta, adentrei a sala, controlando os passos, ciente de que ouviria queixas e reclamações dos meus pais.— Ella! — Porém, foi Scarllet que saltou do sofá, abandonando uma caixa dourada que estava em suas mãos. Usando uma camisola de renda que realça seu cabelo loiro, eu sorri fraco, tentando encontrar forças em meio à confusão e o alívio de vê-la e nã
Querido diário,Hoje eu me peguei pensando novamente sobre o amor e o que isso realmente significa para mim. A forma como a minha irmã está se entregando a um relacionamento com alguém que nunca conheceu realmente me deixou intrigada. A ideia de abrir mão das minhas próprias escolhas, dos meus próprios desejos, para agradar outra pessoa, parece tão distante da minha realidade, Scarllet parece fazer isso com grande facilidade. A verdade é que não consigo me ver vivendo assim, submissa a expectativas e ajustando minha vida para se encaixar na de outra pessoa. Sinto que meu futuro não é necessariamente ao lado de um homem, nem que eu precise abrir mão do que sou para estar com alguém. A ideia de ter que aprender todas as preferências de alguém, esquecendo das minhas, e sempre temer desagradar, é algo que não consigo aceitar, é como abrir mão da minha vida, em prol de outro.Além disso, vejo como a admiração por esse Giovani, que nem se quer conheçemos, é quase como um culto à aparência