BURBURINHO

(Leandro)

Eu durmo nos fundos da igreja, em uma casa separada do templo, mas grande parte do meu dia eu permaneço no escritório, atendendo os fiéis, muitos deles necessitados.

A igreja tem um papel fundamental pras famílias mais carentes.

Eu nunca precisei deixar o escritório trancado, mas depois da invasão da Letícia, eu achei melhor trancá-lo.

Eu entrei no escritório transtornado e fiquei alguns minutos meditando e tentando colocar a minha cabeça no lugar.

— Quem essa garota pensa que é pra me afrontar daquela forma?

Como ela me levou a gritar dentro da casa do Senhor? Como ela conseguiu me desestabiliza daquele jeito? Perguntei a mim mesmo.

A minha cabeça estava repleta de questionamentos que eu não estava conseguindo responder.

Quando eu fiquei mais calmo, eu saí pra falar com os fiéis, mas a igreja já estava vazia, e isso quase nunca acontecia pela manhã, muito pelo contrário, a igreja tinha fiéis o dia quase todo, principalmente em pleno sábado.

Eu não pensei que a minha atitude de mais cedo, fosse provocar tantas fofocas no meio da cidade, mas provocou.

A tarde chegou, e eu fui até a venda fazer algumas compras, e durante todo o percurso eu fui notando olhares estranho dos moradores, e quando eu os cumprimentava, eles sorriam, mas não eram sorrisos verdadeiros.

— O que será que está acontecendo? Fiz essa pergunta a mim mesmo mentalmente.

Assim que entrei no estabelecimento, a dona Maria, a mãe da Letícia estava saindo com algumas sacolas.

— Oi Dona Maria, como você está? Deixa eu ajudá-la.

Falei enquanto tirava as sacolas das mãos dela.

Maria: Sua benção padre, obrigada.

— Que Deus a abençoe.

Maria: Eu estou bem padre, só estou envergonhada.

— Envergonhada com o quê?

Maria: A cidade toda está falando sobre você ter expulsado a minha filha da sua Igreja, e eu conheço a filha que tenho, e eu sei que o senhor não faria isso se ela não tivesse feito algo muito sério, eu sinto muito se ela fez algo errado com o senhor ou com a casa de Deus.

— Ah, então é isso? Eu estranhei mesmo a forma como as pessoas estavam me olhando.

Maria: Você pode me dizer o que ela fez?

Eu fiquei um tempo em silêncio, pensando no que eu poderia responder, afinal eu era um padre e não podia mentir, como eu iria falar pra dona Maria que a filha dela era uma perdida e cheia de demônios?

— Vamos esquecer isso dona Maria, não é algo que você deva se preocupar agora, se concentre apenas em se manter bem, afinal o dia da sua cirurgia está chegando.

Maria: Padre, eu tenho idade pra ser a sua mãe, e sei quando alguém está tentando mudar de assunto, você realmente não vai me dizer o que aquela sem juízo fez, não é?

— Você é a mãe dela, dona Maria, então você deve conhecer a sua filha melhor do que ninguém, se alguém tem que falar algo, esse alguém é ela.

Maria: Eu já perguntei a ela, e eu não vou nem falar pro senhor a conversa terrível que tive com ela, mas ela não me respondeu o que de fato houve, se algo acontecer novamente, eu quero que o senhor me diga, que eu mesma vou me encarregar de mandar essa menina de volta pro pai dela, pois não quero ter mais problemas do que já tenho.

— Acredito que não seja uma boa ideia, você certamente irá precisar de ajuda depois da sua cirurgia.

Assim que chegamos na casa da dona Maria, o capeta apareceu com um vestido curto e colado na porta.

Letícia: Oi padre, veio pedir desculpas?

Eu a encarei incrédulo, e por muito pouco eu não soltei fogo pelas ventas.

Maria: Por qual motivo ele lhe deve desculpas Letícia? Algo você fez pra ele expulsar você da igreja, a sua sorte é que ele não quis me dizer o motivo, caso contrário você já estaria nesse exato momento voltando pra casa do seu pai.

Agora pegue essas sacolas da mão do padre e leve pra dentro de casa.

Ela desceu dois degraus de uma pequena escada e pegou as sacolas das minhas mãos, e o meu olhar foi direto pro decote dela, mas rapidamente eu desviei o olhar pro rosto dela.

— Eu vou poupar a sua mãe do constrangimento de saber o que você fez, mas sugiro que você se comporte com decência de agora em diante.

Letícia: Eu nunca vi o diabo ser descente, sinto muito padre, mas acho que isso não será possível.

Ela deu as costas pra mim e eu fiquei parado vendo ela sumir da minha vista, me deixando totalmente inercio.

Maria: Algum problema padre?

A voz da dona Maria fez a minha alma voltar pro corpo.

— Sim! O problema é sua filha dona Maria, faltou você dar nela algumas palmadas quando ela era criança, que garota mais atrevida.

Falei de forma áspera e dei as costas na tentativa de sair dali o mais rápido possível.

Eu voltei pra venda, comprei o que eu precisava e fui pra minha casa.

Enquanto me alimentava, fui conversando com Deus e cheguei a conclusão de que eu estava dando mais atenção pra Letícia do que ela realmente merecia.

Eu sabia que algo nela me atribulava, talvez fosse o olhar, talvez a forma distorcida dela falar, mas eu tinha consciência que ela não seria a única pessoa a mexer com o meu emocional, e como ser humano, era perfeitamente normal eu sofrer algum tipo de afronta do diabo, ainda mais na posição que eu ocupava.

— Eu não vou mais cair nesse jogo da Letícia, eu sou um padre, e devo me comportar como tal, foi isso que eu escolhi pra minha vida e tive bastante tempo pra aprender a lidar com esse tipo de situação.

Eu sabia que alguns pensamentos impróprios ocuparam a minha mente desde que a Letícia chegou, mas tentei me convencer que isso era apenas uma forma que o inimigo estava utilizando pra me afastar dos caminhos que Deus havia escolhido pra mim.

Eu rezei, pedi perdão a Deus pelas falhas cometidas, e voltei pro escritório pra atender os fiéis que diariamente me procuravam, mas pela primeira vez ninguém me procurou e isso me deixou preocupado, pois eu percebi que a atitude que eu tive refletiu de forma negativa, mais pra mim, do que pra Letícia, e eu teria que resolver isso, antes que as pessoas passassem a não ter credibilidade em mim.

— Amanhã terei que me explicar durante a missa, antes que isso vire uma bola de neve e eu perca o meu cargo por pura fofoca.

Aquilo nunca havia acontecido, mas já que aconteceu, eu precisava arcar com as consequências dos meus atos, embora eles tivessem sido causados pela indecência de outra pessoa.

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