Capítulo 06

Estava deitada na banheira com o corpo ferido submerso na água, às vezes perdia a consciência e sonhava com a cabana em que vivia, com o cheiro da grama e as flores que eu plantava. Era primavera, dia de Lua Cheia, finalmente eu poderia descansar meu corpo depois de passar o inverno todo aprendendo a lutar com meu tio, dia e noite, pois no inverno, os raios solares não eram tão fortes e o Dindo não perdia tempo para matar meu pobre corpinho de menina, músculos ainda atrofiados, com tanta porrada. Eu tinha certeza que ele descontava nesses treinamentos as vezes que corria atrás de mim com aquela vassoura de madeira.

Saí da banheira e fui para meu quarto, coloquei um vestido florado que eu mesma fiz, olhei pela janela de madeira e vi o Dindo saindo da mata com um animal na mão, minha barriga logo roncou em resposta.

Humm... Churrasco!

Saí da cabana e ajudei meu tio com a caça, em pouco tempo acendemos uma fogueira e colocamos a carne para assar, enquanto eu estava cozinhando alguns legumes, ele estava indo pegar alguns livros e assim passaríamos a noite lendo os livros das histórias, conquistas e evolução da nossa e de outras espécies e comendo um gostoso churrasco apreciando a Lua Cheia. 

– Você precisa pegar mais pesado na musculação e alimentação, seu corpo ainda está muito magricelo, Karolina.

– Eu sei, tio, mas é cansativo e dói. 

– Entendo que dói e sinto muito por isso, mas é necessário, nunca se sabe o que pode acontecer no futuro e você precisa saber se defender caso aconteça algo comigo.

Meu coração ficou apertado só de imaginar eu sozinha no mundo sem meu tio para me proteger e fazer companhia, sem nossas noites ao redor da fogueira, sem ele me ensinando o que devo fazer, sem ele para me apoiar e cuidar de mim quando me ralo em algum lugar ou quando conta historinha pra mim antes de dormir porque estou com medo do escuro.

– Por que o senhor está falando isso? É claro que não vai te acontecer nada, você é fortão, consegue matar qualquer inimigo, tenho certeza! E a Deusa da Lua nunca vai deixar nada de ruim acontecer com a gente. – Meu coração ficou mais apertado ainda quando o vi de cabeça baixa cutucando as unhas com uma faca e as sobrancelhas franzidas.

– Não seja boba menina! – Ele falou com um leve sorriso enquanto mexia na minha cabeça com se estivesse fazendo carinho em um cachorro de estimação. – Estou falando isso apenas por precaução, quero que aprenda a ser independente e saiba se cuidar sozinha.

– Preciso aprender até a lutar? – Indaguei imaginando o quanto era chato apanhar.

– Claro! É o principal.

– Mas eu sou fraca, veja, não tenho músculos. – Levantei meu braço magricelo e mostrei meus bíceps.

– Hahahaha... É porque você acha que a força vem dos músculos. – Ele disse enquanto sorria.

– E de onde vem, então?

– Sua força vem da mente. – Não entendi nada o que ele disse, mas fingi entender. 

Quando me preparava para olhar os legumes, ele olhou pra mim com uma carranca e disse:

– Por que você não está se regenerando, Karolina?

Regenerando-me? Mas eu já me regenerei dos treinamentos...

– Está me escutando, Karolina? – Era meu tio que estava falando, mas a voz não era a dele. Era mais grossa, mais fria, porém era familiar.

 – Abra os olhos!

– Abrir meus olhos? Mas estão abertos, tio.

– ABRA AGORA!

Logo, a luz do ambiente bateu nos meus olhos e eu não estava mais do lado de fora da cabana sentada e conversando com meu tio, ainda estava na banheira com Lúcius olhando pra mim. Minha vista ficou embaçada e eu permiti que as lágrimas rolassem pelas bochechas ao perceber que aquilo era apenas uma lembrança de uma vida tão boa e que nunca mais teria de volta.

– Está me ouvindo? – Lúcius ainda analisava meu rosto.

Estou, mas não queria, não quero, queria apenas voltar para aquela lembrança e nunca mais sair de lá

Não respondi, apenas o encarei, com o rosto neutro, sem nenhuma emoção. 

Senti ele se aproximar e colocar um braço na minha cintura e o outro nas pernas, percebi a água sair do meu corpo como se estivesse fugindo de mim por ter passado horas lá, ainda permanecia imóvel quando ele cobriu meu corpo, me colocou sentada na cama enquanto me enxugava.

– Você não está se regenerando e nem parece que quer. – Continuei imóvel, olhando para o nada.

– Karolina está me ouvindo? – Ele deu duas batidinhas no meu rosto querendo uma resposta.

– Humm? – Apenas o olhei, sem vontade nenhuma de falar, nem de me movimentar, nem de tentar regenerar meus ossos quebrados e sabe-se lá o que mais eu tinha que curar. Só queria fechar os olhos e voltar para a cabana.

– Vou pegar um alimento para você, assim terá forças para se regenerar. – Lúcius saiu apressado do quarto deixando que os raios solares entrassem pela porta aberta. Então eu pude relaxar novamente, fechar os olhos para voltar às minhas lembranças, mas meu tio não estava lá, nem a fogueira, nem o luar, apenas a escuridão. Que seja! E me entreguei a ela.

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Senti uma água estranha na boca com um gosto ruim e logo fique com falta de ar.

– Cof, cof, cof, cof.... – Comecei a tossir descontroladamente enquanto tirava aquela água ruim da garganta que estava impedindo minha respiração.

– VOCÊ ESTÁ TENTANDO MATÁ-LA? – Era a voz do Lúcius rugindo do meu lado direito.

– Des-descu... – Escutei um barulho alto como se algo ou alguém tivesse se chocado em uma parede.

– Saia... – O homem falou grosso ao meu lado. Tudo ficou em silêncio novamente...

..............................................

– Karolina? – Ouvi uma voz masculina bem distante.

– Acorda, Karolina... – Aquela voz era familiar.

Não quero escutar essa voz! Não quero acordar! Estou bem aqui.

– Ka... – A voz estava ficando cada vez mais distante.

– Acor...

– OU EU MATO A KAMILLA! – Um rugido bem alto zumbiu no meu ouvido direito e eu abri meus olhos que estavam brilhando um vermelho escarlate.

– Mate... E eu... Volto... Para te... Atormentar... – Minha voz saiu tão baixa que só quem tem uma audição de lobo conseguiria ouvir.

– Para isso você precisa viver. Tome. – Senti minha cabeça sendo inclinada levemente enquanto eu tomava uma coisa líquida, mas entrei em choque quando sentia o gosto daquele líquido na boca.

Era sangue. Quente, fresco, tirado a poucos minutos da veia, e mais, não era sangue humano, era de lycan, de um lobisomen, de um Alfa, do Lúcius.

Os lobisomens normalmente costumam assar as carnes quando vão se alimentar, mas comer carne crua é algo normal pra gente e quando comemos o alimento cru também tomamos o sangue, não como os vampiros que precisam daquilo para viver, mas é porque se está lá junto com nosso alimento porque não tomarmos também? Não podemos desperdiçar o alimento, né?

Mas beber sangue lycan era diferente, era difícil de acontecer  e se acontecia teria que ser apenas entre os companheiros ou casais formados, pois era muito íntimo. Ele serviria para regenerar e, dependendo do doador, a regeneração era muito rápida. Como eu estava tomando o sangue do Alfa de uma alcateia forte, com certeza meu corpo se recuperaria em poucos minutos, mas não parava só por aí, a proibição de qualquer pessoa beber o sangue de alguém que não fosse seu companheiro era pelo fato de que o lycan que estivesse tomando sentiria todas as emoções do outro, até as mais obscuras, aquelas emoções que ninguém conseguiria ver sem que fosse demonstrado ou se tomasse o sangue.

E eu comecei a sentir tudo, todas as emoções do Lúcius. Raiva, frustação, cansaço físico, mas principalmente mental, angústia porque algo que ele planejou não está saindo de acordo com o que ele quer. Para alguém que parece não sentir nada, estava tendo emoções demais. Então eu senti três emoções que me fez despertar completamente:

Medo!? Sim! Eu conseguia sentir o medo dele de algo e de alguém...

Amor??? Quem diabos essa peste ama?

E a última emoção que começou a me deixar nervosa...

Excitação.

O Lúcius estava excitado e eu estava ficando afetada com as emoções dele.

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