Estava deitada na banheira com o corpo ferido submerso na água, às vezes perdia a consciência e sonhava com a cabana em que vivia, com o cheiro da grama e as flores que eu plantava. Era primavera, dia de Lua Cheia, finalmente eu poderia descansar meu corpo depois de passar o inverno todo aprendendo a lutar com meu tio, dia e noite, pois no inverno, os raios solares não eram tão fortes e o Dindo não perdia tempo para matar meu pobre corpinho de menina, músculos ainda atrofiados, com tanta porrada. Eu tinha certeza que ele descontava nesses treinamentos as vezes que corria atrás de mim com aquela vassoura de madeira.
Saí da banheira e fui para meu quarto, coloquei um vestido florado que eu mesma fiz, olhei pela janela de madeira e vi o Dindo saindo da mata com um animal na mão, minha barriga logo roncou em resposta.
Humm... Churrasco!
Saí da cabana e ajudei meu tio com a caça, em pouco tempo acendemos uma fogueira e colocamos a carne para assar, enquanto eu estava cozinhando alguns legumes, ele estava indo pegar alguns livros e assim passaríamos a noite lendo os livros das histórias, conquistas e evolução da nossa e de outras espécies e comendo um gostoso churrasco apreciando a Lua Cheia.
– Você precisa pegar mais pesado na musculação e alimentação, seu corpo ainda está muito magricelo, Karolina.
– Eu sei, tio, mas é cansativo e dói.
– Entendo que dói e sinto muito por isso, mas é necessário, nunca se sabe o que pode acontecer no futuro e você precisa saber se defender caso aconteça algo comigo.
Meu coração ficou apertado só de imaginar eu sozinha no mundo sem meu tio para me proteger e fazer companhia, sem nossas noites ao redor da fogueira, sem ele me ensinando o que devo fazer, sem ele para me apoiar e cuidar de mim quando me ralo em algum lugar ou quando conta historinha pra mim antes de dormir porque estou com medo do escuro.
– Por que o senhor está falando isso? É claro que não vai te acontecer nada, você é fortão, consegue matar qualquer inimigo, tenho certeza! E a Deusa da Lua nunca vai deixar nada de ruim acontecer com a gente. – Meu coração ficou mais apertado ainda quando o vi de cabeça baixa cutucando as unhas com uma faca e as sobrancelhas franzidas.
– Não seja boba menina! – Ele falou com um leve sorriso enquanto mexia na minha cabeça com se estivesse fazendo carinho em um cachorro de estimação. – Estou falando isso apenas por precaução, quero que aprenda a ser independente e saiba se cuidar sozinha.
– Preciso aprender até a lutar? – Indaguei imaginando o quanto era chato apanhar.
– Claro! É o principal.
– Mas eu sou fraca, veja, não tenho músculos. – Levantei meu braço magricelo e mostrei meus bíceps.
– Hahahaha... É porque você acha que a força vem dos músculos. – Ele disse enquanto sorria.
– E de onde vem, então?
– Sua força vem da mente. – Não entendi nada o que ele disse, mas fingi entender.
Quando me preparava para olhar os legumes, ele olhou pra mim com uma carranca e disse:
– Por que você não está se regenerando, Karolina?
Regenerando-me? Mas eu já me regenerei dos treinamentos...
– Está me escutando, Karolina? – Era meu tio que estava falando, mas a voz não era a dele. Era mais grossa, mais fria, porém era familiar.
– Abra os olhos!
– Abrir meus olhos? Mas estão abertos, tio.
– ABRA AGORA!
Logo, a luz do ambiente bateu nos meus olhos e eu não estava mais do lado de fora da cabana sentada e conversando com meu tio, ainda estava na banheira com Lúcius olhando pra mim. Minha vista ficou embaçada e eu permiti que as lágrimas rolassem pelas bochechas ao perceber que aquilo era apenas uma lembrança de uma vida tão boa e que nunca mais teria de volta.
– Está me ouvindo? – Lúcius ainda analisava meu rosto.
Estou, mas não queria, não quero, queria apenas voltar para aquela lembrança e nunca mais sair de lá.
Não respondi, apenas o encarei, com o rosto neutro, sem nenhuma emoção.
Senti ele se aproximar e colocar um braço na minha cintura e o outro nas pernas, percebi a água sair do meu corpo como se estivesse fugindo de mim por ter passado horas lá, ainda permanecia imóvel quando ele cobriu meu corpo, me colocou sentada na cama enquanto me enxugava.
– Você não está se regenerando e nem parece que quer. – Continuei imóvel, olhando para o nada.
– Karolina está me ouvindo? – Ele deu duas batidinhas no meu rosto querendo uma resposta.
– Humm? – Apenas o olhei, sem vontade nenhuma de falar, nem de me movimentar, nem de tentar regenerar meus ossos quebrados e sabe-se lá o que mais eu tinha que curar. Só queria fechar os olhos e voltar para a cabana.
– Vou pegar um alimento para você, assim terá forças para se regenerar. – Lúcius saiu apressado do quarto deixando que os raios solares entrassem pela porta aberta. Então eu pude relaxar novamente, fechar os olhos para voltar às minhas lembranças, mas meu tio não estava lá, nem a fogueira, nem o luar, apenas a escuridão. Que seja! E me entreguei a ela.
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Senti uma água estranha na boca com um gosto ruim e logo fique com falta de ar.
– Cof, cof, cof, cof.... – Comecei a tossir descontroladamente enquanto tirava aquela água ruim da garganta que estava impedindo minha respiração.
– VOCÊ ESTÁ TENTANDO MATÁ-LA? – Era a voz do Lúcius rugindo do meu lado direito.
– Des-descu... – Escutei um barulho alto como se algo ou alguém tivesse se chocado em uma parede.
– Saia... – O homem falou grosso ao meu lado. Tudo ficou em silêncio novamente...
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– Karolina? – Ouvi uma voz masculina bem distante.
– Acorda, Karolina... – Aquela voz era familiar.
Não quero escutar essa voz! Não quero acordar! Estou bem aqui.
– Ka... – A voz estava ficando cada vez mais distante.
– Acor...
– OU EU MATO A KAMILLA! – Um rugido bem alto zumbiu no meu ouvido direito e eu abri meus olhos que estavam brilhando um vermelho escarlate.
– Mate... E eu... Volto... Para te... Atormentar... – Minha voz saiu tão baixa que só quem tem uma audição de lobo conseguiria ouvir.
– Para isso você precisa viver. Tome. – Senti minha cabeça sendo inclinada levemente enquanto eu tomava uma coisa líquida, mas entrei em choque quando sentia o gosto daquele líquido na boca.
Era sangue. Quente, fresco, tirado a poucos minutos da veia, e mais, não era sangue humano, era de lycan, de um lobisomen, de um Alfa, do Lúcius.
Os lobisomens normalmente costumam assar as carnes quando vão se alimentar, mas comer carne crua é algo normal pra gente e quando comemos o alimento cru também tomamos o sangue, não como os vampiros que precisam daquilo para viver, mas é porque se está lá junto com nosso alimento porque não tomarmos também? Não podemos desperdiçar o alimento, né?
Mas beber sangue lycan era diferente, era difícil de acontecer e se acontecia teria que ser apenas entre os companheiros ou casais formados, pois era muito íntimo. Ele serviria para regenerar e, dependendo do doador, a regeneração era muito rápida. Como eu estava tomando o sangue do Alfa de uma alcateia forte, com certeza meu corpo se recuperaria em poucos minutos, mas não parava só por aí, a proibição de qualquer pessoa beber o sangue de alguém que não fosse seu companheiro era pelo fato de que o lycan que estivesse tomando sentiria todas as emoções do outro, até as mais obscuras, aquelas emoções que ninguém conseguiria ver sem que fosse demonstrado ou se tomasse o sangue.
E eu comecei a sentir tudo, todas as emoções do Lúcius. Raiva, frustação, cansaço físico, mas principalmente mental, angústia porque algo que ele planejou não está saindo de acordo com o que ele quer. Para alguém que parece não sentir nada, estava tendo emoções demais. Então eu senti três emoções que me fez despertar completamente:
Medo!? Sim! Eu conseguia sentir o medo dele de algo e de alguém...
Amor??? Quem diabos essa peste ama?
E a última emoção que começou a me deixar nervosa...
Excitação.
O Lúcius estava excitado e eu estava ficando afetada com as emoções dele.
Deitada na cama, sentindo as fortes emoções daquele homem, comecei a me sentir afetada também, e caramba! Maldição! Merda! Eu estava ficando cada vez mais excitada! O autocontrole que tenho sob minhas emoções está inútil, eu estava gostando daquilo e queria sentir mais, e mais, bem mais! Todos esses anos nas mãos do Lúcius, nunca me permiti sentir vontade ou prazer quando ele usava meu corpo por horas pois queria sempre me apegar as dores do corpo para NUNCA sentir uma única emoção boa por ele. Nada, além de ódio. Até agora... Ele foi o único homem que me tocou, me beijou e até os xingamentos pesados eu aprendi com ele. Lúcius brigava comigo por xingar os outros e as coisas, mas quem me ensinou foi ele mesmo. Maldito! Desgraçado! Porque foi me dar a porra desse sangue? Olhei pra ele e vi seus olhos brilhando, vi o pulso direito com um corte e sangue saindo de lá, lambi os lábios. – Quer mais? – Concordei com a cabeça. Ele colocou a ferida do seu pulso na minha boca e eu comecei a
Kamilla e Maria Elena estavam realmente encurraladas no canto da cama e o que levou o tapa da Elena já estava se abaixando para pegá-las, enquanto o outro lobo-soldado estava mais próximo da porta, essa foi a cena que vi quando entrei no quarto. Todos olharam pra mim, surpresos, os soldados se entreolharam e começaram a sorrir da ameaça que fiz segundos antes. – Olha quem está aqui querendo participar da brincadeira também. – O lobo perto das meninas, o mesmo que ameaçou minha filha e proferiu palavras obscenas para elas, o que eu estava com mais vontade de matar. Ele era magro, alto e cabelo preto curto, Július. – O Alfa sabe que você está fora do quartinho de vocês? – O outro lobo, que estava mais próximo da porta e, portanto de mim, foi quem disse. Esse era careca, mais forte e gordo, César. Eu estava com o rosto sério, sem expressão, porém com a mandíbula apertada, quase rangendo os dentes e minhas mãos, que já eram garras pretas com pelos avermelhados, estavam nas costas para q
Minha barriga estava sangrando muito devido aos cortes das garras do César, minha blusinha já estava toda rasgada, cobrindo apenas a parte dos meus seios, a dor que eu estava sentindo era muita, mas precisava continuar e esperar meu corpo se regenerar para poder escapar daqui com as meninas que estavam em choque na cama.As roupas da Maria Elena estavam todas rasgadas e provavelmente ela estava com as costas feridas devido à brutalidade de Július, a sorte é que cheguei a tempo antes dele conseguir abusá-la. Mesmo assim, a humana estava ainda com medo e depois de me ver, o meu estado, ficou mais nervosa ainda. Eu a entendo, pois nunca tinha visto uma briga entre lobisomens na sua frente, e a minha Kamillinha, era somente uma criancinha de 5 anos, não recebia nenhum treinamento de luta, portanto não entendia bem as coisas. – Levantem-se, depressa! – Disse enquanto as pegava pelos braços. Eu realmente não queria ser grossa, mas devido ao barulho que causamos, com certeza já estavam cheg
Arrastando minhas patas negras avermelhadas no chão, ofegante, com dores e cansada, me agachei. Senti o peso das minhas costas se esvaindo e, deitada na mata, pude sentir meu corpo virando humano novamente, estava nua, mas exausta, eu só queria dormir um pouco, quando fechei os olhos, mas não conseguia dormir, minha mente estava em alerta, reuni forças e me levantei. – Karol beba um pouco. – Elena me oferecia a água da garrafa de barro que peguei na cozinha. – Vista-se. – Ela me deu a muda de roupa das escravas, um vestido branco e uma calçola. Com a floresta quase totalmente escura, eu estava sentada no chão, encostada em uma árvore enorme, já vestida e com a garganta menos seca pude descansar enquanto Elena procurava uma maneira de fazer uma sopa com a comida que tínhamos. Kamilla estava nos meus braços e eu acariciava o cabelinho ruivo dela, mas havia algo de errado com a minha filha e eu podia sentir. Levantei sua cabecinha delicadamente com meus dedos em seu queixo e ela olhou p
Entre os livros de leitura que eu e meu tio costumávamos ler, havia um específico que falava sobre espécies, principalmente as dominantes, as espécies que evoluíram durante o tempo e tornaram-se fortes e inteligentes. A primeira espécie que evoluiu durante milhares de anos foram os lobos, não éramos nós que estávamos acima da cadeia alimentar, éramos presas de outros animais que foram extintos e consequentemente, sem nenhum predador para nos impedir, evoluímos, ficando no topo da cadeia por mais mil anos, até que outra espécie começou a evoluir também, os humanos. Eles eram, de fato, extremamente inteligentes e nos olharam como seus inimigos, pois nesse tempo também os caçávamos como presas fáceis. A primeira vantagem que tiveram foi o fogo, alguns relatos dizem que foi um dos Deuses que lhes deram, mas nada é certo. Em seguida, começaram as pinturas e escritas, por último e não menos importante veio a fala. Eles estavam se tornando a espécie mais temida e pondo em risco a dos lobos.
A vontade de voltar para os braços do Lúcius estava ficando forte demais, mais forte do que quando eu bebi o sangue, ele está dando tudo de si para conseguir com que eu volte, estou sentada com a cabeça baixa e suando frio.– Me-Meu Lúcius... Preciso voltar... Ele está me chamando...– Karol, você precisa se controlar, precisa ser forte, você não quer voltar. – Maria Elena falava comigo enquanto segurava meus braços.– Que-Quero sim! – Eu o sentia, as lembranças daquela manhã estavam vindo como se eu ainda estivesse lá.– Karol, por favor! Você é forte! – Eu me levantei e olhei pra ela, uma tristeza tomou conta de mim, comecei a chorar.– Por quê? Por que ele está fazendo isso comigo? O que ele quer de mim? – Essa tristeza não era minha, eu já passei por coisas piores e nunca desmoronei em lágrimas dessa forma, isso era emoção dele.– Não chora, controle-se, você é mais forte que isso. – Senti uma raiva crescer de repente.– Fique longe de mim! – Elena se afastou acuada, eu percebi o
Claro que não! Como que a Maria Elena, uma simples camponesa, conheceria o primeiro vampiro a existir que veio do Oriente, uma terra distante da nossa?Mas, prestando mais atenção neles, tinha algo em comum, os olhos puxados. Era um detalhe que eu já tinha percebido quando a conheci, pois ninguém além dela tinha aqueles olhos pequenos e puxados, mas agora havia o vampiro que também tinha os olhos assim. Antes que eu pudesse questionar mais sobre isso, meus pensamentos foram cortados com a voz dela ao meu lado.– Como você sabia que eu iria gostar desse chá? – Ela também estava achando muito estranho aquilo.O vampiro permaneceu ainda fazendo outra tigela de chá, sem expressão, quando ele terminou o que estava fazendo, apenas a olhou ainda sério, pensou um pouco antes de responder.– Você também é do Oriente, deduzi que gostava das mesmas ervas de chá que os humanos orientais gostam. – Fazia sentido o que ele disse, mas ela não estava nada convencida.– Mas eu era recém-nascida quando
Horas depois acordei naquele quarto imundo, sozinha, naquele chão de palhas, quando me movi um pouco tentando levantar senti uma dor aguda entre as pernas e algo molhado, coloquei a mão no local da dor e meus dedos molharam, levantei a mão para frente do meu rosto e vi sangue. Fiquei desesperada. Naquele tempo, eu tinha 18 anos então já tinha menstruado, mas aquela quantidade de sangue não era normal. Esforcei-me para levantar e mesmo com dores, consegui, olhei para onde estava deitada e realmente havia bastante sangue.Escutei alguém chegando e a porta sendo aberta, com medo de ser o monstro tentei correr para me esconder, mas perdi as forças das pernas e caí, a porta foi aberta, mas para minha sorte quem estava lá era uma senhora negra que ficou horrorizada com a cena que viu, ela se aproximou de mim e ajudou-me a sentar.– Criança, você não pode se movimentar, precisa ficar deitada. – Eu senti a preocupação e tristeza nos olhos daquela estranha, sabia que ela era diferente dos outr