Meus pais até tentavam, mas não conseguiam mudar. Cada vez erravam mais. Não entendiam como uma garota de quinze anos que tem tudo o que alguém gostaria na vida, pode ser depressiva.
Eu explico. Celular bom, roupa boa, boa comida ou uma casa grande não suprem a falta que uma mãe e um pai fazem. Além de Brian, eu só tinha uma pessoa que me entendia de verdade. Tia Lili. Mas ela se foi. Meu irmão até tenta suprir o que ela fazia, mas é impossível para ele.
A primeira vez que tentei suicídio foi após a morte dela.Eu estava na minha casa. Não faz muito tempo, foram apenas três anos atrás.Ela vinha definhando, vítima de uma doença, não sei qual, e particularmente nunca me interessei em saber. Eu tinha nove anos quando ela adoeceu. Lutou por muito tempo contra a doença, mas perdeu. Quando comecei a ficar mais velha, vendo a luta dela, comecei a me deprimir. Ela morava conosco, mudamos de cidade por causa dela. Pelo tratamento dela. Quando cheguei na nova escola, vinda do interior tudo ficou mais complicado. As garotas eram cruéis e eu não conseguia suportar tudo isso. Eu conheci minha pior inimiga e a minha melhor amiga no primeiro dia de aula.Cheguei em casa da escola chorando naquele dia, queria sumir. Estava muito nervosa, então subi e me tranquei no quarto. Chorei muito. Então minha mãe bateu na porta.- Mell, precisamos conversar.- Não quero mãe!- Mellany, saia desse quarto imediatamente!Me levantei emburrada e abri a porta. Voltei para cama e me joguei nela.
- Mell, olhe para mim.Olhei para ela e seu rosto estava inchado.Minha mãe sempre foi muito amorosa. Tia Lili era irmã dela. Meu pai sempre preferiu trabalhar, mas ela mudou depois que a tia morreu. Eu também.Ela me abraçou e eu soube, sem nem mesmo ela abrir a boca.- É a tia Lili, não é?- Sim, querida. Ela se foi.- Quando?- Agora há pouco.- Onde ela está?- Ainda no quarto dela.- Quero ver minha tia.- Querida, acho que não é uma boa idéia.- Mãe, eu já tenho doze anos, não sou mais um bebê.- Mas...- Eu vou.Me levantei e saí do quarto. O quarto da minha tia era no andar de baixo. Ela já não conseguia mais subir escadas.Abri a porta e entrei. Ela estava sozinha, ainda na cama. Caminhei até próximo a ela. Ela estava serena, como se dormisse. Mas havia sangue por toda parte. Seu cabelo estava sujo. Aquela foi a pior visão da minha vida. Corri para fora do quarto.Não fui no enterro. E quando chegaram em casa eu havia tomado um monte de comprimidos. Me encontraram desacordada e me levaram para o hospital para uma lavagem estomacal. Está foi a primeira vez que tentei o suicídio. Aos doze anos.Voltando aos dias de hoje, após voltar do hospital fui para o meu quarto. Queria ler um pouco. Era a única coisa que me dava prazer, mas até isso não era mais a mesma coisa.
Não demorou até que Brian entrasse.- Não quero que tranque a porta.- Sabe que não manda em mim, né?- Sei. Mas eu amo você, e não quero que faça bobagem de novo.- Não vou fazer.- Promete?- Prometo.- Nunca mais?- Nunca mais.Cruzei os dedos. Sabia que não seria capaz de cumprir essa promessa.- Vou sair com a Debbie, promete que se cuida?- Sim. Só vou ler um pouco.- Tchau maninha.- Tchau.Ele saiu e eu continuei minha leitura. Amava aquele livro. Orgulho e Preconceito. Mas faltou paciência e eu fechei.Me sentei na cama e olhei para os meus pulsos. Eles tinham ataduras. Eu queria tomar um banho e então comecei a tirá-las. Tirei uma depois a outra. Eu havia tomado oito pontos em um pulso e seis no outro. Estava doendo, então tomei um analgésico receitado pelo médico.Enchi a banheira e fechei a torneira. Entrei na água. Ela estava na temperatura certa e eu fechei os olhos. Demorei um tempo ali e depois tomei banho. Quando saí haviam mensagens no meu celular. Era Bia.
" Oi Mell, você tá bem?
Fiquei sabendo o que aconteceu, mas eu estava fora da cidade. Nós vemos hoje?"Respondi que sim e desci para a sala. Não demorou nem meia hora e ela já estava na porta de casa. Bia era de uma família humilde, porém o que sobrava na casa dela faltava na minha. Amor.
- Oii. Você está bem?- Estou sim.- Eu te deixo por um fim de semana e você já apronta né?- Não posso viver sem você.- Tô vendo.- Vamos lá pra cima?- Bora.- Tenho umas coisas para você.Bia me dava mais do que ela imaginava. Sua amizade era muito importante para mim. Quando ela estava perto, eu me sentia mais segura e não tinha tanta vontade de morrer quanto costumo ter. Ela traz um pouco de cor para a minha vida escura. Ela achava que por eu dar para ela as roupas que eu não usava mais, eu era boa, mas o que eu fazia era só agradecer o que ela fazia por mim. Muitos acham que é pouco, e que não muda nada. Mas muda. Ter alguém em quem confiar é maravilhoso. Mesmo para mim. Saber que mesmo que não queria conversar, se precisar ela está ali é ótimo.Entrei no quarto e fui direto para o closet. Havia um saco com as roupas que eu havia tirado na semana anterior. Entreguei para ela e ela sorriu.- Obrigada!- Não agradeça. São só algumas coisinhas.- Para você pode ser, mas para minha irmã e eu, ajuda muito.- Queria fazer mais.Bia tinha uma irmã gêmea, seu nome era Bea. Ela tinha um irmão também, ele morava em outro país. Trabalhava lá. Eu não o conhecia. Ele morava lá desde os doze, com uma irmã do pai e mandava todos os meses o salário para a mãe e as irmãs. O pai deles havia abandonado todos e fugido com outra. Elas viviam apenas com isso, já que dona Suzy, nao conseguia um emprego fixo por causa de sua deficiência. Ela mancava de uma perna e só o que conseguia eram algumas faxinas. Cansei de pedir aos meus pais que a contratassem, mas eles só me enrolavam. Acho que no fundo pensavam igual aos outros. Que ela era incapaz. Mas isso não era verdade.Bia fazia alguns bicos no mercadinho da esquina, mas ela era muito jovem para trabalhar fixo. Assim dizia o dono. Eu desconfiava que ele gostava era de se aproveitar da situação dela para mantê-la trabalhando sem vínculo empregatício. Mas o que ela podia fazer? Perder o pouco que conseguia? Então eu ajudava como eu podia. Ela não aceitava que eu lhe desse dinheiro. Então eu fazia o que ela aceitava.Ela abriu o saco e começou a olhar as roupas.- São lindas! Olha essa ainda está com a etiqueta!- É...não ficou legal em mim.- O meu irmão está de volta.- Por que?- Perdeu o trabalho.- Foi demitido?- Não sei direito. Ele vai voltar para cá. Vai voltar a estudar e ver se consegue um trabalho a noite.- E o que vocês vão fazer- Confiar em Deus. Ele sabe de todas as coisas.- Você é tão otimista. Quando ele chega?- Chegou no sábado.- Já?- Sim. Só estava esperando receber o que tinha direito.- Hum.- E o Tony?- Não sei. Não falei com ele ainda.- Namorado esquisito esse seu.- Ele não é mais meu namorado.- Não?- Não. Terminamos na sexta, depois que você saiu.- Então foi por isso...- Não quero falar desse assunto.- Nossa mas ele sempre te entendeu tanto.- Ele continuou entendendo. Apenas não tem a menor paciência.- Isso é verdade.- Por isso eu terminei.- Você quem terminou?- Sim.- Então não foi por isso que fez o que fez?- Sim e não. Me arrependi. Me senti sozinha, sei lá. Aí o pânico veio. E eu só queria que parasse. Então eu fiz parar.- Tenho medo disso.- Eu também. Mas podemos por favor mudar de assunto?- Sim! O que sugere?- Vamos ao parque? Podemos fazer um piquenique.- Boa idéia. Minha mãe fez bolo.- Não, vamos direto daqui.- Tá bom.O parque estava bem cheio. Lugares muito cheios me deixam nervosa. Mas eu preciso parecer normal. A sociedade exige isso de mim. Começamos o piquenique e eu estava muito desconfortável.
- Você está bem Mell?- Sim.- Não é o que parece, você está suando e suas orelhas estão vermelhas.- Não é nada.- Vamos embora.- Eu quero ficar, é sério.- Não se force. Não te faz bem.- Eu sei.- Então vamos embora.- Tá bom. Acho que você tem razão.Nos levantamos e fomos embora. Terminamos o piquenique no meu jardim. Era mais seguro para a minha sanidade. Bia foi embora e eu fui arrumar minhas coisas. No dia seguinte eu tinha aula.Não que eu gostasse da escola. Mas Bia era minha melhor amiga, e ela gostava. Ela era bolsista. Então precisava de excelentes notas. Eu estava sempre ajudando com as aulas e com as matérias. Então automaticamente eu também tinha excelentes notas.Acordei cedo, e saí da cama. Tomei um banho rápido e desci para o café. Meus pais estavam a mesa, minha irmã também. Brian ainda não havia descido.
- Como se sente hoje, querida?- Bem.- Que bom. Vou precisar fazer uma viagem, será que você e seu irmão dão conta da Cindy?- E a babá?- Se demitiu de novo.- Você poderia contratar a dona Suzy.- Não acho que seja uma boa idéia.- O que é uma boa idéia papai? A cada semana uma pessoa diferente cuidando da sua filha de apenas dez anos? Ou os irmãos dela, que não são capazes de cuidar deles próprios?- Está bem Mell, você venceu! Chame a mãe de sua amiga. Ela pode começar hoje.- Não vão nem conversar com ela?- Você contrata, você conversa. Peçam para ela deixar a documentação que o office boy da empresa vem buscar. O salário você já sabe.- Tá bom papai.Achei incrível a forma como ele lavou as mãos e minha mãe ficou calada. Do mesmo jeito que era tia Suzy, podia ser uma estranha, que ele agiria da mesma forma.
Me levantei da mesa ao mesmo tempo que Brian chegava. Dei um beijo nele, peguei minha mochila e fui para o inferno...ops...para a escola.Cheguei alegremente na escola, queria contar a novidade a Bia. Finalmente eu havia conseguido que contratassem a mãe dela. Mas Bia não apareceu. Então decidi que na volta passaria na casa dela.Passei pelo pátio e os professores ainda não haviam ido para as salas, me sentei e então Sue e suas comparsas vieram na minha direção.- Oi perdedora! Soube que você tentou suicídio de novo.- Isso não é da sua conta.- Triste isso. Como assim, você tentou suicídio?...E não conseguiu?- Me deixa em paz Sue.- É divertido tirar a sua paz.Ignorei, me levantei e saí andando. Corri até o banheiro e fechei a porta. Elas vieram atrás de mim. Eu me tranquei em uma das cabines.- Eu sei que você está aí, não adianta se esconder.- Me deixa, por favor!- Pare de choramingar! Maluca!- Vá embora!- Sabe como mostramos a um maluco que ele é maluco? Expondo a loucura dele para os outros. Isso é para o seu próprio bem Mellany.
Quando meu pai foi embora, não demorou muito para que minha tia me levasse para morar com ela na Áustria. A separação foi difícil. Eu tinha apenas doze anos, mas mesmo tão jovem vi aquilo como uma oportunidade de cuidar da minha mãe e das gêmeas. Meu pai não havia sequer registrado as meninas. E elas já tinham oito anos quando ele se foi! Fiz o que pude, mas então minha tia se casou, e mesmo eu tendo um trabalho, eu me sentia um intruso na casa dela. O marido dela nunca me tratou mal, até porque minha tia não permitiria, mas eu notava que ele não me queria lá. A gota d'água para mim foi ouvir uma conversa dele com a minha tia.Eu cheguei do trabalho alguns minutos mais cedo, eles não me esperavam.- Ele nem ao menos é seu filho!- Mas é filho do meu irmão!- Se nem seu irmão quis ficar com ele, por que eu teria obrigação?- Chega, não quero mais falar desse assunto. Se você me ama, tem que aceitar o Théo, porque ele não vai embora...Eu entrei, ele sa
Cheguei na escola junto com Théo e Bia. Ele precisou comparecer a secretaria e então eu fui para a sala com Bia. No caminho fomos interceptadas por Sue.Ela me jogou contra a parede e apertou meu pescoço com o braço. Bia foi segurada pelas outras duas.- Acha que você e o novato vão se safar? Não vai demorar para terminar a minha detenção e eu pego os dois! Sua louca. Demente!- Me deixa em paz! Só o que eu quero é que me deixe em paz!- Ain ela quer que a deixemos em paz...o que acham meninas?-Hahahahah!Ela me soltou e eu olhei Bia nos olhos. Então corri para o banheiro. Me tranquei em uma das cabines. Eu podia sentir a crise de pânico vindo.Era uma sensação conhecida. Era horrível. Esqueci de tudo e todos. Era inesplicável o que eu sentia. Minhas mãos suavam, minha pele esquentava. Tontura, enjoos. Só queria sumir, apodrecer em algum canto escuro. Melhor, queria nunca ter existido. Nunca ter nascido. Olhava ao meu
Nunca imaginei que aquela tristeza no olhar de Mell, fosse depressão. Nem mesmo as tentativas de suicídio. Os cortes.Quando Bia me contou, me senti um idiota, por não ter notado antes. Eu tinha que ajudar Mell. Eu ainda não sabia como, mas eu iria fazer. Mas o que eu seria capaz de fazer a mais do que Bia, que a conhecia há tantos anos?Eu não sabia. Mas nada me impediria de tentar descobrir. Eu precisava fazer isso. Porque Mell era uma pessoa boa e merecia ser feliz. E porque eu estava apaixonado por ela.Sim. Eu mal conhecia Mellany e já estava apaixonado. Eu não podia imaginar o mundo sem ela. E não podia permitir que ela se removesse do mundo.Bia disse que ela não iria me aceitar. Que o ex dela era atencioso no início e depois apenas a magoou mais. Eu não seria assim. Mas como provar isso a ela?Mell não foi a escola na sexta, na saída comprei flores e fui até a casa dela. Minha mãe foi quem abriu a porta.- Oi mãe. Como está Mell?- Ela não s
O beijo aconteceu lenta e fervorosamente. Era urgente. Por mais que nos conhecíamos há pouco tempo, mas eu já queria beijar Théo desde o primeiro dia. Nos afastamos juntos.- Isso foi...- Incrível.- Sim.- Mas?- Eu tenho medo, Théo. Meu ex namorado era tão atencioso no início, e acabamos terminando por conta da pouca paciência que ele tinha com o meu problema. - Eu não vou fazer como ele.- Não prometa aquilo que você não pode cumprir.- Não estou te prometendo nada. Eu não sou ele. E nem pretendo. Vou dar o meu melhor para te ajudar, e quando ficar difícil, vou pedir um tempo para pensar. Mas não vou te abandonar. Não quero te abandonar. E antes de ser seu namorado, quero ser seu amigo. Me sinto atraído por você, sim. Mas se você não me quiser, vou continuar sendo seu amigo. - Não sei o que dizer.- Não precisa dizer nada. Vamos apenas deixar rolar. Seremos apenas amigos. Mas se você quiser me beijar eu vou adorar.-
A noite ao lado dela foi perfeita. Namoramos e olhamos as estrelas. A companhia dela era maravilhosa.Na semana seguinte voltamos ao encontro, e Mell estava cada dia mais interessada. Ela quis ajudar com a equipe de rua. Essa equipe se resumia a levar alimentos e cobertores aos moradores de rua. Mas nós também ajudávamos com cestas básicas em comunidades. Eu não achei uma boa idéia, mas ela insistiu.Seguimos para o centro da cidade. O trabalho seria à noite. Era o horário que eles se concentravam em um lugar só. Era mais fácil trabalhar. Porém, mais perigoso e mais triste de ver.Descemos da van e já haviam muitos moradores de rua ali.- Meu Deus! Eles dormem assim?- Sim, Mell. Essa é a realidade deles. Você consegue?- Sim. Eu quero fazer isso. É importante para mim.- Qualquer coisa me diga, vamos embora na mesma hora.- Isso não mudaria nada. Então mesmo que eu precise ir embora eu vou ficar.- Mell...- Théo, não sou criança.&nb
Acho que se não fosse por Théo teria deixado que a melancolia me dominasse novamente. Ele estava me fazendo mais forte. Isso era bom. Mas também era ruim.Eu não queria uma muleta. Tinha medo do que poderia acontecer se um dia nós rompessemos. Eu tinha que amar Théo, sem ser dependente dele. Mas é difícil para alguém como eu. Ele me faz sentir segura. Sinto que ao lado dele todas as minhas tristezas desaparecem. E digo isso a ele. Conto a ele meus medos.- Mell, você não deve se apoiar em mim para fugir da depressão. Eu sou imperfeito e posso te magoar. Se isso acontecer, sei que você vai ficar mal.- Mas eu não posso evitar.- Quando vamos no encontro você não se sente bem?- Sim.- Se apoie nisso. No que ouve lá, e pratique na sua vida.- Mas como posso me sentir segura com palavras?- Não são apenas palavras. São ensinamentos.- Sabe Théo, eu não conhecia essa coisa de fé. Nunca acreditei muito nisso.- Eu sei. Se acreditasse não t
Foi muito estranho ver meu irmão e Bea juntos, mas eles estavam realmente se entendendo. Meus pais haviam ligado e dito que ficariam fora por mais alguns meses. Isso não era novidade.Bea já estava no sétimo mês de gestação. Brian dizia que iria assumir o bebê e se casar com ela. Eles estavam indo no encontro, comigo e Théo. Numa noite saímos os quatro de lá e decidimos ir comer algo antes de ir para casa. Théo estava muito calado. Durante o sermão ele havia se emocionado muito.Passamos em um fastfood e pedimos sanduíches.- Eu amo a batata daqui.- Você ama qualquer coisa que seja comestível né Bea!- Credo Théo, do jeito que você fala...Ela começou a ficar pálida.- Bea? O que você tem?- Não é nada de mais Mell, só uma tontura.- É melhor irmos embora gente.- Tem razão Mell - disse Théo.Brian pegou minha cunhada no colo e fomos todos para o carro.Ele a colocou no chão para poder abrir a porta e ela desmaiou ali