Bullying

Cheguei alegremente na escola, queria contar a novidade a Bia. Finalmente eu havia conseguido que contratassem a mãe dela. Mas Bia não apareceu. Então decidi que na volta passaria na casa dela. 

Passei pelo pátio e os professores ainda não haviam ido para as salas, me sentei e então Sue e suas comparsas  vieram na minha direção.

- Oi perdedora! Soube que você tentou suicídio de novo. 

- Isso não é da sua conta.

- Triste isso. Como assim, você tentou suicídio?...E não conseguiu?

- Me deixa em paz Sue.

- É divertido tirar a sua paz.

Ignorei, me levantei e saí andando. Corri até o banheiro e fechei a porta. Elas vieram atrás de mim. Eu me tranquei em uma das cabines.

- Eu sei que você está aí, não adianta se esconder.

- Me deixa, por favor!

- Pare de choramingar! Maluca!

- Vá embora!

- Sabe como mostramos a um maluco que ele é maluco? Expondo a loucura dele para os outros. Isso é para o seu próprio bem Mellany.

- Por favor me deixe sozinha!

- Quer ficar sozinha? Seu desejo é uma ordem.

Ouvi elas saindo do banheiro e saí da cabine que eu estava. Tentei puxar a porta mas estava trancada.

- Me deixe sair!

- Você queria ficar sozinha, aproveite a estadia. Hahahahah! E tenta não se matar.

Saíram rindo. Eu pude ouvir quando elas viraram no corredor.

Fiquei ali. Chorei. Queria que a Bia estivesse ali comigo. Ela provavelmente daria um jeito de me ajudar a sair.

Comecei a socar a porta, alguém me ouviria. 

- Alguém aí? Me tire daqui! Abra essa porta!

Nada. Desisti.

Me sentei no chão, embaixo da pia e recomecei a chorar. Eu havia feito muito isso nos últimos tempos. Chorar. Não resolvia meus problemas, muito menos lavava minha alma, mas mesmo assim eu fazia. Não podia controlar, e nem queria.

Ouvi alguém mexer na porta.

- Tem alguém ai dentro?

Me levantei.

- Sim! Me ajude! 

- Vou te tirar daí.

Ele se foi e após alguns minutos ouvi a chave ser colocada na fechadura, então a porta se abriu e a diretora entrou acompanhada de um garoto. Eu nunca o tinha visto. Ele tinha os cabelos cacheados, como os de um anjinho, mas os dele eram escuros. Seus olhos eram de um verde cativante e ele era forte para a idade que provavelmente tinha.

- Senhorita Alves, o que faz aqui?

- Eu...

- Sue Clark a prendeu aqui, ouvi ela dizendo isso na sala de aula, para suas amigas. 

Ele tinha um certo sotaque, não parecia brasileiro. Eu não fazia ideia de onde era. Mas ele falava o português melhor que muita gente daqui.

- Senhor Miller, devemos ir para a sala. 

- Sim. Vamos? - perguntou para mim.

- Sim. Vamos, Senhor Miller.

- Théo. Apenas Théo.

- Théo. É um belo nome.

- Na verdade é Theodore. É austríaco.

- Então você é austríaco?

- Não. Mas não gostaria de falar sobre isso.

- Certo. 

- Você não me disse seu nome.

- Mellany. 

- Muito bem Mellany, acho que a diretora gostaria que nós a acompanhassemos agora.  

Olhei para a porta do banheiro e a diretora nos olhava sorrindo.

Saí andando, sentia meu rosto queimando. Não entendi a razão. Apenas segui com os dois até a sala de aulas.

Quando Théo entrou o professor o olhou de cara feia.

- O banheiro estava tão longe assim, senhor Miller?

- Estava trancado. - foi a diretora quem falou.

- Trancado?

- Sim, e com a senhorita Alves dentro. A propósito, senhorita Clark? Pode me acompanhar?

- Eu? Por que?

- Talvez a senhorita e suas amigas possam me dizer como conseguiram a cópia da chave para trancar a porta do banheiro, com a senhorita Alves dentro.

- Isso é mentira dela!

Théo tirou do bolso o celular e mexeu nele por alguns segundos. Então um áudio começou a ser ouvido. Nele Sue, falava com suas amigas sobre como deveria ter ficado a minha cara quando percebi que estava trancada. E elas também me imitavam pedindo para abrir a porta. Mas com voz de deboche.

- Acho que isso é o suficiente senhor Miller. Me acompanhe senhorita Clark.

- Isso é montagem! 

- Posso pedir as imagens da câmera, caso seja necessário. É necessário?

- Não senhora.

- Foi o que pensei. Agora venha e traga suas...amigas com você.

Sue se levantou e seguiu até a porta. Suas amigas a acompanharam.

- Você me paga, Miller.

- Mal posso esperar!

Ela saiu fumegando de raiva.

- Acho que agora posso continuar com a minha aula?

- Sim professor.

- Que bom, senhor Miller, então sentem-se.

Acompanhei Théo até sua mesa, me sentei com ele. Mas a aula não demorou muito a acabar. O sinal bateu e o professor foi embora. Não antes de nos intimar a copiar a matéria perdida, sujeito a nota, na próxima aula. 

A próxima professora foi de biologia, ela nos levou para o laboratório. 

- Gosto dessa aula.

- Gosta?

- Sim, na Áustria era minha matéria favorita.

- Eu também gosto dos experimentos.

A professora parou na minha frente.

- Gostariam de dividir conosco o assunto que é tão interessante?

- Não senhora.

Nesse momento Sue entrou, acompanhada de suas amigas e da coordenadora.

Ela se sentou e fulminou, Théo e eu com o olhar.

A professora foi até a coordenadora que lhe falou algo. Ambas olharam para Sue e depois para mim, então a coordenadora saiu.

- Continuando a aula. Quero que peguem seus telescópios debaixo da mesa.

Todos fizeram o que ela mandou e ela distribuiu algumas lâminas estéreis e alguns cotonetes. 

- Quero que examinem a mucosa bucal de sua dupla. Quero que anotem o que encontraram. As bactérias e o formato de cada uma. Depois vamos denominar cada uma delas.

Saímos juntos. A última aula tinha sido de inglês, e havia sido bem dinâmica.

- A aula foi divertida hoje.

- Também achei Miller.

- Quer que eu te acompanhe?

- Vou passar na casa de uma amiga. 

- Bia?

- Sim. Como você sabe?

- Eu moro lá.

- Mora?!

- Sou irmão dela.

- Então você é o irmão da Bia?!

- Sim. 

- Por que ela não veio para aula?

- Bea não está bem, foi levar ela no médico. Eu só fui porque era meu primeiro dia. 

- Hum.

Fomos caminhando juntos, pouco falamos. Era muito estranho que ele fosse irmão da Bia. Eles nem eram parecidos. Bia era loira, como a mãe. Seus olhos eram escuros. Totalmente o contrário de Théo.

- Se vocês são irmãos por que não tem o mesmo sobrenome?

- Meu sobrenome é do meu pai. Bianca e Beatriz não foram registradas por ele, apenas pela minha mãe.

- Entendi.

Chegamos a casa e ele suspirou.

A casa dele era grande, o pai havia deixado para eles. Mas já não era majestosa como outrora devia ter sido.

Entramos e encontramos Bea, Bia e sua mãe abraçadas. Elas choravam.

- O que houve mãe?

- Ah meu filho, você mal voltou e já temos problemas para você.

- O que foi?

- É a Bea. Ela...

Ela bateu o olho em mim.

- Ah querida, vejo que já conheceu o Théo.

- Já sim Dona Suzy. Ele é da minha sala.

- Ele caiu na nossa sala? Que droga! Nem a Bea caiu e vem o Theo e cai na minha sala!

- Oi Bia, oi Bea.

- Oi.

- Oi.

- Diga logo o que houve com Bea.

- Ela está...

- Eu estou grávida Théo!

- Grávida? Aos quinze anos?

- O que eu posso fazer?

- Agora nada! Mas deveria ter se cuidado! Que droga Beatriz, nem mesmo temos como sustentar esta casa! 

- Não adianta gritar agora Théo. 

- E o que você sugere Bianca?

- Procurar uma solução.

- O que? Um aborto?

- Eu jamais faria isso! 

- Pois é Bea, nem eu. Mas o que vamos fazer? Estamos todos sem trabalho. Só Bia que ainda consegue alguma coisa no mercado.

- Bom, eu tenho uma boa notícia.

- Tem?

- Meus país demitiram outra babá.

- Ah querida, eu agradeço, mas eles nunca vão me contratar. Você sabe...por causa da minha perna.

- Está enganada. Meu pai disse que você pode começar hoje. Finalmente eu os convenci. 

- Aí minha filha, você e um anjo.

- Estou longe disso. 

Ela me abraçou. Seu abraço foi tão gostoso que eu chorei. Me senti acolhida e querida naquele momento. E eu sabia que não era por causa do trabalho, era porque ela realmente se importava comigo.

- A senhora precisa levar seus documentos amanhã quando for começar. O boy da empresa do meu pai vai vir buscar.

- Tá bom minha filha.

Não disse a ela para começar hoje, seria muito abuso.

Eu saí andando para fora, Bia veio na minha direção.

- Como você está Mell?

- Estou bem. A não ser por ter sido trancada no banheiro.

- Como assim?

- Sue me trancou.

- Aquela...

- Não se preocupe. Seu irmão me tirou de lá. E eu soube que ela recebeu uma detenção. Vai passar duas semanas lavando o banheiro depois da aula.

- Isso é pouco para ela.

Eu sorri.

- Seu irmão ouviu ela falando na sala o que havia feito e me ajudou.

- Théo é muito especial.

- Quantos anos ele tem?

- Dezenove.

- Nossa. E por que ele está cursando o primeiro ano normal?

- Na nossa escola não tem supletivo.

- Por que ele não foi para outra?

- Bolsa.

- Vocês três são bolsistas?

- O Théo só tem meia. Minha tia paga a dele.

- Entendi.

- Obrigada Mell.

- Pelo que?

- Pelo trabalho da mamãe.

- Sabe que eu sempre quis que fosse ela.

- Eu sei.

- Théo se aproximou.

- Quer um suco Mell? Vou lá buscar um.

- Tá tudo bem Bia.

- Já volto.

Ela correu para dentro e Théo tocou em meus ombro.

- Tudo bem?

- Sim.

- Minha mãe me disse que você saiu do hospital faz poucos dias. Tá tudo bem?

- Tá sim.

- O que houve?

- Longa história.

- Eu tenho tempo.

- Realmente não quero falar sobre isso.

- Tá bom.

Me senti mal por não dizer, então ergui os pulsos e mostrei a ele.

- O que foi isso?

- Cortei os pulsos.

- Como?

- Com uma lâmina. Eu queria morrer.

- Não diga isso nunca. A vida é um presente de Deus.

- Não para mim. 

- Você não sabe o que tá dizendo.

- Sei sim.

Cheguei em casa próximo ao anoitecer. Não havia ninguém e o jantar estava sendo servido.

- Onde estão meus pais?

- Viajaram. Eles tinham negócios na Holanda.

- Sei quais negócios são.

- Foi o que me pediram para te dizer.

- Hum. E o Brian?

- Está no quarto com... Debbie.

- Eles vão jantar?

- Suponho que sim.

- Obrigada.

- Disponha senhorita.

Subi para o meu quarto e tomei um banho. Desci para o jantar e logo voltei para o quarto. O sono mais uma vez fugiu de mim. Mas dessa vez por uma razão diferente. Um certo moreno de olhos profundos me espreitava quando eu fechava os olhos.

Não conseguia tirar Theodore Miller da cabeça.


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