Nunca imaginei que aquela tristeza no olhar de Mell, fosse depressão. Nem mesmo as tentativas de suicídio. Os cortes.
Quando Bia me contou, me senti um idiota, por não ter notado antes. Eu tinha que ajudar Mell. Eu ainda não sabia como, mas eu iria fazer. Mas o que eu seria capaz de fazer a mais do que Bia, que a conhecia há tantos anos?Eu não sabia. Mas nada me impediria de tentar descobrir. Eu precisava fazer isso. Porque Mell era uma pessoa boa e merecia ser feliz. E porque eu estava apaixonado por ela.Sim. Eu mal conhecia Mellany e já estava apaixonado. Eu não podia imaginar o mundo sem ela. E não podia permitir que ela se removesse do mundo.Bia disse que ela não iria me aceitar. Que o ex dela era atencioso no início e depois apenas a magoou mais. Eu não seria assim. Mas como provar isso a ela?Mell não foi a escola na sexta, na saída comprei flores e fui até a casa dela. Minha mãe foi quem abriu a porta.- Oi mãe. Como está Mell?- Ela não saiu do quarto. Não quis nem almoçar.- Eu vou lá.- Ela não vai abrir. Eu já tentei de tudo.- Ainda assim eu quero tentar.Minha mãe me acompanhou até o quarto. Eu nunca havia entrado naquela casa antes. A sala era imensa, e eu podia ouvir os meus passos. Era tudo branco. Do piso, as cortinas. Com alguns detalhes em creme. Subi a escada que parecia de marfim com a minha mãe e ela sorriu.- O quarto dela é esse.- Obrigado mãe.- Cuide dela meu filho.- Vou cuidar.Bati na porta e ninguém respondeu.- Mell? Você tá aí?- Vai embora!- Não vou até você abrir a porta!- Então você vai morar aí!Bufei. Eu precisava entrar. Já estava cogitando meter o pé na porta, quando a o quarto ao lado abriu e um garoto saiu.
- Quem é você? O que quer com a minha irmã?- Sou Theodore Miller, e sou um amigo da Mell.- Amigo. Sei.- Ela não quer abrir.- Eu já desisti de tentar, quando ela faz isso fica dias sem sair.- Mas vocês não tem medo dela se machucar?- Tenho. Tenho muito. Mas ela não nos deixa chegar perto demais.- Mas isso não é uma questão de deixar. Ela precisa de ajuda.- Ela passa em um terapeuta. Inclusive ela tem consulta hoje.- A ajuda vem de nós. Que estamos próximos. E você vai deixar ela perder a consulta?- Nada do que eu disser vai fazer ela sair desse quarto.- Não são palavras, são ações. Se esperar ela sair por suas palavras ela vai sair em um caixão.Ele ficou quieto. Não me conformava de ver que todos esperavam que ela fosse realmente abrir a porta. Ela não ia e eu sabia disso.- Tem alguma sacada no quarto?- Tem.- Eu vou tentar subir por fora.- Use a sacada do meu quarto.- Ótima ideia!Ele deu espaço para eu passar. Seu quarto era decorado com muito bom gosto. Haviam poucos livros e muitos DVDs. Fui direto para a sacada. Na verdade era uma única da sacada dividida por uma parede. Seria fácil.Passei para o lado de fora da grade e facilmente pulei para dentro da sacada do quarto dela.A porta estava fechada. Não bati. Ela não abriria. Meti o pé e a porta se abriu. Ela estava na cama. De pijama. Seu quarto uma bagunça.Ela estava toda encolhida e abraçada ao edredom.- Mell?- Eu te disse para ir embora! Não quero ver ninguém.- Você não está em posição de querer nada. Se levante. Você tem uma consulta.- Não vou hoje.- Você vai sim. Venha tomar um banho ou eu vou te dar um.Ela me olhou com raiva e deitou de novo.Fui para cima dela. Comecei a tirar o pijama.- Tá bom. Tá bom. Eu vou. Mas me espera lá fora.- Não vou te esperar lá fora. Vou te esperar aqui. E você toma banho com a porta aberta.- Vou tomar banho com a porta aberta com você aqui?- Sim.Ela entrou no banheiro e tentou fechar a porta. Mas eu fui mais rápido.- Nada disso. Vou ficar aqui por precaução. Não se preocupe. Não pretendo olhar.- Idiota.- Com prazer.Fechei os olhos e ouvi ela tirando a roupa. Depois de alguns segundos ouvi a porta do box se fechada e o chuveiro ser ligado.- Já pode abrir os olhos. - Obrigada.- Por que está fazendo isso?- Eu me preocupo.- Muitos se preocupam. Mas passa logo.- Eu não sou muitos.- Até você se cansar.- Me cansar do que, Mell? Me diz.- De nada.- Por que você não me contou?- Contar o que?- Você sabe o que.- Sei?- Sabe.- Não sei do que você está falando.Ela desligou o chuveiro e eu fechei os olhos. Ouvi quando ela pegou a toalha.- Não se faça de boba.- Não estou me fazendo.- Está sim. E eu vou reformular a pergunta. Por que você não me disse que tinha depressão?- Não sei.- Onde você faz terapia?- Aqui perto.- Vou com você hoje.- Sempre vou sozinha.- Sozinha? Por que?- Meus pais não tem tempo.- E seu irmão?- Ele ia, mas eu pedi para ele parar. Já pode abrir os olhos. Estou vestida.Abri os olhos e ela estava usando uma calça jeans e uma blusa preta que eu achei muito curta.- Você vai com essa blusa?- Vou. O que você tem com isso?- Ah...nada. Vamos?- Ainda está cedo. - Podemos comer alguma coisa antes.- Legal.Saímos da casa dela a pé. Ela dispensou o motorista.- Você não gosta muito de motorista né?- Não. Eu prefiro andar. Distrair a cabeça.- Eu gosto de andar também.- Que bom.Entramos em uma lanchonete e nos sentamos. Uma garçonete veio nos atender.- O que vão querer?- Eu quero um cheeseburguer e um refrigerante grande. Não esqueça da batata.Fiquei de boca aberta com o pedido dela. Nem eu seria capaz de comer tanto.- E você?- Eu...quero a mesma coisa.Nosso pedido não demorou a chegar. Eu não comi nem metade. Mell fez isso por mim.Chegamos ao terapeuta e não demorou até que a chamassem.Ela demorou cerca de uma hora lá dentro. Achei que ela sairia com um olhar mais calmo. Ou pelo menos sem aquela tristeza recorrente. Mas não. Ela saiu do mesmo jeito que entrou.Isso me levantou uma suspeita. Será que terapia era mesmo a forma dela se curar? Ou será que era perda de tempo? Uma coisa eu tinha certeza. Que para se curar ela precisava querer. A depressão é quase tão difícil de curar quanto o vício em drogas. Porque está atrelada a psique. A mente humana é complexa e nada fácil de desvendar. O terapeuta pode ajudar a canalizar os sentimentos e os conflitos. Mas quem se cura é o doente. E ele jamais fará isso sozinho. Saímos do consultório e caminhamos até o parque. Mell não queria ir para casa.- O que te desagrada tanto na sua casa?- A solidão.- Por que?- Fico lá e nunca vejo meus pais. Brian até tenta, mas ele tem a namorada dele. A vida dele. E também não pode suprir o que os meus pais não me dão.- Isso ninguém pode.- Queria te propor uma coisa.- O que?- Eu participo de um encontro de jovens. A gente vai lá, ora um pouco, canta, conversa e come pizza. O que acha?- Eu não sei. É tipo igreja?- Sim e não. As vezes nos encontramos num galpão alugado pela igreja. Outras vezes nos encontramos em lugares públicos. Eu fazia isso na Áustria, minha tia quem me levou. Quando cheguei aqui senti falta e fui tentar descobrir se tinha algum. E encontrei esse. - Hum. - É um pouco diferente da Áustria, mas eu me sinto muito bem lá.- Bia nunca comentou sobre isso.- Ela não soube até eu chegar ao Brasil. Vamos comigo?- Não sei.- Vai ter hoje. Vamos, vai ser legal. E você não quer ir para casa.- Que horas?- Vai começar daqui uma hora.- Tá bom. Eu topo. Mas se for uma merda eu vou embora.- Prometo que vou com você.Ficamos mais um pouco ali no parque e depois partimos para o ponto de encontro. Dessa vez seria no galpão. Nos sentamos na frente. Queria que Mell ouvisse o sermão de perto. Ele foi curto. Mas vi que ela se sentiu impactada. De todas as palavras que ela ouviu, aquelas ela pareceu absorver um pouco.
Seu olhar mostrava esperança.No final, nos reunimos para contar piadas. Eu era ruim nisso. Então começamos a cantar.Uma das garotas se aproximou de Mell.- Oi. É Mellany né?- Mell.- Legal. Você canta?- As vezes. Faz tempo que não canto nada.- Canta para gente.- Não sei se lembro desse tipo de música.- Se você esquecer a gente te ajuda.- Melhor não.- Vai Mell. Só uma.- Tá legal.Ela começou a cantar e eu mal pude acreditar. Ela cantava como um anjo. Todos que estavam ao redor ficaram com os olhos marejados. Ela parecia estar em outra dimensão. Nem parecia notar nossa presença ali. Então ela terminou de cantar. E nos olhou. Então começou a ficar vermelha e me abraçou. - O que foi?- Nada. É só que faz tempo que não canto nada.- Você cantava antes? - Antes da depressão? Cantava. Mas depois de um tempo não consegui mais... até hoje.Saímos do encontro e eu fui acompanhando Mell até sua casa. Parei na porta com ela.- Gostou de hoje?- Muito. Você foi meu porto seguro hoje.- Quero ser sempre.Me aproximei dela. Eu precisava beija-la. Estava me controlando há dias. Mas não era mais capaz. Toquei seu rosto e o levantei para mim. Aproximei meus lábios dos dela...O beijo aconteceu lenta e fervorosamente. Era urgente. Por mais que nos conhecíamos há pouco tempo, mas eu já queria beijar Théo desde o primeiro dia. Nos afastamos juntos.- Isso foi...- Incrível.- Sim.- Mas?- Eu tenho medo, Théo. Meu ex namorado era tão atencioso no início, e acabamos terminando por conta da pouca paciência que ele tinha com o meu problema. - Eu não vou fazer como ele.- Não prometa aquilo que você não pode cumprir.- Não estou te prometendo nada. Eu não sou ele. E nem pretendo. Vou dar o meu melhor para te ajudar, e quando ficar difícil, vou pedir um tempo para pensar. Mas não vou te abandonar. Não quero te abandonar. E antes de ser seu namorado, quero ser seu amigo. Me sinto atraído por você, sim. Mas se você não me quiser, vou continuar sendo seu amigo. - Não sei o que dizer.- Não precisa dizer nada. Vamos apenas deixar rolar. Seremos apenas amigos. Mas se você quiser me beijar eu vou adorar.-
A noite ao lado dela foi perfeita. Namoramos e olhamos as estrelas. A companhia dela era maravilhosa.Na semana seguinte voltamos ao encontro, e Mell estava cada dia mais interessada. Ela quis ajudar com a equipe de rua. Essa equipe se resumia a levar alimentos e cobertores aos moradores de rua. Mas nós também ajudávamos com cestas básicas em comunidades. Eu não achei uma boa idéia, mas ela insistiu.Seguimos para o centro da cidade. O trabalho seria à noite. Era o horário que eles se concentravam em um lugar só. Era mais fácil trabalhar. Porém, mais perigoso e mais triste de ver.Descemos da van e já haviam muitos moradores de rua ali.- Meu Deus! Eles dormem assim?- Sim, Mell. Essa é a realidade deles. Você consegue?- Sim. Eu quero fazer isso. É importante para mim.- Qualquer coisa me diga, vamos embora na mesma hora.- Isso não mudaria nada. Então mesmo que eu precise ir embora eu vou ficar.- Mell...- Théo, não sou criança.&nb
Acho que se não fosse por Théo teria deixado que a melancolia me dominasse novamente. Ele estava me fazendo mais forte. Isso era bom. Mas também era ruim.Eu não queria uma muleta. Tinha medo do que poderia acontecer se um dia nós rompessemos. Eu tinha que amar Théo, sem ser dependente dele. Mas é difícil para alguém como eu. Ele me faz sentir segura. Sinto que ao lado dele todas as minhas tristezas desaparecem. E digo isso a ele. Conto a ele meus medos.- Mell, você não deve se apoiar em mim para fugir da depressão. Eu sou imperfeito e posso te magoar. Se isso acontecer, sei que você vai ficar mal.- Mas eu não posso evitar.- Quando vamos no encontro você não se sente bem?- Sim.- Se apoie nisso. No que ouve lá, e pratique na sua vida.- Mas como posso me sentir segura com palavras?- Não são apenas palavras. São ensinamentos.- Sabe Théo, eu não conhecia essa coisa de fé. Nunca acreditei muito nisso.- Eu sei. Se acreditasse não t
Foi muito estranho ver meu irmão e Bea juntos, mas eles estavam realmente se entendendo. Meus pais haviam ligado e dito que ficariam fora por mais alguns meses. Isso não era novidade.Bea já estava no sétimo mês de gestação. Brian dizia que iria assumir o bebê e se casar com ela. Eles estavam indo no encontro, comigo e Théo. Numa noite saímos os quatro de lá e decidimos ir comer algo antes de ir para casa. Théo estava muito calado. Durante o sermão ele havia se emocionado muito.Passamos em um fastfood e pedimos sanduíches.- Eu amo a batata daqui.- Você ama qualquer coisa que seja comestível né Bea!- Credo Théo, do jeito que você fala...Ela começou a ficar pálida.- Bea? O que você tem?- Não é nada de mais Mell, só uma tontura.- É melhor irmos embora gente.- Tem razão Mell - disse Théo.Brian pegou minha cunhada no colo e fomos todos para o carro.Ele a colocou no chão para poder abrir a porta e ela desmaiou ali
O caixão de Bea era simples. Aceitei a ajuda de Mell e Brian para comprar, mas não quis nada muito caro. Eles se encarregaram de todas as despesas, já que não tinhamos condições. Minha irmã estava deitada, e sobre o seu corpo estava o seu bebê. Era um menino. Eu mal conseguia olhar. O rosto do bebê era incrivelmente parecido com o dela. Doía ver a cena. Beatriz sempre foi tão alegre e cheia de vida. Mell não saiu do meu lado um momento sequer. Sei o quanto estava sendo difícil para ela. Ela amava Bea, tanto quanto eu e estava se desdobrando para consolar a mim, a minha mãe e a Bia, que de todos nós, era quem estava mais desolada. Isadora estava em um canto, Nikki dormia em seus braços. Ela olhava de longe para Bea. Me aproximei devagar.- Tá tudo bem?- Hum...Oi...Sim.- Parece distante.- É só que...eu estava pensando...poderia ter sido eu. Tive meu bebê na rua, sozinha...- Não era para ser você.Ela deu de ombros e eu
Cheguei em casa após uma noite maravilhosa, o encontro havia sido muito proveitoso e eu estava muito feliz. Théo me deixou em casa e após isso eu entrei. Ao abrir a porta meus pais estavam sentados no sofá e tinham um olhar severo. Daqueles que ao ver já sei que não vou gostar do que vou ouvir.- O que fazia com esse rapaz?- Mãe nós fomos ao encontro de jovens e...- E por que estava beijando ele?- Papai eu...- Não diga nada Mellany. Não queremos você de namorico com o filho da babá!- Vocês nem sequer ficam em casa! Nem cuidam de nós!- Vamos ficar agora, e quando não estivermos terá alguém que cuidará para que não veja esse moleque!- Ele não é moleque, é mais homem que você! Cuida mais de mim do que você!- Vou denunciar esse canalha, por tocar na minha garotinha...- Agora eu sou sua garotinha? Eu quis morrer um milhão de vezes e você nunca se importou! Ele se importou, eu quero viver hoje por que ele se importa!- C
Já haviam se passado vários dias, e Mell ainda não acordara. Eu estava sempre ali, ao lado dela. Os pais dela não gostavam da minha presença, eu podia ver isso, mas eu ia. Brian procurava sempre estar por perto para que eles não me destratassem, mas eu não tinha medo deles, apesar de ser grato pela atitude dele. Nós últimos tempos ele e Isadora pareciam bem próximos, não cheguei a ver nada, mas eles estavam sempre juntos.Uma noite, fiquei com Mell no quarto e a mãe dela chegou.- Ah, você está aí é?- Não sairia do lado dela por nada.- Vou te colocar na cadeia.- Faca o que quiser. Mas não vou sair daqui.- Se não se afastar dela vai apodrecer na cadeia.- Sua chantagem não vai funcionar.- Quero ver se não. Só não fiz nada até agora em respeito ao luto da sua mãe, mas já basta de ter você atrás do dinheiro da minha família. Já é suficiente aquela pedinte estar morando lá em casa com aquele bastardinho.Eu fiquei calado. N
Cheguei ao hospital com algo para Théo comer, mas ele não estava em lugar algum. Procurei por todas as partes e nada. Fiquei algum tempo com Mell e uma enfermeira entrou.- Olá. Sabe me dizer onde está Théo?Ela hesitou. E eu soube que algo estava errado.Me levantei e fui até a cafeteria, onde sabia que meus pais estavam. Os dois ocupavam uma mesa ao canto e conversavam. Me aproximei soltando fogo pelas ventas.- Onde ele está?- Ele quem?- Você sabe muito bem pai!- Aquele aliciador de menores teve o que merecia! Eu chamei a polícia para ele.- Você me dá nojo mãe! Sabe muito bem que Théo não seduziu a Mellany. Vocês só pensam nesse maldito dinheiro de vocês! Já pararam para pensar nela? Olhem para ela, parece outra pessoa. Não chora mais, não deseja mais a morte como fazia antes, mas o importante para vocês não é a vida da sua filha, e sim o seu dinheiro. Estão deixando Cindy tão fútil quanto vocês.- Chega Brian!- Chega mesmo.