A Sobrevivente
A Sobrevivente
Por: Carol Catalani
Pânico

Existem muitas formas de morrer, umas ruins, outras nem tanto.

Mas a sensação que estou sentindo nesse momento, com certeza é pior do que a morte.

Minhas mãos estão quentes, assim como as minhas orelhas.

Um choque corre a minha espinha, um nó se forma na garganta e não importa o quanto eu queira falar, nada sai. Eu só choro, e tem essa coisa rasgando o peito por dentro como se fosse me engolir. Dá dor de barriga, dor de cabeça, vontade de vomitar, meu corpo todo fica tremendo, eu quero fugir, mas ao mesmo tempo quero só ficar no mesmo lugar. Penso em me abrir com alguém, ao mesmo tempo que pondero suicídio. Porque qualquer um que cruzou a linha da automutilação tem tendencias suicidas, é preocupante quando se chega a esse estado. Isso é o que o meu psiquiatra diz. E tem os casos de terror noturno, insônia, ansiedade gerada pela depressão, síndrome do pânico, irritação, nada que eu faço parece bom o suficiente, nada que eu gosto de fazer parece a mesma coisa, tudo fica preto e branco e minha única vontade é me encolher na cama e apodrecer lá.

Os cortes liberam oxitocina e endorfina, que causam uma sensação de prazer. E isso me tira da dor que eu sinto, ao menos por alguns segundos.

Olho para a lâmina, ela é minha companheira. Ela me ajuda a aliviar minha dor. Mas hoje eu não vou só me cortar. O pânico está me matando. Eu não aguento mais o inferno.

Meus pais não me enxergam. Ninguém enxerga. Eu não sou nada. Sou invisível.

Minha mãe está ocupada demais com as compras e meu pai? Bem esse só pensa no trabalho. Tenho dois irmãos. Cindy de dez anos, ela é uma idiota. Diz que eu gosto de chamar atenção. Mas no fundo ela só repete as palavras da minha mãe. E tem o Brian, ele tem dezessete e é o único que realmente se importa. Mas o que ele pode fazer? Ele discute constantemente com papai por minha causa, mas nada muda, só me deixa pior. Na escola não é diferente. Tem a Sue, ela é ridícula. Ela e as suas amigas não me dão paz. Passam o dia me perturbando e mexendo comigo. Odeio a escola. É como o inferno...dentro do inferno.

Estou com a lâmina na mão, pondero se serei capaz de fazer o que minha mente me diz. Não há ninguém em casa. Mas a qualquer momento Brian vai chegar.

Se ele estivesse aqui, estaria no quarto dele ouvindo Rap, ele gosta de Rap. Eu também gosto.

Olho pela pequena janela do banheiro e vejo ele chegando. Não vai mudar nada. É muito difícil ele vir no meu quarto.

Abro a torneira da banheira, a crise de pânico ainda me consome. Estou tremendo dos pés a cabeça.

A banheira enche e eu tiro a roupa, mergulho na água quente. Deveria ser relaxante, mas não é. Estou alheia a qualquer sensação. Já estou acostumada. No momento das crises, só sinto o pânico me dominando. É destrutivo. É só a fase, eu ouço muito isso. Não acredito mais. Nem sei se acreditei um dia.

Ainda estou com a lâminana na mão. Olho para os meus pulsos. Tomo coragem. Eu sei que tenho coragem. Penso na minha família.

Não vou fazer falta para eles. Forço a lâmina e sinto a pele do meu pulso abrir. O sangue escorrendo forte. Não é o suficiente. Faço o mesmo no outro. O sangue jorra. Sinto uma pequena sensação de prazer antes de ver a água vermelha do meu sangue escorrer para fora da banheira. Sinto minhas forças se esvaindo e aos poucos vou perdendo os sentidos. Chegou a hora. Antes de apagar por completo vejo a porta se abrindo bruscamente.

Tudo é uma névoa. Me sinto flutuando. Mãos firmes me pegam da água. Sou enrolada em algum tecido, ao mesmo tempo que descemos a escada. Sou lançada no carro. Estou quase apagando.

Ouço meu irmão xingando alto. Não compreendo o que ele diz.

Olho para meus pulsos meio grogue e vejo que o tecido que me envolve está embebido em sangue. A escuridão me engole.

Abro os olhos e a claridade incomoda. Então os fecho outra vez. Minha boca está seca. Ouço vozes mas elas estão distantes. Abro novamente os olhos. Aos poucos me acostumo a claridade. Vejo Brian conversando com um homem de jaleco branco. Ele olha na minha direção e sorri.

- Mell? Que bom que acordou.

- Onde eu estou?

- No hospital. Não se lembra?

Aos poucos minha mente começa a desanuviar e lembro.

- Sim.

- Por que fez isso? De novo?

- Me deixa Brian.

- Essa já é a quinta vez, só esse ano!

- Cadê a mamãe?

- Ela...

- Tá já sei.

Até a terceira vez que tentei suicídio, minha mãe chegava no hospital histérica, prometendo que ia mudar. Nunca mudou. Não ia mudar nunca.

Foram as mesmas coisas de sempre. Psicólogo, psiquiatra, blá blá, blá. Todos fingindo que se importavam.

Soube que dessa vez havia sido uma semana até eu acordar.

Brian me levou para casa em silêncio. Fui eu quem falei.

- Como me encontrou?

- A água da banheira estava escorrendo pela escada. E havia sangue nela. Muito sangue. Então eu fui lá e te vi. Pensei que você já estava morta.

- Era isso o que eu queria, sabe?

- Não diga isso Mell.

- Estou cansada.

- É aquela garota de novo?

- Também. Mas não quero falar nisso agora.

Ele ficou quieto. Sai do carro e fui direto para o quarto. Achei que dessa vez eu morreria.

Não foi dessa vez.

Na minha cama tinha uma caixa, dentro havia um celular novo e um bilhete.

"Oi filha, desculpe não estar aí para te receber. Silvia precisou de mim para um evento.

Te amo

Mamãe"

Legal. Um presente por tentar morrer.

Minha mãe conseguia me deixar pior até quando tentava agradar. Ela não sabia, mas mais do que querer um celular novo, eu queria sua presença.

Deitei na cama e peguei um livro. Minha única alegria.

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