Era uma noite fria. Tudo parecia calmo, mas a lua não brilhava por completo. Nuvens escuras começaram a cobri-la, até que os últimos resquícios de sua luz desapareceram da vista de Noah e Lia. Seus olhos cansados se esforçavam para enxergar onde pisavam enquanto corriam. Noah, mesmo sem ver perfeitamente, usava sua habilidade com maestria, desviava dos obstáculos graças ao seu poder, assim como Lia.
Escondidos e apressados, tentavam alcançar a cobertura daquele prédio antigo, repleto de entulhos. A exaustão pesava em seus corpos, seus pés doíam, torturas aconteciam mais frequentemente, já fazia duas noites que não dormiam direito, Entre tantos pensamentos, Noah se concentrava apenas em proteger Lia do jeito que podia. Mas será que já não era tarde demais? Esse pensamento intrusivo o incomodava. Ainda assim, eles tentavam, com cada gota de suor e cada fibra de seus corpos, permanecer juntos e sobreviver. Ao longe, ecoava o som dos helicópteros se aproximando. O ambiente lembrava uma zona de guerra, e cada ruído os deixava ainda mais alertas. Mas a prontidão constante, somada à fome e à sede, era um fardo insuportável. Mal tinham tempo para conversar nesse estado de vigilância. Quando um tentava dormir, o outro vigiava. No esconderijo improvisado, um quarto cheio de escombros assim como o prédio, os dois se encostaram em paredes opostas e respiraram fundo tentando se recuperar o máximo que podiam nesse meio tempo. Noah olhava fixamente para Lia, até que ela, como sempre, notou seu olhar. — O que você vê? Espero que seja um plano. – disse Lia, com a voz baixa. — Eu gostaria apenas de admirar seus olhos, como sempre fiz. Mas, nesse escuro, mal consigo enxergar. – respondeu Noah. — Ah, suas emoções... Quase sempre na hora errada, não é? – murmurou ela, desviando o olhar para a janela. O som dos helicópteros ainda ecoava ao vento, mas pareciam vasculhar outras áreas. Noah permaneceu em silêncio. Após alguns instantes, Lia se sentiu incomodada e voltou a falar: — Me desculpa, tá bom? Eu sei que... isso não deveria ser assim… não consigo pensar ou me concentrar direito… Eu não estou te culpando, só estou exausta. Sei que você também está. Meu corpo dói, minha mente está cansada, minha habilidade está falhando... — É, parece que eu nunca faço o suficiente. – murmurou Noah. — Olha... Eu já pedi desculpas, ok? Você não vê que estou tão estressada quanto você? – Lia se aproximou, a frustração evidente em seu rosto. – Eu estou estressada pela situação, eu estou me segurando há tanto tempo… Eu não queria brigar. — Você acha que eu estou bem? Olha para mim! Mas vamos sair dessa juntos, como prometi. – Noah pousou as mãos nos ombros dela. — Sim, claro. Mais uma promessa. Mas que eu lembre foi sua promessa de que seríamos melhores que nos trouxe a essa situação. ME SOLTA! – gritou Lia. — Mas é claro. Isso porque você não está me culpando, não imagino como seria se estivesse. – retrucou Noah, aumentando o tom. — EU NÃO ESTOU! Droga, por que sempre tem que ser assim? Sempre me fazendo sentir como se eu fosse a errada — Sempre? É assim que você me vê? Isso é novo para mim. — Você acha que eu diria isso sem motivo? Você sempre acha que tem razão. Pelo menos é assim que parece. Estou cansada disso. Queria que parasse de me tratar como se eu fosse fraca. — Então não é novidade? Mas não duvido, você está sempre cansada, sempre. — Isso... isso não é verdade! Que ódio! Por isso não gosto de você, insensível. Agora parece que a culpa é minha? Quer saber? Não quero mais discutir, eu sei que vou sobreviver, não importa o que for preciso para isso. — Ah, agora não gosta de mim? Você vai sobreviver sozinha, então? Você sabe que eu te protejo porque quero, não porque te vejo como fraca. Se quer provar que não precisa de mim, vá em frente, mostre que não precisa de mim para nada. — SEU IDIOTA! Você sabe que eu não posso sozinha. — Então vamos parar com essa briga inútil. – gritou Noah, sua voz carregada de raiva. — CERTO, Eu… vou atrás de você, então. – retrucou Lia, desviando o olhar. O silêncio caiu entre eles. Depois de um breve descanso, voltaram a se mover. O marchar ritmado de botas ecoava pelo prédio. Os agentes de preto estavam perto, e a presença do Capitão Branco era inconfundível. O medo se infiltrava em suas mentes, trazendo consigo pensamentos indesejados. “Como tudo chegou nesse ponto? Se eu não fosse tão insistente, talvez... nada disso teria acontecido. Eu preciso de forças para nos proteger ou tudo acabará aqui”, pensava Noah, sentindo um aperto no peito. “Espero que ele possa me proteger de verdade. Eu quero sair viva dessa. Depois de tudo que passamos, não podemos morrer agora”, refletia Lia, agarrando a mão de Noah para sentir um mínimo de segurança. O silêncio da noite espalharia qualquer barulho, então andavam devagar, evitando qualquer ruído que pudesse revelar sua localização, Lia parecia imersa em seus pensamentos o tempo todo, apenas seguindo Noah. Quando finalmente chegaram ao topo, perceberam os agentes invadindo um prédio ao lado. O silêncio entre eles era incômodo, mas necessário. Aproveitando os últimos segundos de calmaria, Noah encarou Lia, segurou o rosto dela entre as mãos. E admirou o brilho de seus lindos olhos azuis hipnotizantes refletindo a luz do luar, pareciam perfeitos. Ele sorriu. Ela retribuiu. Então, as nuvens cobriram a lua. A escuridão se espalhou como uma aliada, escondendo-os dos olhares que os caçavam. O barulho das hélices começou a se afastar. — Acha que estão longe o suficiente? – perguntou Noah. — Não sei. Devem estar a uns 220 ou 250 metros, talvez mais. Estão vasculhando outra área. Mas talvez voltem. O barulho se distanciando era reconfortante de alguma forma, era menos um problema para se preocupar naquele momento. Mas não estava nem perto de ser suficiente. — Você está bem? Parece muito quieta. Ainda está brava por causa da briga? — Não... Só estou cansada disso tudo. Os agentes logo poderão chegar aqui. Não podemos sair em campo aberto por causa dos helicópteros. — Sei o que parece, não temos muitas chances de fuga. Mas pensaremos em algo... Talvez… uma distração? — E como faríamos isso, Noah? Hein? Não temos um jeito. Você sabe disso. — Eu só estou pensando. Não tenho todas as respostas. Pode tentar se acalmar? — Me acalmar? Nesse estado?! — Sei o que quer dizer, estou tentando, só me deixa pensar por um seg… Lia o encara com a expressão preocupada. — Nós… não temos muitas opções. A não ser enfrentá-los, não é? – interrompeu Lia. — Enfrentar? É sério? Eles? Nessas condições? Eu mal consigo mover meu corpo. O que espera que façamos? Não temos mais forças para isso. — Eu não estou tão exausta assim, mas também não o suficiente para encarar sozinha, mas ainda temos algum tempo ant… Espera... Ah não! Eles… estão voltando. — O quê? Como assim? Por quê? De repente, um clarão cortou a escuridão. O coração de Noah disparou. Um sinalizador fora lançado, iluminando o céu como um farol. O brilho revelava suas posições com precisão. Os helicópteros mudaram de curso, retornando rapidamente. Agora, tudo parecia perdido.O desespero tomava conta de Noah, um homem geralmente calmo. Lia se preocupou ao vê-lo assim. — Nos localizaram. – disse Lia, a voz baixa e carregada de angústia. — Não, não, não. Que droga! Não era para isso acontecer. O que vamos fazer? – gritou Noah, correndo para a beirada da cobertura, tentando confirmar a posição dos agentes e buscar uma rota de fuga. — Eu não sei! Você sempre cuidou de mim e de tudo quando eu não conseguia fazer! Eu não quero morrer, Noah! Não quero! – Lia chorava, o pânico transbordando em cada palavra. — Não chore. Isso não vai ajudar em nada – respondeu Noah, lançando-lhe um olhar rápido antes de voltar a escanear os arredores.. — "Não chore"? – A voz dela tremia – É só isso que tem para dizer? Diga algo, por favor! Me diz qual é o plano! Fala que vamos sair dessa, que vamos sobreviver! Que droga, Noah, me diz o que vai acontecer! Lia, incapaz de conter o medo, inquieta, andava de um lado para o outro, os soluços tornando sua respiração irregular
Lia nunca poderia imaginar o quão drástica seria a mudança que a vida lhe reservaria. Desde o seu nascimento, o destino a colocou em um caminho cheio de desafios. Cresceu protegida, cercada pelo carinho e atenção de sua mãe, mas, ironicamente, sempre foi exposta à crueldade do mundo. Desde pequena, testemunhava decisões insensatas de pessoas ao seu redor, atos de egoísmo e destruição. Embora, na época, não compreendesse completamente o significado do que via, essas memórias ficaram gravadas em sua mente. Com o tempo, ela aprenderia a interpretar cada cena, a compreender a verdadeira face do mundo. Ainda muito jovem, Lia já possuía uma visão realista da vida. Foi forçada a amadurecer cedo, a encarar a realidade sem ilusões. E quando teve a oportunidade de tomar suas próprias decisões, acreditou estar preparada. Aos treze anos, começou um novo capítulo de sua vida ao ser transferida para um colégio com melhor estrutura e recursos. A chance de construir um futuro promissor estava a
A busca pela perfeição é uma jornada cruel. Quando se tenta algo diversas vezes e continua a falhar vez após vez, parece totalmente incompreensível, e o desespero se instala. Cada tentativa frustrada parece sussurrar que nunca será bom o suficiente, porque a dificuldade continua a aumentar exponencialmente. O caminho é repleto de dores, angústias, decepções e traições. Alguns desistem. Outros persistem. E alguns poucos desafiam todos os limites para se tornarem algo maior. Noah pertencia a esse último grupo. Mas, por mais que superasse obstáculos, havia uma área em que sempre fracassava: o amor. Ele nem sempre foi forte. No início, era apenas um garoto frágil, sem coragem ou entusiasmo para aprender qualquer coisa. Sofria na infância, como tantas outras crianças esquecidas em um orfanato sem recursos, ele também não era muito inteligente, não se diferenciava em praticamente nada de qualquer outra criança daquele lugar. Chorava, sentia fome, era alvo dos mais velhos, tudo que ele p
Noah começou pedindo esmolas enquanto não encontrava uma forma de conseguir dinheiro suficiente para sobreviver. Não conhecia nada de verdade, exceto o que tinha lido em livros, mas nem sempre se pode confiar no que se lê. Então, buscou conhecimento nas ruas, observando tudo ao redor, procurando comida onde podia e dormindo em becos, protegendo-se da chuva da forma que fosse possível. Para seu infortúnio, entrou em uma área que não deveria. Aqueles que controlavam o local ficaram visivelmente irritados com sua presença. Poderia ter ido embora calado e seguro, mas seu erro foi xingar um homem com o pavio extremamente curto. O sujeito o ameaçou e correu em sua direção. Desesperado, Noah também correu. Era rápido, mas, comparado a um adulto, não o suficiente. Ao ver uma chance, virou em uma esquina para tentar se esconder, mas era tarde demais: havia entrado em um beco sem saída. O homem o alcançou com facilidade, percebendo que Noah estava encurralado e sozinho, foi então que saco
Noah não era um homem de agir sem pensar, mas naquele momento ele o fez. Impulsionado ao máximo por sua habilidade, correu em direção à moça com uma força de vontade e determinação que dominavam todo o seu corpo. Sua velocidade era impressionante, e sua visão mal conseguiu acompanhar os próximos movimentos. Antes do impacto, no último instante, Noah saltou, seus braços se fechando ao redor dela. O mundo girou quando se lançaram para longe, o rugido do carro passando tão perto que ele sentiu o deslocamento do ar. Então, um estrondo, o carro se espatifou contra uma árvore, o som do impacto foi devastador. Lia estava ensanguentada, seus braços e pernas tinham arranhões do impacto contra o chão. Noah sentiu sua energia se espalhar, pronta para protegê-la… mas algo resistiu. Como uma barreira invisível, uma força estranha anulou sua habilidade, deixando-a vulnerável no último segundo. Felizmente, seus ferimentos não eram graves. Noah, por outro lado, mal conseguia se manter de pé. Nunca
Lia estava tão imersa em suas próprias perguntas e dúvidas que se esqueceu de explicar como estava praticamente intacta, considerando seu corpo aparentemente frágil. — O quê? Do que está falando? – disse Lia, forçando um sorriso nervoso enquanto desviava o olhar. – Deve ter batido a cabeça muito forte, mas a Sophia disse que estava bem. A Sophia é a médica dona desta casa, caso esteja se perguntando. — Não estou interessado. Quero saber sobre você. Já testei embutir meu poder para proteger outras pessoas algumas vezes. Às vezes funcionava bem, outras nem tanto. Mas nunca senti meu poder ser rejeitado. Então, sem drama ou teatro. Apenas me diga... Lia permaneceu calada. Seus olhos buscaram os de Noah, mas tudo o que encontravam era o peso de um julgamento silencioso. Sentia o corpo rígido, como se cada célula temesse dizer a coisa errada. Era péssima em mentir quando pega de surpresa. Se tentasse, talvez Noah fosse embora sem dizer nada. Ainda assim, tentou mudar de assunto.
Os próximos dias foram bem planejados. Noah alugou uma pequena casa afastada da cidade para que ambos pudessem usar e demonstrar suas habilidades sem o risco de serem vistos. Lia tirou uns dias de descanso de seus estudos para focar. A princípio, sentiu-se estranha, até um pouco triste, nunca havia negligenciado seus estudos de propósito. Mas, naquela ocasião, os dias passavam tão rápido que ela mal tinha tempo ou disposição para abrir um livro. Cada dia, um aprendia um pouco das habilidades do outro, ajudando-se mutuamente. As falhas e erros levavam a muitos sorrisos e brincadeiras, apesar do temperamento arrogante de Lia, que começava a aparecer. Noah, no entanto, lidava bem com isso. Já estava acostumado aos mais diferentes tipos de personalidade ao longo da vida. — O que vamos tentar aprender hoje, Noah? — Eu realmente não sei. Já treinamos intensamente por cinco dias desde que chegamos aqui… Estou um pouco cansado. Não podemos apenas dormir mais hoje? — Bom, tudo bem. Eu vou
Os dias seguintes passaram tão rápido quanto os anteriores. Vivendo juntos, começaram a se acostumar com as manias um do outro. O treino já não era tão intenso como antes, pois Lia parecia estar exausta. Ela não tinha forças para manter o mesmo ritmo, e Noah não entendia o motivo. Ele preparava refeições nutritivas o suficiente para treinarem todos os dias, mas supôs que fosse apenas por conta do período dela. Sem querer causar constrangimento, preferiu não perguntar. Apenas questionava se Lia queria treinar e em quais horários, mas ela nunca explicava o porquê de sua fadiga. Lia já não dormia direito havia várias noites. A falta de descanso afetava seus treinos e seu humor. Como dormiam em quartos separados, Noah nem desconfiava do real problema. Ela se sentia perdida, como se estivesse presa em uma tempestade de emoções que não sabia nomear. Cada vez que tentava entender, acabava mais confusa e frustrada consigo mesma. Já havia se apaixonado antes, mas su