A busca pela perfeição é uma jornada cruel. Quando se tenta algo diversas vezes e continua a falhar vez após vez, parece totalmente incompreensível, e o desespero se instala. Cada tentativa frustrada parece sussurrar que nunca será bom o suficiente, porque a dificuldade continua a aumentar exponencialmente. O caminho é repleto de dores, angústias, decepções e traições. Alguns desistem. Outros persistem. E alguns poucos desafiam todos os limites para se tornarem algo maior.
Noah pertencia a esse último grupo. Mas, por mais que superasse obstáculos, havia uma área em que sempre fracassava: o amor. Ele nem sempre foi forte. No início, era apenas um garoto frágil, sem coragem ou entusiasmo para aprender qualquer coisa. Sofria na infância, como tantas outras crianças esquecidas em um orfanato sem recursos, ele também não era muito inteligente, não se diferenciava em praticamente nada de qualquer outra criança daquele lugar. Chorava, sentia fome, era alvo dos mais velhos, tudo que ele pensava era que queria ser tratado como uma criança normal, No entanto, o ato de desejar algo tão fortemente passou a diminuir conforme crescia, cedo compreendeu que, se quisesse algo, teria de conquistá-lo com suas próprias mãos. Mas como poderia fazê-lo? Ele era apenas uma criança. Sem família, sem heranças, sem conforto, sem amor. Apenas mais um abandonado. Desde cedo, aprendeu que bondade era um luxo que poucos podiam oferecer. Se recusasse dividir sua comida, apanhava. Se entregasse sem resistir, passava fome. O orfanato não era um lar, mas um campo de batalha onde a fraqueza era um convite à destruição. Quando o céu escurecia ele poderia ter alguma paz, mas não era reconfortante. As noites eram as piores: chorava em silêncio, abraçando a própria dor. A vida poderia ter acabado naquele lugar e ninguém saberia, ninguém teria se importado. Mas, entre soluços e fome, a compreensão surgiu. Se não queria ser pisoteado pelo mundo, precisava aprender a lutar. Foi então que Noah fez algo que jamais imaginaria: começou a estudar. No começo, ele não gostava, ler era difícil, ele tinha aprendido pouco, mas conforme continuava seu desempenho se elevava, era para seu bem e ele finalmente tinha entendido isso, Escondia-se para ler livros roubados. Ninguém suspeitava dele, afinal, era apenas um garoto quieto e inofensivo. Escolhia os livros com cuidado, priorizando aqueles que o ajudariam a sobreviver. A solidão não parecia mais tão isolada, Aprendeu sobre estratégia, anatomia, ciências e disciplina. Descobriu a importância da paciência. Queria aprender a lutar, mas os livros do orfanato não ensinavam isso diretamente. Pegava fragmentos de informação em histórias de guerreiros, e analisava como os movimentos funcionavam. E, mesmo com um corpo fraco e subnutrido, treinava sozinho. Cada soco que errava, repetia. Cada queda, levantava-se. Mesmo desmaiando de fome, insistia. Por dez meses, ele apenas observou e aprendeu. Mas seu corpo ainda precisava melhorar, ao menos o suficiente para sua saúde, o objetivo era comida. Quando percebeu que seu corpo estava minimamente mais forte, decidiu que era hora de agir. Os garotos mais velhos sempre roubavam sua comida. Nos últimos meses, Noah não reagia. Para sua sorte entregar sem hesitar foi benéfico, eles não vinham mais em muitos números, fazendo com que pensassem que estava resignado. E teria sido apenas mais outra vez. Mas, naquele dia, tudo mudaria. Quando três dos valentões vieram até ele, confiantes como sempre, Noah se levantou calmamente. Seu coração acelerou. Apesar de serem maiores, diferente deles, Noah tinha aprendido a se defender. Ele sabia que aquele momento era decisivo, precisava aproveitar o elemento surpresa. Com os punhos cerrados, lembrou-se de todos os movimentos que treinara. Quando um dos garotos estendeu a mão para pegar sua bandeja, Noah atacou. Seu punho encontrou a têmpora do garoto em um golpe rápido e preciso. O impacto foi imediato. O menino desabou, desacordado. Os outros dois hesitaram por um segundo. Mas, movidos pela raiva, partiram para cima. O primeiro soco veio desordenado e Noah apenas levantou o braço para bloquear. Em seguida, curvou-se levemente e golpeou o estômago do adversário. O garoto cambaleou para trás, mesmo com pouca força, era o suficiente, sem ar, o segundo garoto caiu de joelhos, momento em que Noah deu um pisão em seu peito. O terceiro, vendo seus amigos no chão, ficou assustado, tentou correr. Noah foi mais rápido. Derrubou-o com uma rasteira precisa. O garoto teve uma queda horrível, ralando as mãos e antebraços na terra. Ele se sentou no chão, o seu progresso era inegável, pela primeira vez na vida, Noah sorriu de verdade, um sorriso verdadeiro e orgulhoso. Não era um sorriso de maldade. Não se alegrava pela dor dos outros. Mas, pela primeira vez, sentiu-se no controle do próprio destino. Os três nunca mais ousaram encostar nele. A lembrança da dor ficou gravada em suas memórias, Outros garotos tentaram se vingar, mas a história do combate se espalhou. A fama de Noah cresceu. Ninguém queria correr o risco de sofrer o mesmo destino, ou pior. Ele se tornou aquele a quem os outros evitavam, e, por isso, teve finalmente o que sempre desejou: paz. Agora podia estudar sem interrupções, ele não tinha nenhum amigo lá de qualquer modo, e com mais alimento, seu corpo se fortaleceu. Mas ele sabia que aquele orfanato era apenas um campo de treinamento. O verdadeiro desafio estava lá fora. Já tinha lido diversas vezes que o mundo afora não era fácil. Mas lá poderia ter oportunidades. Por isso, planejou sua fuga. Quando completou doze anos, sentiu-se pronto. A cidade era perigosa, mas ele não podia mais suportar aquele lugar. Sabia que nas ruas teria que lutar para sobreviver, sabia que teria ser muito melhor do que era para poder sobreviver no mundo, ter que lutar constantemente encarando o tudo sozinho. Ele estudou tudo que pôde, e mesmo assim entendia que o conhecimento provavelmente não seria o suficiente para obter suas vitórias. Sabia que o mundo era perigoso, imprevisível, injusto e implacável, mas já havia aceitado esse destino. Na noite escolhida, esperou que todos dormissem. Saiu sorrateiramente, evitando os rangidos do piso de madeira. O coração batia forte. Um passo em falso e tudo estaria acabado. Mas ninguém o ouviu. Quando seus pés tocaram o solo do lado de fora, um frio percorreu sua espinha. Era isso. O orfanato fazia parte do passado. Ele correu.Noah começou pedindo esmolas enquanto não encontrava uma forma de conseguir dinheiro suficiente para sobreviver. Não conhecia nada de verdade, exceto o que tinha lido em livros, mas nem sempre se pode confiar no que se lê. Então, buscou conhecimento nas ruas, observando tudo ao redor, procurando comida onde podia e dormindo em becos, protegendo-se da chuva da forma que fosse possível. Para seu infortúnio, entrou em uma área que não deveria. Aqueles que controlavam o local ficaram visivelmente irritados com sua presença. Poderia ter ido embora calado e seguro, mas seu erro foi xingar um homem com o pavio extremamente curto. O sujeito o ameaçou e correu em sua direção. Desesperado, Noah também correu. Era rápido, mas, comparado a um adulto, não o suficiente. Ao ver uma chance, virou em uma esquina para tentar se esconder, mas era tarde demais: havia entrado em um beco sem saída. O homem o alcançou com facilidade, percebendo que Noah estava encurralado e sozinho, foi então que saco
Noah não era um homem de agir sem pensar, mas naquele momento ele o fez. Impulsionado ao máximo por sua habilidade, correu em direção à moça com uma força de vontade e determinação que dominavam todo o seu corpo. Sua velocidade era impressionante, e sua visão mal conseguiu acompanhar os próximos movimentos. Antes do impacto, no último instante, Noah saltou, seus braços se fechando ao redor dela. O mundo girou quando se lançaram para longe, o rugido do carro passando tão perto que ele sentiu o deslocamento do ar. Então, um estrondo, o carro se espatifou contra uma árvore, o som do impacto foi devastador. Lia estava ensanguentada, seus braços e pernas tinham arranhões do impacto contra o chão. Noah sentiu sua energia se espalhar, pronta para protegê-la… mas algo resistiu. Como uma barreira invisível, uma força estranha anulou sua habilidade, deixando-a vulnerável no último segundo. Felizmente, seus ferimentos não eram graves. Noah, por outro lado, mal conseguia se manter de pé. Nunca
Lia estava tão imersa em suas próprias perguntas e dúvidas que se esqueceu de explicar como estava praticamente intacta, considerando seu corpo aparentemente frágil. — O quê? Do que está falando? – disse Lia, forçando um sorriso nervoso enquanto desviava o olhar. – Deve ter batido a cabeça muito forte, mas a Sophia disse que estava bem. A Sophia é a médica dona desta casa, caso esteja se perguntando. — Não estou interessado. Quero saber sobre você. Já testei embutir meu poder para proteger outras pessoas algumas vezes. Às vezes funcionava bem, outras nem tanto. Mas nunca senti meu poder ser rejeitado. Então, sem drama ou teatro. Apenas me diga... Lia permaneceu calada. Seus olhos buscaram os de Noah, mas tudo o que encontravam era o peso de um julgamento silencioso. Sentia o corpo rígido, como se cada célula temesse dizer a coisa errada. Era péssima em mentir quando pega de surpresa. Se tentasse, talvez Noah fosse embora sem dizer nada. Ainda assim, tentou mudar de assunto.
Os próximos dias foram bem planejados. Noah alugou uma pequena casa afastada da cidade para que ambos pudessem usar e demonstrar suas habilidades sem o risco de serem vistos. Lia tirou uns dias de descanso de seus estudos para focar. A princípio, sentiu-se estranha, até um pouco triste, nunca havia negligenciado seus estudos de propósito. Mas, naquela ocasião, os dias passavam tão rápido que ela mal tinha tempo ou disposição para abrir um livro. Cada dia, um aprendia um pouco das habilidades do outro, ajudando-se mutuamente. As falhas e erros levavam a muitos sorrisos e brincadeiras, apesar do temperamento arrogante de Lia, que começava a aparecer. Noah, no entanto, lidava bem com isso. Já estava acostumado aos mais diferentes tipos de personalidade ao longo da vida. — O que vamos tentar aprender hoje, Noah? — Eu realmente não sei. Já treinamos intensamente por cinco dias desde que chegamos aqui… Estou um pouco cansado. Não podemos apenas dormir mais hoje? — Bom, tudo bem. Eu vou
Os dias seguintes passaram tão rápido quanto os anteriores. Vivendo juntos, começaram a se acostumar com as manias um do outro. O treino já não era tão intenso como antes, pois Lia parecia estar exausta. Ela não tinha forças para manter o mesmo ritmo, e Noah não entendia o motivo. Ele preparava refeições nutritivas o suficiente para treinarem todos os dias, mas supôs que fosse apenas por conta do período dela. Sem querer causar constrangimento, preferiu não perguntar. Apenas questionava se Lia queria treinar e em quais horários, mas ela nunca explicava o porquê de sua fadiga. Lia já não dormia direito havia várias noites. A falta de descanso afetava seus treinos e seu humor. Como dormiam em quartos separados, Noah nem desconfiava do real problema. Ela se sentia perdida, como se estivesse presa em uma tempestade de emoções que não sabia nomear. Cada vez que tentava entender, acabava mais confusa e frustrada consigo mesma. Já havia se apaixonado antes, mas su
No dia seguinte, Lia e Noah deveriam estar completamente recuperados. Lia abriu os olhos como quem desperta de um pesadelo. Assustada, levantou-se bruscamente, tentando entender onde estava. Ao notar que não era sua cama, um calafrio percorreu seu corpo. Seu peito subia e descia rapidamente, como se lutasse para conter uma ansiedade repentina. O quarto estava silencioso, mas sua mente era um campo de batalha. Pensamentos colidiam violentamente. Olhou ao redor. Os lençóis estavam levemente bagunçados, o cheiro sutil de Noah ainda pairava no ar, misturado ao seu. Com algum esforço, lembrou-se do que fizera na noite anterior. As memórias vieram de forma abrupta. Levou a mão aos olhos, desacreditada. Processar aquilo não era fácil, ainda mais despertando tão bruscamente. Mas, mesmo em plena consciência, ela não saberia como reagir. — Não acredito... Não deveria... Por que fiz isso? Eu dormi aqui? – murmurou, passando as mãos pelo corpo para se certificar
Dizem que todas as pessoas merecem uma segunda chance. Noah também acreditava nisso com fé silenciosa, quase ingênua. Mas, em contrapartida, havia uma pergunta que o assombrava: onde está a segunda chance daqueles que morrem em vão? Era uma dúvida genuína e dolorosa. A verdade é que todas as almas têm a chance de retornar aos corpos, uma espécie de segunda oportunidade. No entanto, não é simples. Na imensa maioria das vezes, ao tocar o outro lado, ao vislumbrar a entrada… o brilho não era apenas luz. Era a ausência de dor, o silêncio da paz, o eco de um abraço nunca recebido. Ali, o tempo não existia. Só havia completude, ao sentir a felicidade verdadeira, ao ver o esplêndido lugar de farturas e sem horizontes... a alma não deseja voltar. Por que retornaria ao caos? À fome, à doença, à guerra, à miséria, à dor e à solidão desse lugar chamado "planeta"? Além disso, em muitas ocasiões, mesmo que a alma tente voltar, o corpo já não tem salvação. Está morto, sem con
Noah tinha seus motivos para estar inquieto. As memórias de sua morte ainda estavam nítidas quando ele abriu os olhos. — Você acordou. Está bem? — Eu… acho que sim. Pelo menos não estou morto. Ele piscou algumas vezes, tentando entender onde estava. — Você me carregou até aqui? — Sim. Tenho meu jeito de lidar com coisas pesadas. — “Coisas”? Obrigado por me tratar como um… Noah parou de falar. Lágrimas escorriam por seu rosto antes mesmo que percebesse. Lia não conseguiu mais se conter. — Você vai embora? – perguntou, fixando o olhar nele. — Bem… você entende, não é? Eu vi aquilo e… não sei mais o que pensar. Você é inteligente, sabe do que estou falando. — Eu… não sei direito. N