Noah começou pedindo esmolas enquanto não encontrava uma forma de conseguir dinheiro suficiente para sobreviver. Não conhecia nada de verdade, exceto o que tinha lido em livros, mas nem sempre se pode confiar no que se lê. Então, buscou conhecimento nas ruas, observando tudo ao redor, procurando comida onde podia e dormindo em becos, protegendo-se da chuva da forma que fosse possível.
Para seu infortúnio, entrou em uma área que não deveria. Aqueles que controlavam o local ficaram visivelmente irritados com sua presença. Poderia ter ido embora calado e seguro, mas seu erro foi xingar um homem com o pavio extremamente curto. O sujeito o ameaçou e correu em sua direção. Desesperado, Noah também correu. Era rápido, mas, comparado a um adulto, não o suficiente. Ao ver uma chance, virou em uma esquina para tentar se esconder, mas era tarde demais: havia entrado em um beco sem saída. O homem o alcançou com facilidade, percebendo que Noah estava encurralado e sozinho, foi então que sacou uma faca da cintura. Noah não via saída, muito menos chances de lutar. Enfrentar um adulto já seria difícil pelo tamanho, mas um homem armado estava completamente fora de alcance. O agressor avançou lentamente, impedindo qualquer tentativa de fuga. O medo agarrou seu peito, frio e sufocante, como se mãos invisíveis tentassem prendê-lo ao chão. Mas, em meio ao desespero, Noah se lembrou da última vez que lutou e venceu. A lembrança acendeu algo dentro dele: uma centelha de resistência. Quando o homem atacou, conseguiu acertar seu braço, mas isso também deu a Noah a chance de reagir. E ele o fez, agarrou firmemente o braço do agressor, tentando fazê-lo soltar a faca, sem sucesso. Com força, o homem o arremessou contra a parede, fazendo-o soltá-lo imediatamente. Caído no chão, Noah se contorcia de dor. O homem aproveitou e o chutou com força, fazendo-o rolar alguns metros. Ensanguentado e sem forças, Noah mal conseguia se mover. No entanto, recusava-se a perder. Enquanto pudesse ficar de pé, ele o faria. Com o agressor se aproximando novamente, Noah sentiu que aquele poderia ser seu triste fim. No instante em que o homem desferiu outro golpe, Noah desviou instintivamente e, nesse breve momento, encontrou uma brecha para revidar. Seu corpo clamava por força e poder, por uma única e preciosa chance de sobreviver — e foi isso que aconteceu. Seu soco acertou a coxa do homem, mas foi diferente de qualquer outro golpe que já havia dado. Uma energia percorreu seu corpo por um instante, intensa e bruta, mas também sugou todas as suas forças. Foi um golpe de pura força, suficiente para quebrar o osso e derrubar o agressor, que caiu gritando de dor. O corpo de Noah cedeu, vencido pelo cansaço e pela dor. Os músculos tremiam, os pulmões ardiam. E em meio ao torpor, ele desmaiou ali mesmo — mas um sorriso se formou, um sorriso que dizia: “Eu venci.” Sentia-se verdadeiramente vivo. Ele tinha um dom. Sempre se esforçou para isso. Era um prodígio, mesmo entre os extraordinários. Aos 11 anos, Noah tornava-se um dos mais jovens do mundo a despertar seu Ortus. Ele não se lembrava bem do que aconteceu depois, apenas do momento em que acordou no hospital. Um policial, admirado com seu feito, tentava entender exatamente o que havia ocorrido, mas Noah não conseguia se recordar de muitos detalhes. Interessado no garoto que, sem querer, ajudara a prender um traficante conhecido, o policial fez mais perguntas. Noah respondeu com relutância, escondendo alguns fatos que nem ele mesmo compreendia ainda. Diante disso, o policial decidiu dar atenção especial ao menino. Após convencê-lo de que poderia cuidar dele, levou-o para sua casa. Sem alternativas melhores, Noah aceitou. O policial nunca havia sido pai, mas deu seu melhor para oferecer a Noah um ambiente seguro. Agradecido e confortável, Noah desistiu da ideia inicial de partir assim que se recuperasse. Ganhou um lugar para viver enquanto planejava seus próximos passos. Decidiu nunca frequentar a escola — já sabia muito mais do que sua idade sugeria. Em vez disso, focou-se em aprender sobre o mundo real, pois acreditava que isso garantiria sua sobrevivência em qualquer circunstância. Noah sempre tentava oferecer oportunidades às pessoas. Ele próprio não teve muitas. Se não tivesse estudado e lutado com todas as forças, teria sucumbido ao destino cruel que o aguardava. Lembrava-se dos outros meninos do orfanato, alguns morreriam de fome, outros em fuga após cometer crimes. Por isso, oferecer segundas chances até para quem às vezes o fazia mal se tornou um hábito. Afinal, todos erram, e ele também erraria um dia. Por anos, Noah aprimorou sua habilidade. No começo, foi difícil controlá-la. Sempre tentou aprender o máximo possível, mas nunca descobriu no que realmente era bom. Gostava de esportes, mas, sem usar seu poder, era apenas um atleta mediano, e se recusava a utilizá-lo em público sem necessidade. Aprendeu de tudo um pouco: política, saúde, anatomia, culinária, desenho, pintura. Até tentou música e dança, embora fosse péssimo nessas artes. Durante todo esse tempo, Noah buscava seu lugar no mundo e nunca teve tempo para o amor. Mas, com a morte do policial que o acolhera, quando tinha 15 anos, foi diferente. Um baque inesperado. Ele não sabia dizer se o amava. Não compreendia exatamente o que era aquele sentimento, mas a dor era real, esmagadora. À noite, o silêncio parecia mais denso, como se a casa tivesse perdido sua alma. O peso da ausência se alojava em seu peito, tornando cada suspiro uma luta. Sem perceber, encontrava-se esperando ouvir a voz do policial mais uma vez. Mas tudo o que restava era o vazio. Sentimentos que se amenizaram com o tempo, embora nunca desaparecessem por completo. Após isso, Noah teve que aprender a sobreviver sozinho. Com suas habilidades, não teve muita dificuldade para conseguir empregos. Ainda assim, sentia-se insatisfeito. Queria mais. Queria ser melhor. Queria encontrar seu lugar no mundo. Por isso, decidiu viajar. Dois anos depois, com algum dinheiro guardado, mudou-se para uma cidade maior e mais populosa. Lá, um amigo chamado Bryan lhe ofereceu abrigo. Uma nova tentativa. Uma mudança em busca de oportunidades melhores. Enquanto caminhavam rumo à nova casa, Bryan apontou para uma escola famosa por suas estudantes bonitas e inteligentes. De fato, havia muitas garotas chamativas, mas Noah não se importava com isso. Sua mente vagava pelo passado. Perguntava-se se sua vida teria sido diferente caso tivesse escolhido estudar. Talvez tivesse encontrado seu lugar... talvez até seu objetivo de vida. Provavelmente já era tarde para pensar nisso, mas ainda assim era um pensamento que o imergiu por alguns segundos — até ser forçado a voltar à realidade. Um ronco estridente rasgou o ar, seguido pelo som de pneus derrapando no asfalto. Noah virou-se a tempo de ver o brilho dos faróis refletindo nos olhos daquela garota sonhadora. O mundo pareceu desacelerar. Gritos ecoaram ao redor, mas ela não ouvia. Presa em sua própria bolha de pensamentos, não percebeu o perigo se aproximando. Noah sentiu um arrepio na espinha. E quando ela notou... Era tarde demais para desviar.Noah não era um homem de agir sem pensar, mas naquele momento ele o fez. Impulsionado ao máximo por sua habilidade, correu em direção à moça com uma força de vontade e determinação que dominavam todo o seu corpo. Sua velocidade era impressionante, e sua visão mal conseguiu acompanhar os próximos movimentos. Antes do impacto, no último instante, Noah saltou, seus braços se fechando ao redor dela. O mundo girou quando se lançaram para longe, o rugido do carro passando tão perto que ele sentiu o deslocamento do ar. Então, um estrondo, o carro se espatifou contra uma árvore, o som do impacto foi devastador. Lia estava ensanguentada, seus braços e pernas tinham arranhões do impacto contra o chão. Noah sentiu sua energia se espalhar, pronta para protegê-la… mas algo resistiu. Como uma barreira invisível, uma força estranha anulou sua habilidade, deixando-a vulnerável no último segundo. Felizmente, seus ferimentos não eram graves. Noah, por outro lado, mal conseguia se manter de pé. Nunca
Lia estava tão imersa em suas próprias perguntas e dúvidas que se esqueceu de explicar como estava praticamente intacta, considerando seu corpo aparentemente frágil. — O quê? Do que está falando? – disse Lia, forçando um sorriso nervoso enquanto desviava o olhar. – Deve ter batido a cabeça muito forte, mas a Sophia disse que estava bem. A Sophia é a médica dona desta casa, caso esteja se perguntando. — Não estou interessado. Quero saber sobre você. Já testei embutir meu poder para proteger outras pessoas algumas vezes. Às vezes funcionava bem, outras nem tanto. Mas nunca senti meu poder ser rejeitado. Então, sem drama ou teatro. Apenas me diga... Lia permaneceu calada. Seus olhos buscaram os de Noah, mas tudo o que encontravam era o peso de um julgamento silencioso. Sentia o corpo rígido, como se cada célula temesse dizer a coisa errada. Era péssima em mentir quando pega de surpresa. Se tentasse, talvez Noah fosse embora sem dizer nada. Ainda assim, tentou mudar de assunto.
Os próximos dias foram bem planejados. Noah alugou uma pequena casa afastada da cidade para que ambos pudessem usar e demonstrar suas habilidades sem o risco de serem vistos. Lia tirou uns dias de descanso de seus estudos para focar. A princípio, sentiu-se estranha, até um pouco triste, nunca havia negligenciado seus estudos de propósito. Mas, naquela ocasião, os dias passavam tão rápido que ela mal tinha tempo ou disposição para abrir um livro. Cada dia, um aprendia um pouco das habilidades do outro, ajudando-se mutuamente. As falhas e erros levavam a muitos sorrisos e brincadeiras, apesar do temperamento arrogante de Lia, que começava a aparecer. Noah, no entanto, lidava bem com isso. Já estava acostumado aos mais diferentes tipos de personalidade ao longo da vida. — O que vamos tentar aprender hoje, Noah? — Eu realmente não sei. Já treinamos intensamente por cinco dias desde que chegamos aqui… Estou um pouco cansado. Não podemos apenas dormir mais hoje? — Bom, tudo bem. Eu vou
Os dias seguintes passaram tão rápido quanto os anteriores. Vivendo juntos, começaram a se acostumar com as manias um do outro. O treino já não era tão intenso como antes, pois Lia parecia estar exausta. Ela não tinha forças para manter o mesmo ritmo, e Noah não entendia o motivo. Ele preparava refeições nutritivas o suficiente para treinarem todos os dias, mas supôs que fosse apenas por conta do período dela. Sem querer causar constrangimento, preferiu não perguntar. Apenas questionava se Lia queria treinar e em quais horários, mas ela nunca explicava o porquê de sua fadiga. Lia já não dormia direito havia várias noites. A falta de descanso afetava seus treinos e seu humor. Como dormiam em quartos separados, Noah nem desconfiava do real problema. Ela se sentia perdida, como se estivesse presa em uma tempestade de emoções que não sabia nomear. Cada vez que tentava entender, acabava mais confusa e frustrada consigo mesma. Já havia se apaixonado antes, mas su
No dia seguinte, Lia e Noah deveriam estar completamente recuperados. Lia abriu os olhos como quem desperta de um pesadelo. Assustada, levantou-se bruscamente, tentando entender onde estava. Ao notar que não era sua cama, um calafrio percorreu seu corpo. Seu peito subia e descia rapidamente, como se lutasse para conter uma ansiedade repentina. O quarto estava silencioso, mas sua mente era um campo de batalha. Pensamentos colidiam violentamente. Olhou ao redor. Os lençóis estavam levemente bagunçados, o cheiro sutil de Noah ainda pairava no ar, misturado ao seu. Com algum esforço, lembrou-se do que fizera na noite anterior. As memórias vieram de forma abrupta. Levou a mão aos olhos, desacreditada. Processar aquilo não era fácil, ainda mais despertando tão bruscamente. Mas, mesmo em plena consciência, ela não saberia como reagir. — Não acredito... Não deveria... Por que fiz isso? Eu dormi aqui? – murmurou, passando as mãos pelo corpo para se certificar
Dizem que todas as pessoas merecem uma segunda chance. Noah também acreditava nisso com fé silenciosa, quase ingênua. Mas, em contrapartida, havia uma pergunta que o assombrava: onde está a segunda chance daqueles que morrem em vão? Era uma dúvida genuína e dolorosa. A verdade é que todas as almas têm a chance de retornar aos corpos, uma espécie de segunda oportunidade. No entanto, não é simples. Na imensa maioria das vezes, ao tocar o outro lado, ao vislumbrar a entrada… o brilho não era apenas luz. Era a ausência de dor, o silêncio da paz, o eco de um abraço nunca recebido. Ali, o tempo não existia. Só havia completude, ao sentir a felicidade verdadeira, ao ver o esplêndido lugar de farturas e sem horizontes... a alma não deseja voltar. Por que retornaria ao caos? À fome, à doença, à guerra, à miséria, à dor e à solidão desse lugar chamado "planeta"? Além disso, em muitas ocasiões, mesmo que a alma tente voltar, o corpo já não tem salvação. Está morto, sem con
Noah tinha seus motivos para estar inquieto. As memórias de sua morte ainda estavam nítidas quando ele abriu os olhos. — Você acordou. Está bem? — Eu… acho que sim. Pelo menos não estou morto. Ele piscou algumas vezes, tentando entender onde estava. — Você me carregou até aqui? — Sim. Tenho meu jeito de lidar com coisas pesadas. — “Coisas”? Obrigado por me tratar como um… Noah parou de falar. Lágrimas escorriam por seu rosto antes mesmo que percebesse. Lia não conseguiu mais se conter. — Você vai embora? – perguntou, fixando o olhar nele. — Bem… você entende, não é? Eu vi aquilo e… não sei mais o que pensar. Você é inteligente, sabe do que estou falando. — Eu… não sei direito. N
Noah manteve-se acordado por alguns minutos depois que Lia adormeceu. Certamente ainda se sentia cansado, mas planejar os próximos passos com antecedência sempre fora um hábito seu — algo que, ironicamente, não aplicara quando conheceu Lia. Eventualmente, ele também cedeu ao sono. Ambos precisavam descansar. Lia, principalmente, ainda não havia se recuperado das noites em claro e das lágrimas derramadas. Dormir era a melhor escolha agora. A madrugada ainda cobria o céu quando Lia despertou sobressaltada, sem lembrar de imediato onde estava. Seu coração acelerou antes que ela reconhecesse o ambiente ao redor. Respirou fundo, tentando se acalmar. Ao se mexer, sentiu o calor do corpo de Noah sob o seu. A textura da camisa contra seu rosto, o som suave da respiração dele… Sua cabeça girava em confusão, mas ela permaneceu quieta, tentando manter a calma. Então deitou-se novamente, com cuidado. Não adiantou. — Por que eu sempre faço is