Capítulo IV - Garota Inabalável

Lia nunca poderia imaginar o quão drástica seria a mudança que a vida lhe reservaria. Desde o seu nascimento, o destino a colocou em um caminho cheio de desafios. Cresceu protegida, cercada pelo carinho e atenção de sua mãe, mas, ironicamente, sempre foi exposta à crueldade do mundo. Desde pequena, testemunhava decisões insensatas de pessoas ao seu redor, atos de egoísmo e destruição. Embora, na época, não compreendesse completamente o significado do que via, essas memórias ficaram gravadas em sua mente. Com o tempo, ela aprenderia a interpretar cada cena, a compreender a verdadeira face do mundo.

Ainda muito jovem, Lia já possuía uma visão realista da vida. Foi forçada a amadurecer cedo, a encarar a realidade sem ilusões. E quando teve a oportunidade de tomar suas próprias decisões, acreditou estar preparada. Aos treze anos, começou um novo capítulo de sua vida ao ser transferida para um colégio com melhor estrutura e recursos. A chance de construir um futuro promissor estava ao seu alcance, mas o destino tinha outros planos.

Três meses depois, sua mãe começou a apresentar sinais de uma doença aparentemente comum. No entanto, enquanto Lia estava mergulhada nos estudos, subestimou os sinais que indicavam que a situação era mais grave do que parecia. Nove meses depois, no início do novo ano letivo, a tragédia aconteceu. Durante um passeio no parque, sua mãe desmaiou ao seu lado. O desespero tomou conta de Lia enquanto ela gritava por socorro. A ambulância chegou rapidamente, mas, mesmo na emergência da situação, sua mãe tentou acalmá-la com um sorriso fraco e palavras gentis. Lia acreditou que tudo ficaria bem.

No hospital, disseram-lhe para voltar para casa e pegar algumas roupas para a estadia de sua mãe na recuperação. Mas, ao retornar, recebeu a pior notícia de sua vida: sua mãe não resistira. O choque a atingiu como um golpe seco no peito, um vazio arrasador tomou conta dela. Lia não conseguia comer, dormir ou encontrar consolo. As noites eram tomadas por pesadelos e despertares em pânico. Sua casa, antes um lar acolhedor, agora era um lugar vazio.

Sem mais ninguém para cuidar dela, Lia foi entregue ao único parente vivo: seu tio. Um homem frio, de poucas palavras, que há anos mantinha uma relação distante com sua irmã. Mesmo com a indiferença entre eles, ele não a rejeitou. Sem demonstrar afeição, a acolheu e garantiu que suas necessidades básicas fossem supridas. Não era um homem carinhoso, mas também não era cruel. Seu jeito fechado dificultava a criação de laços familiares, mas ele reconhecia a dor da sobrinha e tentou, de sua maneira reservada, oferecer algum tipo de apoio.

Nos primeiros meses, Lia não conseguiu retornar aos estudos. Sua mente estava em ruínas, incapaz de se concentrar. Seu tio, compreensivo, não a pressionou. Nos dias vazios que se seguiram, ela passou a se refugiar nos livros da biblioteca dele. Durante essas leituras silenciosas, seu tio, às vezes, sentava-se ao seu lado com um livro próprio. Não trocavam muitas palavras, mas a companhia mútua servia como um conforto silencioso. Com o tempo, essa rotina se tornou a base de um vínculo discreto, mas genuíno. Ele nunca lhe ofereceu palavras de carinho, mas a permitiu encontrar um espaço seguro para se recuperar.

Com o passar dos meses, Lia começou a retomar sua rotina. Voltou a estudar, embora ainda carregasse o peso da dor. A ausência de sua mãe nunca deixou de ser uma sombra constante, mas ela aprendeu a conviver com a saudade sem que as lágrimas fossem inevitáveis. Se antes sua vida era preenchida apenas por estudos, agora ela também encontrava tempo para se divertir com suas amigas. No entanto, sua relação com os homens sempre foi marcada pela desconfiança. Fora seu tio, ela nunca conseguiu confiar em nenhum. As decepções acumuladas durante a adolescência apenas reforçaram essa barreira. Muitos se aproximavam apenas por interesse, seja para tirar vantagem de sua inteligência ou por intenções menos nobres. Isso a levou a erguer muros ao redor de si mesma.

Lia se destacava nos estudos e também em atividades físicas que exigiam precisão e estratégia. O arco e flecha tornou-se seu refúgio, um esporte que lhe proporcionava uma sensação única de controle. Era um de seus poucos momentos de verdadeira tranquilidade, momento em que podia relaxar e apenas se concentrar no seu objetivo, O alvo. E assim que sempre deveria ser, até que, certo dia, algo inesperado aconteceu.

Concentrada no alvo, mas como pensamentos em sua mãe, ela respirava fundo, preparando-se para atirar, como já havia feito dezenas de vezes. Mas, de repente, sentiu sua respiração se tornar instável, seu corpo não respondia como deveria. O pânico se instalou enquanto tentava recuperar o controle, mas, em um impulso, disparou a flecha. No instante em que a soltou, uma sensação estranha percorreu seu corpo, como se uma energia fluísse diretamente para o projétil, ela fechou os olhos assustada. Antes mesmo de ver o alvo, ela sabia que tinha errado. Caiu de joelhos, ofegante e confusa, os pensamentos não a deixavam, seu choro foi inevitável, assim permaneceu jogada e chorando até se acalmar um pouco.

Ao abrir os olhos novamente, notou algo estranho em seu arco: uma marca escura, como se tivesse sido queimada. Olhou para o alvo e percebeu um buraco nele. A flecha havia atravessado completamente, ela se levantou, andou até poder ver a flecha. Lia surpresa, encarou a flecha cravada na parede, o peito subindo e descendo em respirações descompassadas. O que havia acabado de acontecer? Sua mente tentava buscar uma explicação lógica, mas nada fazia sentido. Seu corpo ainda tremia, e seus dedos formigavam como se tivessem segurado eletricidade pura. O medo e a euforia travavam uma batalha dentro dela. Teria sido apenas um delírio? Um erro de percepção? Tentou se convencer de que sim, mas algo dentro dela sabia a verdade. Algo havia ativado. Algo que sempre esteve ali, oculto, esperando o momento certo para se revelar. Lia tinha dezesseis anos e acabava de despertar seu Ortus.

Nos meses seguintes, dedicou-se a entender o que havia acontecido. A princípio, foi um processo frustrante. O que antes fora um acidente, agora parecia impossível de repetir. No entanto, sua determinação era inabalável. Com muito esforço e prática, conseguiu reproduzir o feito. Seu controle passou de bruto para refinado, tornando-se mais preciso. Cada sessão de treino era uma busca incessante por aprimoramento. Seu tempo passou a ser dividido entre os estudos e os treinos, deixando pouco espaço para sua antiga vida social. As amizades foram se tornando distantes, os romances inexistentes. Apenas três coisas importavam: estudar, treinar e buscar respostas.

A internet, no entanto, não fornecia nenhuma pista sobre o que havia despertado dentro dela. Lia sentia que estava entrando em um território desconhecido. E então, um dia, enquanto caminhava distraída, perdida em seus pensamentos, aconteceu o inesperado. Um carro desgovernado surgiu de repente, vindo em sua direção. O grito das pessoas ao redor foi o único aviso que teve. Seu corpo reagiu instintivamente, ativando sua habilidade recém-descoberta. Mas era tarde demais. O impacto do carro foi violento. O som da batida ecoou pela rua. Lia caiu, visão embaçada, estava assustada, em choque, ela estava no chão, sangrando…

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