Vestida com roupas discretas, que não valorizavam em nada minhas formas, cheguei da rua e entrei no hall da casa de tio Ali. Minha liberdade há tempos estava comprometida. Estava vestida com roupas escolhidas pelos meus tios. Minhas lindas roupas se foram, agora eu vestia para agradá-los. Meus tios eram tradicionais, austeros seguiam os costumes.
O cheiro forte de incenso indicava que alguma coisa estava diferente. Meu tio recebia alguma visita. Lembrei-me do carro preto e imponente estacionado em frente à garagem.
Era um clima inconfundível de recepção a alguém importante. Uma nuvem negra passou na minha mente quando me lembrei de que —meu tio sempre que podia batia na mesma tecla —eu já estava na idade de me casar. Ele vivia me preparando psicologicamente para isso.
Com essa sensação de mudança que eu teria na minha vida, eu estaquei. Senti um nó na garganta que lembrava medo.
Da sala eu podia ouvir o burburinho de vozes. Tremendo me aproximei mais.
—Ela chegará daqui a pouco. Só foi comprar café.
Apertei o pacote de café que eu carregava em minhas mãos.
Droga! Ele estava falando de mim para alguém.
Respirei fundo, com o coração agitado no peito e as pernas moles, passei pelo hall e entrei na sala.
No lindo sofá negro um homem grisalho estava sentado com uma mulher também grisalha. Ele deveria beira uns 80 anos e ela uns 65. Meu tio quando me viu sorriu. Eu estremeci.
—Khadija! Vem minha querida, quero te apresentar a família de seu futuro noivo...
Me senti uma prisioneira de uma situação que eu já tinha discutido com meu tio e que não concordava.
Se meus pais fossem vivos, eu não estaria nessa situação. Desde que eles morreram em um acidente de carro, eu estava morando com meu velho tio, que tinha uma mente retrógada, com pensamentos de nossos antigos costumes.
—Salam Aleikum. —Eu cumprimentei a todos. Baixei os olhos e o rosto em respeito, serviçal, como meu tio ensinou e não encarei o senhor à minha frente.
—Aleikum Salam. —O senhor me cumprimentou com um sorriso.
—Khadija, sente-se habibi. Você se lembra que conversamos a respeito desse dia?
Meu tio me apontou um lugar vago no sofá ao lado dele. Assenti para ele obediente, coloquei o pacote no aparador e as chaves e me sentei. Me sentindo encurralada, fitei minhas mãos no colo.
—Esse é o senhor e senhora Youseef Xarif. Eles vieram especialmente para te conhecer.
Eu encarei meu tio e assenti, sorri para ele e depois olhei para eles. Eu não sabia o que fazer, estava um pouco envergonhada com a situação.
—Você cursou até que ano? —O Senhor perguntou.
—Fiz até o ensino médio.
Meu tio sorriu e explicou:
—Ela não prosseguiu com os estudos devido a tristeza que acometeu nossa família. Khadija perdeu os pais cedo, veio então morar comigo. Desde esse dia, eu a tenho preparado para contrair matrimônio.
—Você tem quantos anos minha jovem? — A senhora Youseef Xarif me perguntou.
Respirei fundo e me obriguei a olhar para ela.
—Vinte e dois anos. — Engoli, lutando contra as lágrimas; isso era difícil, muito mais difícil do que eu imaginara
O senhorzinho sorriu em aprovação. Era natural na minha cultura as famílias, no caso, os pais do meu pretendente, conhecerem a futura esposa primeiro. Caso eles se agradassem, eu conheceria o filho deles.
—Você sabe cozinhar? —A senhora Youssef perguntou.
Meu tio respondeu por mim:
—Maravilhosamente bem. Ela aprendeu com sua falecida mãe. Faz um carneiro como ninguém. E a minha esposa também tem lhe dado algumas aulas de culinária.
—Tudo bem, só perguntei para conhecê-la melhor. —Sim, para saber se eu era prendada e serviria bem meu marido.
A senhora sorriu para mim com simpatia, eu forcei um sorriso.
—Você não parece muito feliz com a possibilidade de se casar?
A pergunta dos Youssef me fez me lembrar das palavras de meu tio quando eu passei a morar com eles:
"Esqueça sua vida passada, você agora tem obrigações comigo, afinal, eu que te sustentarei daqui por diante." Na minha ingenuidade eu não sabia o peso delas. Agora eu as entendo muito bem, eu apenas serei sacrificada como um carneiro.
Como emudeci, meu tio me olhou com apreensão:
—Imagina! É que minha Khadija é tímida. Não é habibi?
Eu fiquei com dó dele, afinal ele fora criado assim e pensava ser o melhor para mim. Como um robô, eu concordei com um gesto de cabeça dizendo:
—Sim, meu tio.
Titia surgiu na sala e convidou todos à participarem do café da tarde. Logo ocupamos nossos lugares à mesa. Como em câmera lenta, observei meu tio e minha tia não pouparem elogios à minha pessoa.
Quem era o meu pretendente?
Por que esse mundo era tão machista ao ponto de eles virem a minha casa para me conhecerem, sendo que meu tio, nem conhecia direito meu noivo?
Com certeza o fato de ele ser rico era o requisito necessário para eu ser sacrificada.
E a índole do homem, ninguém questionava?
Logo ouvi eles comentarem que meu casamento seria no Marrocos.
O quê? Por que eu teria que ir até Marrocos para me casar? Pelo que eu entendi, meu noivo morava em Londres?
Quando começamos a comer, a conversa finalizou. Isso meu falecido pai me ensinou. Sentar-se à mesa para comer era algo sagrado, como um ritual, sem conversas, sem distrações. No máximo elogios pela comida.
Enquanto eu comia, seguindo todas as regras de etiqueta, usando os talheres certos, cada vez que nos era servido um prato —Assimiladas por um curso que fiz e pago por meu tio— a palavra "Marrocos", ficou piscando na minha cabeça.
Fica calma. Seus familiares são procedentes de lá, e seu noivo deve ter uma família numerosa lá, também.
Horas depois no meu quarto, eu me sentia enjoada, meu estômago doía por puro nervoso.
Peguei meu notebook e joguei na busca da g****e o nome Zafir Youseef Xarif.
Logo encontrei um artigo, sem foto:
“O CEO Zafir Youseef Xarif que comanda a T&S Têxtil, em uma entrevista para a revista Economy, disse que tem superado suas metas a cada trimestre.
A T&S, com 50 anos de atuação no mercado, se anteciparam as modernas tendências de gestão corporativa. Uma referência Internacional no seguimento confeccionista, posicionando-se como maior corporação verticalizada no setor têxtil.
Zafir Youseef Xarif tem uma história familiar de sucesso na administração visionária voltada sempre para o futuro.
Iniciado em 1967 pela família Xarif, uma das mais tradicionais do mundo árabe, pioneira no empreendedorismo têxtil, eles refletem os imigrantes que fizeram a história social econômica do país.
O conglomerado possui um dos mais modernos complexos de fabricação têxtil do País. Também fazem parte do Grupo a Construtora Youssef.
Mesmo com as sucessivas oscilações do mercado o Grupo Têxtil apostou na manutenção dos investimentos e incremento de uma administração sólida e alinhada com a necessidade do mercado, aplicando nos últimos 4 anos, mais de R$ 20 milhões para aquisição de equipamentos, ampliação e modernização de seu parque fabril. "
Sem foto, sem vida familiar, nada... O que eu sabia? Um homem muito rico. Ele poderia ter de trinta a oitenta anos. Fechei meu notebook me sentindo infeliz, a incerteza me incomodava. Meus nervos estavam à flor da pele, impotente sem saber como seria meu futuro.
Esta reunião não era como eu queria terminar o meu dia de trabalho. Eu olhei com enfado o Controller e para o meu pessoal administrativo. Isso estava se estendendo demais. Essa era a quinta reunião que eu participava hoje. Eu me sentia dentro de um purgatório enfurnado naquele escritório.Um trabalhador forçado.Comecei a rabiscar meu bloco de notas escutando Roger Willians me falando de uma melhor maneira de potencializar nossos lucros. Uma dor lancinante na cabeça me fez fechar os olhos por um momento e passei a mão neles.Enxaqueca agora, não!Se já não bastassem meu dia a dia corrido e a pressão que eu estava recebendo de meus pais para me casar novamente por causa da esterilidade de Jamile, enfrentá-la agora com questionamentos, era sair do purgatório e entrar no inferno.Minha cabeça ainda latejava quando a reunião te
Zafir Youseef XarifEla estava tagarelando enquanto eu dirigia para casa. Os quilômetros passavam lentamente, embora eu apertasse fundo o acelerador. Eu permaneci em silêncio enquanto Jamile comentava da festa que acabamos de sair, de final de ano, que dei para meu Staff. Ela então se irritou quandome perguntou algo e eu não lhe dei uma resposta.Eu estava lento, cansado, compareci a essa festa movido pela obrigação. Jamile furiosa virou o rosto para a janela. Recusei-me a deixá-la me afetar pelo seu temperamento.Ela não enxergava que eu andava um caco?Que eu mais queria era dormir?Eu andava ultimamente esgotado. Ela não via minhas olheiras? Como eu estava mais magro?Meu Deus,minha mente estava entretida em outros assuntos. Daqui a dois dias era meu casamento. Amanhã cedo eu viajar
KhadijaO suor frio escorreu na minha testa. Minhas pernas tremiam tanto que eu tive medo que elas não me sustentariam quando eu me levantasse daquele sofá. Titia estava ao meu lado, segurando a minha mão. O contrato estava sendo lido agora em uma sala cheias de testemunhas. Ela traduzia, mas eu não conseguia ouvir nada, pois tudo no meu corpo parecia doer, as lágrimas borravam minha visão e minhas costas estavam tensas.Cansada e desgastada era assim que me eu me sentia. Exausta. Nadando contra a maré, mas precisava seguir em frente. Respirei fundo! Penso enxugando as lágrimas. A maquiagem era à prova d'água, acho que estava mais para à prova de noiva amargurada.Eu era um descendente árabe que no máximo que eu falava e entendia da língua eram algumas expressões. Minha mãe inglesa teve uma grande influência sobre m
KhadijaCaminhei me sentindo dentro de um ritual de abate, onde o cordeiro seria sacrificado, no caso "eu".Meu destino?Unir-me a um homem que nunca vi na vida.Eu não o conheço.Estremeci pensando nisso. Minhas pernas quase falharam na breve caminhada até a porta em formato de arco, que foi logo aberta por uma das mulheres. Eu caminhei até ela como uma condenada, meus pés pesados como se estivessem presos em correntes, carregando duas bolas de chumbo.No momento que pisei na sala, eu o avistei. Ele era alto. Os cabelos grossos como carvão. Passei meus olhos pela sua calça social preta que envolvia suas pernas e acentuava sua estreita cintura. A camisa branca não era apertada, mas realçava seu corpo. O casaco preto e a gravata preta completavam o visual e emanava poder e sexo. Ele estava de perfil,
KhadijaO jardim estava banhado de sol naquele fim de tarde. Sereno, verde e dourado. Me afastei da janela e sentei na minha cama.Uma coisa eu tinha que reconhecer, nosso povo era muito amistoso. As mulheres, mesmo que não falassem minha língua, não sabiam o que fazer para eu me sentir feliz e confortável.Titia nem se deu ao trabalho de ficar comigo, estava aproveitando as despesas pagas pelo meu noivo, agora marido, e batendo perna na Medina.A porta se abriu e minha tia entrou no meu quarto, sorriu quando me viu. Tirando o lenço preto que usava na cabeça suspirou:—Allah! Aqui é tudo tão lindo. Essa casa, então, maravilhosa.—Gostei muito da tia de Zafir. Uma pessoa simples e prestativa. Tem uma casa tão grande e nem parece dona dela.Zilá se aproximou de mim com uma sacola na mão.—E dele? Vo
ZafirKhadija se afastou de mim e se enfiou no banheiro com algumas roupas nas mãos. Eu tirei a minha também e só coloquei uma calça de pijama. Logo minha mente me avisou para ter cautela, por isso coloquei também uma camiseta, cobrindo completamente meu corpo.Caminhei até a janela e pela vidraça pude ver a lua cheia. Uma coisa eu tinha, paciência. Casado há três anos com Jamile, eu adquiri convivendo com ela. Ouvi muitas palavras atravessadas em seus dias de mau humor por causa da maldita TPM, suas negativas ferozes quando eu a convidava a um jantar de negócios. Ela só queria sair para festas da alta sociedade. Minhas reuniões, ela não se interessava. Dizia que só haveria “conversas chatas".Eu sabia que meu casamento era um fracasso total, mas eu me acomodei e ela nunca cometeu um grave delito para que eu pudesse repudi&a
KhadijaDizem que ninguém se esquece da primeira vez que pisa em Paris. Eu seria uma delas....Encanto, espanto, surpresa, deslumbramento, alegria e prazer. Tudo isso ao lado de um homem maravilhoso....Às dez horas da noite descemos no Aeroporto Charles de Gaulle. Fomos até área de desembarque e pegamos nossas malas; uma minha, só com poucas roupas. Duas grandes de Zafir.Quando nos viramos, um senhor de meia idade, se aproximou dele.— Seigneur. Avez-vous fait un bon voyage?— Oui, merci. Charles. C'est ma femme, Kajira.Eu fitei a cena confusa. Quem era esse senhor?—Bienvenue, mademoiselle. —Ele se inclinou para mim.Eu sorri. Quando ele pegou nosso carrinho e se dirigiu para a saída, Zafir colocou sua mão na minha cintura.—Quem é esse senhor? Por que ele está levando nossas malas? —Eu
ZafirEu me inclinei e beijei suavemente ao longo de sua mandíbula e logo abaixo da orelha.Ela cheirava tão bem, um perfume doce, como jasmim e rosas. Tão diferente... khara! (Merda!) Não quero pensar em Jamile agora.Voltei a beijar-lhe suavementea concha de sua orelha.—Eu não vou pressioná-la para qualquer coisa. —Sussurrei em seu ouvido, sentindo como ela estava nervosa. Então eu a encarei com as pupilas dilatadas de desejo. Torcendo para ela se entregar de coração e alma. —Não quero que faça amor comigo por obrigação ou gratidão.Ela me olhava afogueada, sua respiração agitada soprando em meu rosto.—Não, eu te desejo. Eu quero isso.Eu sorri de satisfação, retornei com beijos leves por todo seu pescoço antes de chegar a sua boca. Be